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15/08/2008

Uma outra forma de ver o céu: físico trabalha na divulgação da astronomia indígena

Catarina Chagas


Ao olhar para o céu estrelado, o físico Omar Martins da Fonseca não vê apenas o Cruzeiro do Sul, Orion ou outras constelações famosas. Ele enxerga também Tuya’i, Kuruxu e outras imagens atribuídas pelos índios guarani mbya aos corpos celestes. Em sua dissertação de mestrado recentemente defendida no Instituto Oswaldo Cruz  (IOC) da Fiocruz, o pesquisador investiga a astronomia deste povo indígena e mostra como é possível divulgar essa cultura às crianças.


 Omar (ao centro) e dois guarani mbya: pesquisador defende capacitação de professores para combater estereótipos a respeito dos povos indígenas

Omar (ao centro) e dois guarani mbya: pesquisador defende capacitação de professores para combater estereótipos a respeito dos povos indígenas


Ao longo de sua carreira, Omar tem percorrido escolas e eventos da divulgação científica com a exposição Astronomia indígena guarani mbya. Uma de suas principais atrações é o planetário móvel, onde são projetadas imagens das constelações indígenas acompanhadas de explicações sobre as tradições e lendas que as originaram. A mostra, que já percorreu diversas cidades do Rio de Janeiro, faz parte de três programas de divulgação científica no estado: Ciência Móvel e Saúde para Todos, da Fiocruz, Caravana da Ciência, da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), e Lona da Ciência, um projeto de parceria entre a Fundação Cecierj e o Museu da Vida da Fiocruz.


Agência Fiocruz de Notícias (AFN): Atualmente, os índios guarani mbya ocupam o litoral sul do Estado do Rio de Janeiro. Mas qual a origem desse povo?


Omar Martins da Fonseca: Os mbya constituem um dos três grupos lingüísticos da população guarani, ao lado dos nhandéva e kayová. Suas tribos são originárias do vale do Rio Paraná, mas, desde a década de 40, se instalaram nos municípios de Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro. Estimamos que sejam cerca de 500 indivíduos, distribuídos nas aldeias de Sapukai, Itatiim e Araponga.


AFN: Quais as principais diferenças entre a astronomia tradicional e a astronomia dos guarani mbya?


Omar: As constelações dos guarani mbya diferem das constelações ocidentais principalmente em dois aspectos. O primeiro é que as constelações mais importantes para os ocidentais são aquelas situadas próximas à eclíptica ou zodíaco e aos pólos celestes. Já para os guarani mbya, as constelações mais significativas estão situadas na Via-Láctea. O segundo é que os desenhos das constelações ocidentais são feitos pela união de estrelas, como naquela brincadeira de ligar os pontos. Para os guarani mbya, o que forma os desenhos são as manchas escuras, as manchas claras e a união das estrelas, formando desenhos mais fáceis de se visualizar no céu.


A constelação do Homem Velho ou Tuya’i, por exemplo, que para os mbya representa o verão, abrange as constelações ocidentais de Orion, Touro e o aglomerado das Plêiades. A constelação do Kuruxu, por sua vez, abrange exatamente a constelação do Cruzeiro do Sul, menos a estrela intrometida – aquela que fica à direita do Cruzeiro do Sul, entre as estrelas de Magalhães e Pálida, quebrando a simetria da cruz. Observando o Kuruxu, os índios marcavam a passagem das horas e as estações do ano.


AFN: Os guarani mbya são conhecidos como os "teólogos da América", por causa da sua profunda religiosidade. Como a religião desse povo se relaciona com a astronomia?


Omar: Todo universo guarani é regido pelos céus e toda a sua religiosidade segue as determinações celestes. Festas importantes como nheemongarai, por exemplo, em que se faz a colheita dos cultivos tradicionais e se atribui nomes às crianças nascidas no período, são determinadas pela astronomia.


Na verdade, para os guarani, o conhecimento do céu envolve todos os aspectos de sua cultura. O caráter prático de seus conhecimentos astronômicos empíricos é reconhecido na organização social e nas condutas do cotidiano, servindo, por exemplo, para planejar seus rituais religiosos, definir códigos morais, ordenar as atividades anuais que são correlacionadas com os ciclos da fauna e flora do lugar – como épocas de plantio, caça, pesca e coleta. Além de calendário, as constelações eram utilizadas também para orientação em suas viagens.


AFN: Durante o mestrado, você fez algumas visitas ás aldeias mbya, mostrando aos índios um planetário móvel em que eram projetadas as constelações desse povo. Como foi essa experiência?


Omar: Um dado curioso é que a atividade do planetário foi muito proveitosa com as crianças e os professores indígenas. Já os mais velhos não gostaram muito: preferiram observar o céu de verdade.


AFN: Os livros didáticos, a mídia e outros veículos informativos e educativos apresentam alguns equívocos sobre as populações indígenas. A idéia de que seriam culturas atrasadas e congeladas no tempo é bastante difundida. Além disso, é comum pensarmos em "índios" de uma forma geral, sem ter idéia das diferenças que existem entre os vários povos indígenas de nosso país. Como você acha que seria possível combater esse estereótipo?


Omar: O primeiro passo seria reconhecer a importância de se combater esses estereótipos. Em seguida acho que devemos atuar na capacitação de professores, na exibição da temática em eventos e produtos de popularização, como exposições, documentários e revistas. No entanto, o que considero mais importante é que possamos apresentar à população outra cultura, uma nova maneira de lidar com o mundo, nem melhor nem pior, apenas diferente.


Publicado em 15/08/2008.

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