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07/04/2017

‘Vamos sim, conversar sobre a depressão’*

Paulo Amarante e Fernando Freitas (Ensp/Fiocruz)


A OMS comemora hoje, 7 de abril, o Dia Mundial da Saúde. O lema da campanha mundial neste ano é Depressão: vamos conversar. Vamos sim, vamos conversar! Realmente, os dados oficiais da OMS parecem ser alarmantes: considerada a principal doença e causa de incapacidade para o trabalho no mundo inteiro. Segundo estimativas, mais de 300 milhões de pessoas estão vivendo com depressão, o que representa um aumento de mais do que 18% em uma década. Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, publicada em 2013, são 11 milhões de brasileiros que sofrem de depressão.

A OMS considera que, por falta de suporte, somado ao medo do preconceito e o estigma, muitas das pessoas com depressão não teia acesso ao tratamento que lhes permitiria uma vida saudável e produtiva. Segundo a diretora-geral da OMS, Dra. Margaret Chan, “esses números são um sinal de alerta para todos os países para que repensem suas abordagens para a saúde mental e para tratá-la com a urgência que ela merece”.

Embora consideremos que não é por meio de um breve comunicado que o debate científico será aprofundado, é necessário tecer algumas reflexões. Desta forma, nos limitaremos a fazer apenas considerações gerais, a exemplo do que a OMS fez em seu comunicado. Em sua página a OMS afirma que a depressão em geral é uma doença ou ‘transtorno mental’. Quer dizer, a tristeza ou momentos de tristeza mais ou menos intensa e duradoura, que são condições comuns a praticamente todos nós humanos, devem ser compreendidas por meio do conceito de doença. Segundo a definição oficial, “a depressão é uma doença comum caracterizada pela tristeza persistente e uma perda de interesse em atividades que as pessoas normalmente desfrutam, acompanhadas por uma inabilidade para levar a cabo atividades cotidianas, por 14 dias ou mais”, levam a crer que estar de luto por mais de duas semanas seria patológico! Um desgosto amoroso ou uma situação de desamparo poderiam ser igualmente tratados como doenças.

Não seriam os critérios de diagnóstico que inflacionariam o número de pessoas com depressão? O aumento de diagnósticos de depressão ocasiona, consequentemente, um aumente de prescrições de psicofármacos. Milhares de pessoas são dependentes de “antidepressivos” atualmente em todas as partes do mundo. Evidências científicas e relatos de experiências pessoais são abundantes e disponíveis ao conhecimento público sobre o uso excessivo e pouco racional destas drogas prescritas. O Daily Mail [1] citou um relatório recente de uma comissão parlamentar pluripartidária para dependência de drogas prescritas, destacando que que em 2013 cerca de 11% das mulheres e 6% dos homens estavam em uso de antidepressivos – 5,4 milhões de pessoas em âmbito nacional no Reino Unido [2]. Quais seriam os dados oficiais sobre o consumo de antidepressivos no Brasil? Seriam tão elevados quanto nos países da Europa e nos Estados Unidos e Canadá?

Se o alerta da OMS é para chamar a atenção para a urgência de medidas concretas para promover a saúde das pessoas que por alguma razão ou outra sofrem de algum ‘transtorno depressivo’, é importante que as autoridades sanitárias se deem conta que estão sendo criados milhões de dependentes de antidepressivos, contrariando muitas evidências científicas que exigiriam pelo menos haver mais cautela para a prescrição de tais medicamentos.

Sabe-se que os sintomas de abstinência aos antidepressivos são variados – problemas de estômago, sintomas gripais, ansiedade, tonturas, pesadelos e outros – e que podem durar muito tempo. Mas a dependência não é apenas física. É também psicológica, na medida em que as pessoas podem sentir que só melhoram porque tomam o medicamento. E consideram que não podem mais viver sem ele!

Em uma carta ao respeitado periódico British Medical Journal (BMJ), o professor Peter C Götzsche, do Nordic Cochrane Centre na Dinamarca, observou que metade das pessoas que tomam antidepressivos se tornavam viciadas [3]. De 260.322 pessoas na Finlândia que estavam tomando um antidepressivo em 2008, 45% ainda estavam utilizando-os cinco anos depois. Os médicos às vezes podem confundir os sintomas de abstinência com o retorno da depressão e reiniciar a droga. Gøtzsche adverte que isso pode manter as pessoas presas em antidepressivos para a vida inteira.

Levando-se em consideração a complexidade da problemática implicada nas formas de tratamento da depressão na sociedade contemporânea, o alerta deve ser para que haja necessidade de se repensar esta forma de diagnóstico e de tratamento. Que é uma das tarefas fundamentais da saúde pública o combate à ‘iatrogenia’ do tratamento dispensado à população.

Referências:

[1] http://www.dailymail.co.uk/health/article-4354304/Thousands-turned-drug-addicts-doctors.html

[2] http://prescribeddrug.org/wp-content/uploads/2017/03/Proposal-for-a-national-PDD-helpline.pdf

[3] http://www.deadlymedicines.dk/wp-content/uploads/2016/02/Gøtzsche-antidepressants-are-addictive-and-increase-risk-of-relapse-bmj.i574.full.pdf
 

*Artigo publicado originalmente no site da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

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