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02/05/2018

Tendências da museologia contemporânea são pauta de evento

César Guerra Chevrand (COC/Fiocruz)


Entender o museu como uma das chaves culturais mais poderosas para a compreensão da condição contemporânea. Esta foi a proposta da apresentação do pesquisador português João Brigola no Encontro às Quintas, realizado no Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), em Manguinhos (RJ). Professor da Escola de Ciências Sociais e Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades, da Universidade de Évora, Brigola foi o convidado especial do evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

Ex-diretor do Instituto dos Museus e da Conservação de Portugal e autor de livros importantes sobre o tema, João Brigola discutiu as principais tendências da museologia contemporânea a partir da perspectiva do museu como “instituição central da cultura”. “O museu é o repositório de cultura e do saber científico de uma época. As coleções refletem necessariamente uma visão de mundo. Se nós conseguirmos entender essa epistemologia, estaremos em condições também de entender a nossa época”, disse Brigola, apontando ainda a função de sismógrafo dos museus. “É uma instituição muito influenciada pelas ligeiras alterações de ordem social, cultural, política e científica, mas é, ao mesmo tempo, produtora de novos olhares”.

Ao traçar o que chamou de “panorama museológico global”, o pesquisador da Universidade de Évora analisou a transformação das relações entre museu, arquitetura e cidade. De acordo com João Brigola, a era das grandes construções, simbolizada, por exemplo, pelo Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, está encerrada. “Houve um tempo em que se acreditava que o museu teria capacidade de atrair fluxos turísticos e regenerar a cidade, como é o caso muito claro de Bilbao. A aposta foi na construção de mega estruturas, de grandes museus”, comentou.

Ainda de acordo com Brigola, tal perspectiva vem sendo substituída por um viés mais sustentável, com “estruturas de escala mais humana”, de pequeno e médio porte. Outras tendências são a descentralização das estruturas museológicas e a aposta em polos que funcionam em rede, seguindo o exemplo bem sucedido de universidades mundo afora. “A perspectiva é de horizontalidade, de complementaridade, de ligação ao território e de uma estrutura mais democrática. É de fato um desafio novo”, disse o pesquisador.

Patrimônio e acervo

Outra importante transformação em curso é a emergência de um novo olhar sobre patrimônio, que amplia e problematiza o conceito. “No fundo, existe um patrimônio evidente, conhecido, estudado, tombado, e um patrimônio latente, muitas vezes na reserva dos museus. Mas o gosto, a sensibilidade e as modas científicas não permitem a sua disponibilização. Esse novo olhar obriga isso. É uma pulsão muito interessante e nova”, declarou João Brigola, chamando a atenção também para ações inovadoras de musealização fora das instituições tradicionais. “Essa é uma das possibilidades de recriação de espaços abandonados, como fábricas, escolas e linhas ferroviárias, que estão sendo patrimonializados, musealizados e devolvidos com outras funções à população. Me parece também que é uma linha muito forte dentro da museologia contemporânea”, complementou.

Um sinal dos novos tempos é o crescente interesse do público pelos acervos das reservas técnicas, que também vêm ganhando visibilidade nos museus. “Se nós estamos, em termos internacionais, a definir uma ciência aberta e um acesso público a tudo aquilo que se produz cientificamente, então faz sentido que nós abramos os bastidores dos museus e tornemos o visitante em participante ativo”, pontuou Brigola. “As reservas têm organizado áreas visitáveis, mas agora eles estão trazendo as reservas para o espaço das exposições, mostrando como as obras estão organizadas e condicionadas. É um piscar de olho ao visitante, mas é algo que veio para ficar”, acrescentou.

Novas fronteiras da museologia

Com exemplos da América Latina e da Europa, o pesquisador português também cita a museologia comunitária como uma tendência da contemporaneidade. “Antes de haver museu, existe patrimônio. Essas são iniciativas inovadoras que partem da população, em seu próprio território, com o apoio ou não do poder público. Elas têm uma força muito importante em termos de identidade e de orgulho identitário”, pontuou. No debate sobre o que chamou de “fronteiras quebradas da museologia contemporânea”, João Brigola ressaltou a renovação da área com a criação de museus sobre temas como o amor e sexo. “Essas ideias acontecem porque as três esferas tradicionais da vida humana estão hoje embaralhadas, confundidas, para melhor e para pior. Tradicionalmente, há a esfera da vida pública, da vida privada e a vida secreta, íntima. Agora está tudo embaralhado, sobretudo com as redes sociais”, comentou.

Ao fim de sua apresentação, o pesquisador da Universidade de Évora abordou o que tem sido chamado de museologia pós-colonial, movimento que questiona o eurocentrismo para lançar novos olhares sobre o que antes era considerado exótico. “Há olhares novos sobre essa produção, que deixam em parte os cânones dos grandes mestres da cultura ocidental, para uma reavaliação, não na perspectiva do exótico, mas no sentido da compreensão e da valorização”, disse. Neste mesmo debate, Brigola também destacou o esforço organizado de certos países e grupos sociais que reivindicam o retorno de um patrimônio que hoje pertence a outras coleções nacionais ou instituições privadas. “A História da Arte tem sido reorientada e reescrita nos últimos anos e isso tem sido refletido nos museus”, assinalou Brigola.

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