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16/10/2012

Tese da Ensp/Fiocruz aborda impactos da violência em uma missão de paz no Haiti

Renata Moehlecke


É comum veteranos de guerra apresentarem transtorno de estresse pós-traumático, já que as atividades em combate podem afetar a saúde física e mental. No entanto, como militares empregados em forças de paz lidam com o que ocorre durante as suas funções? Essa é a temática que o psicólogo Wanderson Fernandes de Souza resolveu abordar em tese defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Souza investigou o histórico de situações traumáticas vividas por 238 militares do Oitavo Contingente Brasileiro em missão no Haiti e a sua associação com possíveis agravos à saúde mental.


 Souza investigou o histórico de situações traumáticas vividas por 238 militares do Oitavo Contingente Brasileiro em missão no Haiti e a sua associação com possíveis agravos à saúde mental. 

Souza investigou o histórico de situações traumáticas vividas por 238 militares do Oitavo Contingente Brasileiro em missão no Haiti e a sua associação com possíveis agravos à saúde mental. 

 


Para o estudo, o pesquisador avaliou os militares um mês antes do embarque para a missão, dois meses antes do retorno para o Brasil e dois meses após a volta ao país. “Felizmente, os resultados indicam que, ao menos em curto prazo, a saúde mental do militares parece estar sendo menos afetada pelo impacto da participação em uma missão de paz do que tem sido sugerido pela literatura internacional”, afirma o pesquisador, que encontrou poucos casos de estresse pós-traumático e depressão entre os investigados.


Ele aponta que a experiência no Haiti foi caraterizada, pela maior parte dos entrevistados, por situações que não envolveram risco de vida, o que acarretou em um fator interessante. “O modo como os indivíduos reagiram durante ou imediatamente após uma situação traumática parece ter sido mais importante no desenvolvimento de sintomas de estresse póstraumático

do que o número de exposições a experiências traumáticas”, explica o estudioso, que acrescenta: “Indivíduos podem tornar-se muito frustrados quando se deparam com situações em que são forçados a manter uma postura passiva”.


Dentre os problemas relatados pelos militares, 50,8% reclamaram das dificuldades de comunicação com a população local, 56,7% de terem sido agredidos verbalmente pela mesma e 59,4% de se depararem com condições miseráveis de vida durante a missão. Com relação ao histórico de traumas, quase 90% dos participantes da pesquisa afirmaram terem sido expostos a algum evento traumático antes de irem ao Haiti.


Aproximadamente 11% dos consultados apontaram ter vivenciado uma situação moderadamente estressante antes dos 14 anos de idade, sendo que o percentual aumenta para 42,4% quando consideradas todas as experiências de vida. “Estas informações são extremamente relevantes ao se avaliar o impacto que as situações no Haiti viriam a ter na saúde mental desses indivíduos”, comenta o pesquisador.


Além disso, 25% dos participantes do estudo afirmaram terem se envolvido em situações de risco de vida, 39,9% em casos de risco para alguém próximo. Com relação à violência, 41,6% contaram já ter sofrido assalto ou tentativa de roubo e 31,9% tiveram que lidar com alguém tentando lhes tirar algo a força. Quase 60% dos entrevistados disseram ter visto ou tocado em um cadáver sem ser em velório ou funeral, 28,9% relatou ter visto alguém seriamente machucado e 26,5% já passaram por uma situação na qual poderiam ter sido gravemente feridos.


“Vale ressaltar que, como uma grande parcela desses militares é de famílias pobres e que vivem ou viveram em regiões com risco de violência, a situação que encontram no Haiti não é tão distante de suas realidades. Isto faz com que o impacto de conviver com a miséria haitiana seja menor para os brasileiros, que de alguma forma já estão ‘habituados’ a cenários similares a este”, destaca o estudioso. “Isso fica evidente no fato de que, além de terem relatado poucas situações de risco de vida no Haiti, esses mesmos militares relataram um número significativo de situações de exposição à violência e a situações traumáticas antes da missão”.


O pesquisador ainda aponta: “A avaliação das consequências do trabalho em forças militares de paz deve levar em consideração tanto situações de risco mais graves quanto o acúmulo de pequenas condições adversas no trabalho. No entanto, a importância da identificação de possíveis fatores de risco no desenvolvimento de sintomas psicopatológicos ultrapassa a esfera militar ao gerar conhecimento que nos permite elaborar medidas preventivas e aprimorar os métodos de tratamento existentes, proporcionando maior qualidade de vida aos indivíduos expostos a situações potencialmente traumáticas”.


Tropas brasileiras no exterior


As forças militares de paz foram criadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) na década de 1940. Hoje, a participação do Brasil é feita por um contingente de cerca de 1,2 mil militares, que passam por um período de seleção e treinamento prévios. Os voluntários são renovados a cada seis meses. No que se refere à missão no Haiti, após o terremoto que atingiu o país em 2010, os oficiais prestam auxílio em diferentes atividades: na ajuda humanitária a partir da distribuição de alimentos, na cooperação em hospitais, no suporte às eleições locais ou no trabalho como força policial.


“O Brasil sempre foi um país de participação modesta na mediação de conflitos internacionais e nossos militares sempre exerceram uma função muito mais voltada à defesa das fronteiras. Porém, o Brasil tem apresentado um significativo aumento de sua participação em conflitos externos por meio do envio de forças militares de paz, especialmente nos últimos anos”, explica o pesquisador. “Apesar de não ser a primeira participação brasileira em missões internacionais, a atual missão de paz no Haiti representa o maior número de militares brasileiros enviados para o exterior”.



Publicado em 16/10/2012.

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