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25/09/2009

Tese analisa sobrevida e efeitos da adesão ao tratamento da Aids

Informe Ensp


A estatística Dayse Pereira Campos, do Serviço de Estatística e Documentação do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), utilizou o banco de dados do instituto, que possui cerca de quatro mil registros, para analisar os casos de sobrevida e os efeitos da adesão ao tratamento antirretroviral na progressão clínica em HIV/Aids. Dayse examinou a sobrevida do tempo do diagnóstico da Aids até o óbito do paciente. O grande diferencial do estudo foi o uso de dois critérios de definição de casos da doença: o do Ministério da Saúde e do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos.


De acordo com o título da tese, seu trabalho foi dividido em duas frentes: uma sobre os efeitos dos critérios de diagnóstico da Aids e a outra sobre a progressão clínica com o tratamento de antirretrovirais. Como foi o desenvolvimento do estudo?


Dayse Pereira Campos: Sou estatística e trabalhei com pacientes do Ipec/Fiocruz. Recebemos um grande número de pacientes e temos um banco de dados vasto, com cerca de 4 mil registros. Já na minha dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Medicina Social, em 2001, usei dados desses pacientes e analisei sua sobrevida com um número reduzido. Agora, no doutorado, aprofundei minha análise e dividi a tese em três artigos. O primeiro analisa a sobrevida de pacientes em relação ao tempo do diagnóstico da Aids até o óbito, levando em consideração os critérios do Ministério da Saúde (MS) e do Centers for Disease Control and Prevention (CDC). O segundo artigo foi uma revisão sistemática sobre como a adesão ao tratamento com antirretrovirais determina a evolução. No terceiro, faço uma avaliação da adesão ao Haart na evolução clinica dos pacientes.


Como se dá o processo de diagnóstico da Aids? Como foi realizada essa análise da sobrevida?


Dayse: Nesse primeiro artigo, analisei a sobrevida do tempo do diagnóstico da Aids até o óbito do paciente. O diferencial foi o uso de dois critérios de definição de casos da doença. Foram feitas as seguintes perguntas: Quando um indivíduo passa a ser considerado um caso de Aids? Quando ele deixa de ser um indivíduo HIV positivo e passa a ser paciente com Aids? Quanto tempo sobrevive após o diagnóstico? Para responder a essas perguntas, tínhamos de saber quais os critérios de definição dos casos usados. Vários países possuem seus critérios de definição. O Brasil estabeleceu o seu em 1987 e vem evoluindo ao longo dos anos.


Quando um artigo que aborda a sobrevida dos pacientes tem a característica de verificar o tempo do diagnóstico até o óbito, é preciso identificar qual critério foi utilizado e o que definiu o diagnóstico, pois os critérios têm diferenças. Nosso estudo avaliou o diagnóstico da Aids estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pelo CDC e comparou as diferenças. Sabendo que else são diferentes, foi perguntado: quais são os impactos trazidos para a vida dos pacientes? Nossa análise mostrou que os indivíduos analisados de acordo com os critérios brasileiros possuem uma sobrevida maior. Sabemos que o ponto final do nosso estudo é o óbito, mas o início variou em função do critério usado.


Quais são as principais diferenças entre os critérios do MS e do CDC?


Dayse: Para se acompanhar o paciente com Aids, deve-se verificar o estado imunológico dele. Estamos falando de uma síndrome da imunodeficiência. Então, devemos analisar em que estado de deficiência imunológica a pessoa está, e isso é feito através dos Linfócitos T CD4. Fazemos uma contagem de linfócitos e, quando else caem muito, verificamos que a doença está progredindo. A contagem para pessoas normais é acima de mil. Quando o indivíduo está infectado pelo HIV, else começam a cair. Para o Ministério da Saúde, uma pessoa é considerada um caso de Aids quando é inferior a 350 células. De acordo com os critérios do CDC, esse valor deve ser inferior a 200. Essa já é uma grande diferença.


Outra é com relação ao diagnóstico das doenças que definem a pessoa com Aids. Há uma lista de doenças chamadas oportunistas, infecciosas ou não, mas que se aproveitam do estado de baixa imunidade do paciente para se manifestar. O MS tem uma lista, e a do CDC, embora muito parecida, tem diferença. Quando se utiliza esse critério, verificamos que há diferenças, e a avaliação não é realizada de forma equivalente.


