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24/02/2011

Tratado registra os 30 anos da paleoparasitologia brasileira

Isabela Schincariol


Há mais de 30 anos nascia, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o termo paleoparasitologia. Ele foi fruto de estudos iniciados e desenvolvidos, em 1978, pelo médico Luiz Fernando Ferreira - pesquisador da Escola e professor emérito da Fiocruz - sobre parasitos em materiais milenares. Em razão de sua importância, a nomenclatura se transformou em área de concentração na pós-graduação em saúde pública da Ensp. As etapas dessa singular história de pesquisa foram registradas no livro Fundamentos da paleoparasitologia, que será publicado pela Editora Fiocruz ainda neste primeiro semestre. Atuando por muito tempo na instituição, Ferreira contou que foram numerosas batalhas: algumas de sucesso e outras que não obtiveram o resultado esperado. Em vista de sua experiência, o professor da Ensp afirma que, sem dúvida, apesar de todos os percalços, "é bom envelhecer em Manguinhos".

De acordo com o livro Paleoparasitologia, lançado pelos mesmos autores em 2008 com o objetivo de difundir a área para todos os públicos, "a palavra que deriva dos termos gregos - paleo = antigo, para + sito = junto de, ao lado + alimento e logos = palavra, estudo - se distingue apenas pelo fato de o material analisado ser proveniente de populações antigas, pesquisando-se corpos mumificados, resquícios ósseos ou mesmo fezes fossilizadas (coprólitos). Assim, a paleoparasitologia, surgiu como ferramenta para auxiliar no estudo de sociedades humanas ancestrais, possibilitando inferências sobre o modo de vida do homem, sua migração através do tempo e os processos saúde-doença por ele vividos".A publicação foi organizada em parceria com o também pesquisador da Ensp Adauto José Araújo e Karl Jan Reinhard, da Universidade de Nebraska, e teve a participação de vários autores. O livro, um tratado da área, faz um resgate histórico da paleoparasitologia e também engloba questões técnicas e avanços dos estudos com a inclusão da biologia molecular no campo. Para Ferreira, "a publicação é uma síntese do que nós e muitos outros pesquisadores fizemos na área de paleoparasitologia nesses 30 anos".

Com a publicação, Ferreira ressaltou a importância de documentar a história da paleoparasitologia brasileira. Formado em 1960 pela Faculdade Nacional de Medicina, da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele lembrou que seu grande mestre e inspirador de seus estudos foi José Rodrigues da Silva, considerado por ele o "papa" da esquistossomose. "A ortodoxia afirma que a esquistossomose mansoni veio da África com o tráfico de escravos, mas José Rodrigues acreditava que esta era uma ocorrência natural do Brasil, autóctone. A provocação dele me despertou grande interesse, pois tirava a descoberta de uma zona de conforto e abria novas possibilidades de pesquisa. Eu era seu assistente no Laboratório de Parasitologia, da cadeira de doenças tropicais na faculdade. Isso me fascinou e me divertiu muito durante os estudos, porém nunca conseguimos comprovar a tese de Rodrigues Silva", afirma Ferreira, lembrando o nascimento da área.

Já aposentado, mas ainda trabalhando diariamente na Ensp, Ferreira - que também foi cofundador das sociedades brasileiras de Parasitologia e de Medicina Tropical, ex-presidente da Fiocruz, membro da Academia de Medicina do Rio de Janeiro e membro honorário da Academia Nacional de Medicina, contou que, com o desenvolvimento das pesquisas, foi percebido que a paleoparasitologia apresentava resultado não apenas no estudo das doenças, mas também nos estudos sobre migrações pré-históricas.

"No início, tivemos muitas dificuldades, e os outros pesquisadores ficavam hesitantes. Contudo, aos poucos, fomos apresentando resultados. Em 1981, conseguimos trazer ao Brasil, durante o 6º Congresso Brasileiro de Parasitologia, um sujeito notável, o médico inglês e professor Aidan Cockburn, que proferiu uma palestra maravilhosa e esclarecedora sobre o tema", disse. Nesse mesmo período, Adauto José Araújo veio estudar na Fiocruz e defendeu a primeira dissertação de mestrado sobre biologia parasitária em 1980 no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), e, em 1984, se integrou à Ensp no Departamento de Endemias, criado por Ferreira, firmando-se assim a paleoparasitologia no país.

A publicação Fundamentos da paleoparasitologia é dividida em quatro grandes partes: Os parasitos, hospedeiros humanos e o ambiente; Vestígios de parasitos preservados em diversos materiais, técnicas de microscopia e diagnóstico molecular; O encontro de parasitos em material antigo: Uma visão paleogeográfica; e Estudos especiais e perspectivas.Além dos grandes temas, a abertura do livro cita a história do Quixote, que trata de um guerreiro e seu fiel escudeiro.

De acordo com Ferreira, durante anos a fio os dois guerrearam incessantemente. Quando velhos, já não se lembravam mais de quantas batalhas haviam ganhado ou perdido, mas tinham muito claro em suas memórias o quanto se divertiram com tudo aquilo. Ele encerrou dizendo que o importante na vida é escolhermos uma profissão da qual se gosta. "Caso contrário, passaremos a vida toda esperando a nossa aposentadoria. Eu nunca esperei a minha nem nunca sofri com o meu trabalho. Ele sempre foi uma grande alegria".

Publicado em 23/2/2011.

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