13/04/2023
A tese defendida pela pesquisadora Sílvia Gonçalves Mesquita, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz Minas), foi a vencedora do 2º Prêmio de Dissertação e Tese da Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP), na categoria Helmintologia. A premiação, concedida aos melhores trabalhos defendidos entre 2021 e 2022, será concedida no XXVIII Congresso da SBP, entre 16 e 19 de abril, em Aracaju. O trabalho avaliou o desempenho de duas metodologias para a detecção do Schistosoma mansoni em seres humanos e em caramujos do gênero Biomphalaria, denominadas LAMP (amplificação isotérmica mediada por loop) e RPA (amplificação da polimerase recombinase). A pesquisadora foi orientada por Roberta Lima Caldeira e Cristina Toscano Fonseca, do IRR, e Bonnie Webster, do Museu de História Natural de Londres.
Schistosoma mansoni macho e fêmea em cópula registrados por um microscópio eletrônico (Foto: Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados/IOC/Fiocruz)Para avaliar o desempenho de um método de diagnóstico é necessário ter um teste padrão, que sirva de referência para a comparação dos resultados observados. Entretanto, segundo as pesquisadoras, o principal teste aplicado em humanos para o diagnóstico da esquistossomose, baseado na metodologia Kato-Katz, já vem demonstrando há algum tempo limitações em relação à precisão dos resultados, principalmente devido a mudanças no cenário epidemiológico da doença. Para contornar essa questão, paralelamente à tese, foi realizado um estudo com mais nove testes de diagnósticos, além do LAMP e RPA. Com os resultados dos testes, a equipe do projeto realizou uma avaliação global, para determinar a sensibilidade dos testes, ou seja, capacidade de detectar pessoas que têm a doença, e a especificidade, que é a capacidade do exame de identificar aquelas que não têm a doença.
Para essa avaliação, a equipe coletou amostras de sangue, fezes e urina de 400 moradores do município de Malacacheta, no nordeste de Minas. A localidade foi escolhida por ser considerada de baixa endemicidade, devido ao fato de os indivíduos infectados terem carga parasitária reduzida, o que pode interferir na sensibilidade dos testes. Já para avaliar o desempenho de LAMP e RPA em amostras de caramujos coletados em campo, os resultados dessas duas abordagens foram comparados aos de métodos baseados em PCR e sequenciamento de nucleotídeos, considerados padrão-ouro para o diagnóstico em moluscos.
“Os resultados do estudo confirmaram que LAMP e RPA são metodologias moleculares promissoras. Ambas geraram resultados satisfatórios em termos de sensibilidade e especificidade, quando utilizadas amostras de humanos e de moluscos. Outra vantagem é o fato de necessitarem de uma infraestrutura não complexa, podendo ser aplicadas em diferentes localidades”, explica Sílvia Gonçalves Mesquita, que se tornou doutora em Ciências da Saúde pela Fiocruz Minas, após defender a tese em 2022, e atualmente faz pós-doutorado no Museu de História Natural de Londres.
Importância
As orientadoras Roberta Lima Caldeira e Cristina Toscano Fonseca lembram que a precisão do diagnóstico é, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um dos principais aspectos que precisam ser solucionados para que seja possível a eliminação da esquistossomose. “Detectar Schistosoma mansoni é difícil. Às vezes, mesmo o molusco estando infectado, o parasito não aparece no teste porque depende do estágio de desenvolvimento dele. Por isso, grupos de pesquisa do mundo inteiro estão empenhados em identificar novos métodos, que possam ser utilizados em diferentes tipos de amostras”, afirma Caldeira.
“Essa é uma demanda mundial, porque o perfil da doença mudou. As pessoas estão se infectando com cargas parasitárias baixas. O teste recomendado falha muito e isso traz várias implicações, já que as pessoas deixam de ter acesso ao tratamento. Associado a isso, a ausência de saneamento básico e do controle do vetor levam à manutenção do ciclo do parasito e propagação da doença. Então, o desenvolvimento de diagnóstico humano mais sensível é uma ferramenta importante para o controle da doença,” ressalta Fonseca.
Para as orientadoras, a premiação concedida pela Sociedade Brasileira de Parasitologia é um reconhecimento à relevante contribuição do trabalho para o enfrentamento da esquistossomose, mas representa também a vitória da persistência. Elas lembram que, no decorrer do estudo, surgiram vários obstáculos, superados graças à determinação da doutoranda. “Foi o primeiro estudo com a proposta de utilização do RPA no país. Então, quando entramos em contato com a empresa fornecedora dos reagentes necessários, descobrimos que não entregavam no Brasil. A solução que encontramos foi receber o produto por meio do Museu de História Natural, em Londres, já que a Sílvia havia conseguido uma bolsa para fazer o doutorado sanduíche”, conta Fonseca.
Mas a realização do doutorado sanduíche foi outra situação que precisou de determinação. Isso porque, apenas três meses após chegar em Londres, teve início a pandemia de Covid-19, que levaria Sílvia a voltar ao Brasil e suspender temporariamente o estágio no exterior por 17 meses.
“Aqui no IRR também estávamos com uma série de restrições para trabalhar, com toda razão. Tínhamos um sistema de revezamento para não ter muita gente ao mesmo tempo no laboratório. A Sílvia vinha, muitas vezes, nos finais de semana para fazer os experimentos. Não fosse a dedicação dela, não sei se teríamos um trabalho com tanta qualidade”, destaca Caldeira.
Para a agora doutora, os bons resultados também se devem ao apoio recebido durante todo o trabalho. “Durante todo o tempo tive o acompanhamento das minhas orientadoras e de toda a equipe do projeto que estavam sempre disponíveis. Em relação à premiação, foi uma grande surpresa! Submeti o trabalho ao prêmio devido ao incentivo das minhas orientadoras e da banca examinadora da tese. Estou muito feliz e honrada. Gostaria muito de estar no Brasil para acompanhar presencialmente o XXVIII Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia”, diz.
Os resultados da tese geraram três artigos científicos já publicados e um quarto está em etapa de redação. Para que o teste avaliado na tese possa chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) para o diagnóstico da esquistossomose, ainda são necessários outros estudos e parcerias que possam garantir a fabricação do produto.