Qual é o tempo médio de sobrevida encontrado de acordo com os critérios avaliados?


Dayse: Em relação à sobrevida, trabalha-se com tempo mediano, um conceito de estatística um pouco diferente, mas que se aproxima da média. Na realidade, além do tempo mediano, queríamos verificar se o risco variava de um critério para o outro. Dos 1.415 pacientes que nós analisamos, alguns foram definidos por um caso e não por outro. Foram definidos pelos critérios do MS, e não pelo do CDC, 289 pacientes, enquanto em apenas 16 casos aconteceu o contrário.


Também verificamos que, tanto para um critério quanto para o outro, a maioria dos pacientes não tinha morrido. Portanto, não se atingiu o tempo de sobrevida mediano. Analisamos pacientes desde 1986 e outros muitos mais recentes, os quais, certamente, possuem uma adesão maior ao tratamento. Trabalhamos com o terceiro quartil, ou seja, dividimos em quatro partes e constatamos, a partir daí, que apenas 25% tinham morrido. Três quartos dos pacientes estavam vivos 22 meses após o diagnóstico da AIDS nos critério do CDC. Quando levamos em consideração o MS, tivemos 31 meses. Isso dá nove meses a mais de sobrevida.


O que determinou uma sobrevida maior em um critério do que no outro?


Dayse: Além de analisar a sobrevida, ajustamos um modelo matemático sobre quais variáveis influenciaram o resultado, ou seja, justamente o que determinou a sobrevida maior em um critério que no outro. Fizemos o ajuste do modelo para os dois critérios e encontramos resultados diferentes. Naturalmente, o risco da pessoa que não teve acesso a nenhum tratamento em relação àquela que usou o tratamento mais avançado é maior. Isso foi evidenciado nos dois critérios. A principal diferença foi em relação à condição de definição de caso, já que, no Brasil, além da contagem de CD4, usa-se o critério de pontuação, ou seja, o critério conhecido como Rio de Janeiro-Caracas. O risco dos pacientes definidos por essa condição foi mais elevado em relação aos definidos pela condição imunológica. Outro fator importante na determinação da sobrevida foi o fato de o paciente ter Aids antes de procurar a Instituição, mas apenas para o critério brasileiro.


De que forma a adesão ao tratamento influenciou a evolução da doença?


Dayse: Esse estudo já faz parte do segundo artigo da minha tese, na qual fiz uma revisão sistemática da literatura, e estava interessada em verificar de que forma a adesão determina a ocorrência de qualquer desfecho da evolução da doença, ou seja, o óbito ou alguma outra situação que demonstrasse a que a doença estava melhorando ou piorando.


Não sabia em qual estado essas informações se encontravam, ou até mesmo se havia estudos ou não sobre esse aspecto. No início pensamos em fazer uma revisão sistemática apenas dos óbitos, mas resolvemos avaliar todos os desfechos. A gente sabe que os pacientes estão morrendo menos porque há um tratamento efetivo que a gente chama de Haart, para os leigos o coquetel. Esse tratamento teve início em 1996 e, de lá pra cá, as pessoas estão sobrevivendo mais. No entanto, o que acontece com as pessoas que aderem pouco ao tratamento ou não o aderem de forma adequada? Como isso funciona? Fiz uma busca nas bases Mediline e Lilacs tentando descobrir os estudos que medissem o impacto da adesão ao tratamento.


O que encontrou nessa revisão sistemática?


Dayse: Localizei 466 artigos. 371 foram descartados pelo resumo e 95 foram lidos integralmente. Desses, 57 foram excluídos e 38 foram utilizados na revisão sistemática. Verifiquei os níveis de adesão que eram utilizados, como consideravam um paciente aderente, de que forma que a adesão era avaliada e os pontos de corte para considerar o paciente aderente. Achei estudos que consideravam pacientes aderentes aqueles que tomassem 100% da medicação, estudos com 95%, outros com 80% e o menor valor para considerar o paciente aderente foi 75% de adesão ao medicamento.


