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21/02/2006

Um modelo para testar o dengue

Catarina Chagas


Campanhas televisivas, cartazes e fumacês são alguns dos recursos que os governos já assumiram para combater o dengue, um dos principais problemas de saúde pública do mundo, que atinge mais de 100 países em todos os continentes, exceto a Europa. No Brasil, as condições ambientais favoráveis ao Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença, dificultam o seu controle. Para o biólogo e entomologista Eduardo Dias Wermelinger, do Laboratório de Vetores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), "o desafio do controle do dengue está na estratégia de atuação". Ele sugere como novo modelo de combate à doença uma ação conjunta com o Programa de Saúde da Família (PSF) que enfatize o manejo ambiental. Para comprovar esta hipótese, um estudo começou a ser testado no Rio de Janeiro.




Como o A. aegypti se reproduz em qualquer recipiente que armazene água, como caixas d’água, calhas de telhado e vasos de plantas, os próprios quintais e moradias são ambientes favoráveis à sua proliferação. Assim, o combate ao mosquito depende do engajamento das comunidades, que podem tomar medidas simples para interromper o ciclo reprodutivo do vetor. "A participação popular é fundamental", conta Wermelinger. "O problema é que, no atual modelo, as campanhas maciças só conseguem grandes mobilizações quando as epidemias já estão instaladas e o controle acaba dependendo da utilização de inseticidas".


Para prevenir a proliferação de mosquitos, a melhor estratégia consiste em eliminar seus locais de reprodução. O pesquisador da Ensp propõe priorizar o manejo ambiental para reduzir as situações de risco para o surgimento de criadouros no espaço urbano. "A estratégia é tornar o ambiente o mais possível inapropriado à proliferação do vetor", diz.


A experimentação do novo modelo está sendo realizada em parceria com a Rede Brasileira de Habitação Saudável, coordenada pela pesquisadora Simone Cynamon Cohen, do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Ensp. Em um dos projetos implantados pela Rede, no bairro de Anchieta, no Rio de Janeiro, os agentes de saúde já começaram a instruir e incentivar os moradores quanto às formas de eliminar os focos de reprodução dos mosquitos. "Historicamente, a ocupação das cidades brasileiras foi desordenada e sem planejamento, facilitando a geração de fatores de risco ambientais", explica Wermelinger. "Agora, precisamos manejar esse ambiente construído para torná-lo inapropriado à proliferação do vetor".


O pesquisador espera que após um ano de experimentação do novo modelo, iniciada em setembro, já seja possível colher resultados e dados empíricos que reforcem a proposta de acoplar o modelo ao PSF. Com foco na prevenção, este programa foi criado pelo Ministério da Saúde em 1994 para acompanhar o cotidiano de favelas e comunidades carentes durante todo o ano. Dessa forma, tem uma grande penetração na sociedade, característica estrategicamente importante para o acesso aos focos do mosquito e para promover o envolvimento comunitário. Com o novo modelo de combate ao dengue, os agentes de saúde do PSF, além de cuidar da saúde dos moradores, observariam de perto a qualidade do ambiente em que eles vivem. "Não adianta cuidar apenas da saúde da população se muitos se seus problemas têm origem no ambiente", alerta Wermelinger.


Na implantação do novo modelo, seria necessário capacitar as equipes na vigilância do A. aegypti e no manejo ambiental. Os agentes seriam responsáveis por ensinar e estimular os moradores a eliminar os focos de reprodução do mosquito, reduzindo, assim, o uso de inseticidas. Para que a estratégia traga resultados positivos, o pesquisador ressalta a importância do trabalho diário junto às populações: "as experiências de campanhas temporárias e veiculadas nos meios de comunicação não tiveram a eficácia esperada, mas estudos mostraram que o envolvimento popular é mais eficaz quando se tem a presença constante de agentes públicos". Segundo o entomologista, o novo modelo seria mais compatível com as diferentes realidades urbanas brasileiras, além de ajustável ao controle de vários outros vetores, como barbeiros, roedores e baratas.


Embora necessária, a implantação de um novo programa de combate ao A. aegypti pode demorar. "Grande parte da comunidade científica está em consenso quanto à ineficiência dos métodos de controle atuais, mas existem muitas opiniões distintas sobre as estratégias alternativas a serem adotadas", observa Wermelinger. Os pesquisadores da Ensp estão à procura de parcerias com prefeituras e equipes do PSF no município do Rio de Janeiro. "Nosso objetivo inicial será demonstrar que é possível diminuir o dengue a níveis aceitáveis por meio do manejo ambiental e reduzir drasticamente a dependência dos inseticidas".


 

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