Início do conteúdo

10/03/2011

Tese investiga doenças respiratórias em indígenas guarani do Sul e Sudeste

Informe Ensp


As infecções respiratórias agudas (IRA) estão entre as mais importantes causas de morbidade em crianças menores de 5 anos em todo o mundo, sendo também uma causa significativa de hospitalização e óbito nesse grupo etário nos países em desenvolvimento. Esse padrão foi confirmado entre os indígenas guarani residentes no Sul e Sudeste do Brasil a partir do estudo que resultou na tese de doutorado em saúde pública do pesquisador Andrey Moreira Cardoso, Doença respiratória aguda em indígenas guarani no Sul e Sudeste do Brasil. Ele também investigou, por meio de um estudo caso-controle, os determinantes da hospitalização por doenças respiratórias agudas baixas (Drab) entre os indígenas guarani. Cardoso fez o doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).


 Crianças guarani homenageiam Nhanderu, a principal entidade religiosa guarani, com dança e música (Foto: Fernandes Dias Ferreira)

Crianças guarani homenageiam Nhanderu, a principal entidade religiosa guarani, com dança e música (Foto: Fernandes Dias Ferreira)


A tese é composta de três artigos, intitulados Morbidade hospitalar indígena guarani no Sul e Sudeste do Brasil; Mortalidade indígena fuarani no Sul e Sudeste do Brasil; e Fatores de risco para hospitalização por doença respiratória aguda baixa em crianças indígenas guarani no Sul e Sudeste do Brasil: um estudo caso-controle em 83 aldeias e acampamentos no sul e Sudeste do Brasil. Entre os indígenas guarani residentes no Sul e Sudeste do Brasil o pesquisador verificou a taxa anual padronizada de hospitalização global de 8,1/100 pessoas-ano, 70% superior à taxa correspondente verificada no Brasil, e 40% e 210% superior às da população geral nessas regiões, respectivamente. De acordo com o pesquisador, quando se trata especificamente das crianças guarani menores de 5 anos, a taxa de hospitalização atinge a magnitude de 31,3 hospitalizações/100 pessoas-ano (71,4/100 em menores de 1 ano e 21,0/100 entre 1-4 anos), sendo a maioria das hospitalizações (76,3%) devidas às IRA, que também foram responsáveis por 71,4% das causas definidas de mortalidade em menores de 5 anos.


O início da coleta de dados ocorreu em maio de 2007, após a realização de duas oficinas preparatórias do estudo na Ensp, ocasião em que o autor reuniu 27 enfermeiros e 14 indígenas guarani de todos os polos-base participantes do estudo para discutir e testar junto aos agentes indígenas de saúde (AIS) um questionário pré-elaborado contendo variáveis, a fim de explorar possíveis fatores de risco para pneumonia clínica em crianças guarani. Obteve-se a listagem nominal atualizada da população com idade inferior a 5 anos das 83 aldeias no início do estudo e implantou-se um sistema de vigilância das hospitalizações, coordenado pelo autor e conduzido pelos enfermeiros das aldeias, que teve como objetivos notificar, a cada três dias, todas as hospitalizações por IRA em menores de 5 anos e, mensalmente, os nascimentos, óbitos e migrações, bem como as hospitalizações por todas as outras causas e idades.


Esses procedimentos permitiram atualizar mensalmente a população e contabilizar a totalidade dos nascidos vivos, óbitos e hospitalizações na população guarani. A cada hospitalização por suspeita de IRA em menores de 5 anos (caso), era gerada uma lista de controles elegíveis, e os enfermeiros aplicavam o questionário padronizado aos responsáveis pelo caso (criança hospitalizada) e por dois controles (criança residente na mesma aldeia do caso, da mesma idade e sexo, livre de IRA no período), em prazo máximo de sete dias a contar da data da internação do caso. Todos os casos de IRA (hospitalizações) foram confirmados por revisão dos prontuários hospitalares em 49 hospitais de referência para internação guarani. Ao fim do período de quatorze meses, obteve-se uma amostra de 120 casos e 201 controles.