Como foi possível verificar esse nível de adesão?


Dayse: Tínhamos várias formas para isso. Pode-se fazer uma entrevista com o paciente, utilizar dados da farmácia, que indicam se ele foi ou não buscar o medicamento, e achei um estudo que verificava a dosagem da medicação no sangue do paciente. Também tivemos casos de entrevista ao médico e análise de prontuário, só que o mais frequente foi o com os dados da farmácia.


Em 19 artigos, verifiquei a análise de sobrevida e o risco de morte para pacientes aderentes e não aderentes da medicação. O risco de morte de pacientes não aderentes com relação aos pacientes aderentes foi de 10% a 380%. Isso mostra que os riscos foram sempre menores para aqueles aderentes que para os não aderentes. Portanto, esse artigo demonstra que a adesão medida de qualquer forma é importante. O médico tem que buscar a adesão, temos que criar grupos para isso, e a farmácia deve ajudar. O governo gasta muito recurso para comprar o medicamento e para oferecer a medicação, mas fica comprovado que, se o paciente tomar mal ou não aderir de forma correta, vai ter falha. Sabemos que a adesão é difícil. São muitos comprimidos, curto espaço de tempo, e eles têm que tomar a vida toda. O desgaste é muito grande, e há o abandono.


E o terceiro artigo. Quais são os objetivos?


Dayse: No terceiro artigo, fizemos uma avaliação da adesão ao Haart na evolução clínica dos pacientes. Nele, utilizamos os métodos que tinha encontrado e os aplicamos para os pacientes do Ipec. O Ipec tem um banco de dados com quase 4 mil pacientes, mas nem todos tiveram acesso à medicação, pois como analiso casos desde 1986, uma boa parte não usou Haart. Além do que alguns ainda continuam em tratamento, mas mudaram de estado, de região. Enfim, tive algumas perdas nesse caso, pois precisava de pacientes que dispunham de todas as informações necessárias para a análise e sobre a dispensação do medicamento. Estas últimas informações foram obtidas do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM).


Com essas informações, verifiquei que a evolução clínica para pacientes com 75% e 90% de adesão eram praticamente iguais. Vimos anteriormente que pacientes não aderentes tinham 380% de risco agravado para pacientes aderentes, e aqui nesse cas, um paciente com menos de 50% de adesão, se comparado com um com mais 90%, tem o risco de falha terapêutica aumentado em 740%.


Outra variável importante para a ocorrência do desfecho foi a idade. Pacientes mais jovens e mais velhos tiveram maior risco de falha em relação às pessoas entre 35 e 55 anos. Outra variável foi o fato de ficar um período sem ir ao medico. Com isso, a gente conclui que o grau de adesão ao tratamento está diretamente associado ao risco de ocorrência de desfechos desfavoráveis. Como trabalhamos com falhas terapêuticas, estão envolvidos o óbito, a falha virológica e imunológica e ocorrência de doenças. Mesmo sem saber o nível de adesão mais adequado, vimos, nesse estudo, que entre 75% e 95% não há diferença significativa na ocorrência de falha. Os médicos têm uma preocupação em ter uma adesão de 95%, mas talvez não haja necessidade desse rigor.


Qual foi o nível de adesão dos pacientes do Ipec?



Dayse: Aqui, em três anos de pesquisa, tivemos um nível de 49% de adesão dos pacientes para 90% de adesão ao tratamento. Portanto, quase 50% dos pacientes do Ipec tiveram mais de 90% de adesão ao medicamento em três anos. Com relação a outros estudos, esse número pode parecer baixo, mas analisamos isso em um período mais longo do que os outros estudos. Se fizéssemos em seis meses, como é feito normalmente, teríamos uma adesão mais alta.


O que fazer para se obter um nível maior de adesão? É possível?


Dayse: Pensamos em um sistema de monitoramento mais próximo da dispensa dos pacientes, na farmácia, que seja capaz de perceber quando há um atraso muito grande na retirada do medicamento, que possa indicar uma baixa adesão e acarretar em um aumento do risco. Sabemos que não precisamos ser tão exigentes, mas é preciso mobilizar os profissionais de saúde e os pacientes.


Publicado em 25/9/2009.

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