30/10/2007
Isis Breves
A infectologista e dermatologista do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz Maria Clara Gutierrez Galhardo foi premiada no 21° Congresso Mundial de Dermatologia (21° World Congress of Dermatology), que ocorreu este mês em Buenos Aires, com o seu trabalho de pós-doutorado sobre a esporotricose. A pesquisa foi desenvolvida em cooperação com o Serviço de Micologia do Instituto Carlos III, em Madri. “Foram mais de três mil trabalhos em pôsteres apresentados, dos quais apenas 30 foram selecionados e somente três escolhidos para premiação, por cada área da dermatologia. O trabalho feito no Ipec, em parceria com o Instituto Carlos III, foi um dos premiados na área de doenças infecciosas”, diz Maria Clara. O Estado do Rio de Janeiro vive desde 1998 uma epidemia de esporotricose. Em maio deste ano foram registrados mais de 1.500 casos da doença.
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O Ipec estimula os pacientes a levarem os gatos para exames no Serviço de Zoonoses (Foto: Cepolina) |
A pesquisa, intitulada Molecular Epidemiology and susceptibility patterns from isolates of different clinical forms from epidemic cat-transmititted sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil estudou 59 cepas de pacientes com esporotricose de diferentes formas clínicas do surto no Rio, as características fenotípicas (sensibilidade in vitro a diferentes medicamentos antifúngicos) e genotípicas (método de DNA fingerprinting method com primer M13 e seqüenciamento do DNA ribosomal do espaço de transcrição interna).
“Verificamos que as cepas do surto apresentaram um padrão fenotípico muito similar, o que demonstra uma sensibilidade in vitro aos antifúngicos, assim como padrão genotípico homogêneo. Estes padrões foram muitos distintos das cepas controle estudadas na Espanha, em São Paulo e no Rio fora da área do surto. Ou seja, nossos resultados sugerem que as cepas epidêmicas do Rio são diferentes das cepas controles, e mais, as cepas do surto são muito semelhantes entre si, sugerindo um nicho comum”, explica Maria Clara.
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Maria Clara diz que é preciso incentivar a posse responsável de animais (Foto: Isis Breves) |
Segundo a pesquisadora do Ipec, “a esporotricose transmitida pelo gato é uma forma rara da doença e nenhum lugar do mundo existe essa epidemia como há dez anos existe no Rio de Janeiro”. A esporotricose é uma micose que tem evolução subaguda ou crônica causada pelo fungo Sporothrix schenckii. É conhecida pelos médicos como a doença do florista ou jardineiro, porque geralmente o fungo está na terra e é adquirido por meio de um arranhão.
“No Ipec, a partir de 1998 a doença foi diagnosticada em nove pacientes. Um dos casos que mais chamou à atenção foi o de um veterinário que havia tratado um gato com esporotricose. Na época, o médico Antonio Carlos Francesconi do Valle, com sua vasta experiência em dermatologia, foi quem diagnosticou este elo e a partir de então estimulamos os pacientes com a doença a levarem os seus gatos para serem examinados no Serviço de Zoonoses implantado no Ipec. De 1998 até os dias atuais tivemos mais de 1.500 casos em humanos e mais de 1.500 casos em animais”, conta Maria Clara.
Estatísticas da doença apontam que os maiores índices de casos são de áreas menos favorecidas do Rio de Janeiro, como a Baixada Flumimense e bairros da cidade do Rio de Janeiro limítrofes à região. Os casos de esporotricose em bairros com maior renda per capita como Leblon e Copacabana estão sob controle.
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Gráfico mostra índice de casos da doença em bairros do Rio de Janeiro |
“Como pesquisadora fico feliz com essa premiação, pois é resultado de grande desafio alcançado. Esse estudo, feito de 2004 a 2005 foi, incentivado por Zancope Oliveira, do Laboratório de Micologia e Imunodiagnóstico do Ipec, e desenvolvido em duas etapas – os testes de sensibilidade foram feitos na Espanha e o todo o restante na Fiocruz. Foi um trabalho de grupo, com cooperação internacional onde foi dado destaque ao CNPq e a Fiocruz. Porém, gostaria de chamar a atenção com a premiação para essa epidemia, que em 2008 completará dez anos e ainda resiste no Rio de Janeiro por falta de políticas de saúde para conter a esporotricose. Como carioca que adora esta cidade, me sinto muito envergonhada com esta epidemia que praticamente vi nascer e atingir um patamar absurdo. É necessário que haja a descentralização do atendimento, a estruturação das prefeituras para atender aos animais e os pacientes humanos. Hoje a Fiocruz é um dos poucos locais de atendimento. Além disso, precisamos também sensibilizar a população com educação e medidas preventivas e estimular a posse responsável de animais”, conclui Maria Clara.