O estudo acompanhou mais de 6 mil indígenas guarani


No período de estudo, no qual foram acompanhados 6.483 indígenas guarani, foram contabilizadas 666 hospitalizações concentradas em 497 indivíduos, sendo a maioria em crianças menores de 5 anos (71,9%). Verificou-se maior frequência de hospitalização e re-hospitalizações nas idades mais baixas, com até 7 re-hospitalizações em uma mesma criança. "As doenças respiratórias foram as principais causas da hospitalização (64,6%), sobretudo em menores de 5 anos (menores de 5 anos: 77,6%; menores de 1 ano: 83,4%)." A taxa de hospitalização por IRA em menores de 5 anos foi de 23,7/100 pessoas-ano, superando em 7,4 e 5,4 vezes as taxa de hospitalização por diarreia e por demais causas, respectivamente", analisou Andrey.


A magnitude da hospitalização de crianças guarani menores de 5 anos por IRA seria comparável à experimentada por crianças do mesmo grupo etário em países em desenvolvimento há pelo menos quinze anos. As hospitalizações são marcadas por condições sensíveis à atenção primária, indicando necessidade de melhoria nas condições de vida e de qualificação na atenção primária à saúde nas aldeias. As taxas de mortalidade infantil e em menores de 5 anos guarani são duas vezes maiores que as taxas verificadas no Sul e Sudeste para as crianças da população geral.


O segundo artigo da tese descreveu a mortalidade guarani no Sul e Sudeste, com foco nas iniquidades em saúde. De acordo com os dados coletados, a taxa bruta de mortalidade se assemelha à nacional, mas a taxa de mortalidade em menores de 5 anos (44,5/1000) e a taxa de mortalidade infantil (29,6/1000) são 2 vezes maiores que as taxas correspondentes nessas regiões. "Encontramos números que revelam uma proporção de óbitos infantis pós-neonatais de 83,3%, ou seja, 2,4 vezes maior que a proporção verificada na população geral.


As proporções de causas mal definidas (15,8%) e de evitáveis por intervenções do SUS (51,6%) foram elevadas. Quando verificamos as principais causas de morte definidas em menores de 5 anos, encontramos as IRA em 71,4% dos óbitos e as diarreias, em 21,4% deles, totalizando 92,8% das causas de morte em menores de 5 anos guarani".


A etapa seguinte da tese buscou desvendar os principais fatores de risco para hospitalização por doença respiratória aguda baixa (DRAB) em indígenas menores de 5 anos, por meio de um estudo caso-controle de base populacional, pareado no tempo e por idade, sexo e local de residência. Elaborou-se um modelo teórico de determinação das Drab, composto dos seguintes níveis hierárquicos: (1) fatores socioeconômicos e idade paterna; (2) características maternas e gestacionais; (3) fatores ambientais; (4) fatores perinatais; e (5) fatores alimentares e nutricionais e história mórbida pessoal.


A partir da análise de regressão logística condicional multivariada hierárquica, chegou-se a um modelo final de determinação das Drab entre os guarani, no qual crianças cujos moradores do domicílio não possuem salário fixo apresentaram o dobro da chance de hospitalização por Drab em comparação com crianças residentes em domicílios com renda fixa. Baixa idade materna (menores de 26 anos), local onde a criança dorme (chão), número de crianças menores de 5 anos adicionais no domicílio, localização do fogo principal (interior da casa sem cômodo), baixo peso ao nascer, baixo peso para idade e história prévia de hospitalização apresentaram-se estatisticamente associados de forma independente à maior chance de hospitalização por Drab, com magnitudes que variaram de 1,97 (salário fixo) a 9,25 (hospitalizações prévias).


Os resultados confirmaram a relevância epidemiológica e social das IRA no grupo estudado, em particular nas crianças menores de 5 anos, e permitiram identificar crianças e famílias guarani em situação de vulnerabilidade às IRA, para as quais deve-se ter uma atitude de vigilância sistemática. Revelaram-se importantes iniquidades no que se refere às causas e magnitudes das hospitalizações e dos óbitos em relação à população geral no Brasil e no Sul e Sudeste, onde se localizam as aldeias guarani. São necessários investimentos na melhoria das condições de vida, incluindo a garantia de subsistência, a redução da pobreza e da fome, a promoção de ambientes saudáveis e a qualificação da atenção primária à saúde nas aldeias.


Publicado em 4/3/2011.

Voltar ao topo Voltar