Início do conteúdo

18/10/2021

Ações globais para saúde, fome e planeta são temas de seminário do Cris/Fiocruz

Patrícia Álvares (Agência Fiocruz de Notícias)


Seria possível estabelecer um novo modelo de alimentação sem a participação dos grandes produtores? Encontrar essa resposta é um desafio global permanente e retumbou no seminário Segurança alimentar, saúde e pandemia nos eventos das Nações Unidas, organizado pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). Análises e opiniões divergentes revelaram bastidores das decisões internacionais em programas sobre a fome e inspiraram empatia em reflexões provocativas, necessárias e urgentes.     

Evento debateu 'Segurança alimentar, saúde e pandemia nos eventos das Nações Unidas' (imagem: Divulgação)

     

“É possível pensar um sistema alimentar alternativo sem a participação das grandes corporações? No Chile até a Coca-Cola aderiu às discussões”, observou José Graziano, ex-diretor do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e atual coordenador do Instituto Fome Zero, durante o encontro transmitido ao vivo e disponível na íntegra no YouTube

Mapa da fome mundial no século 21  

Em continuidade à série dos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde 2021, uma revisão dos avanços passados e atuais retrocessos no mapa mundial da fome no século 21 foi o ponto de partida. A mediação coube à vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira e Silva, que coordena o Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin). 

Os dados apresentados pela socióloga Anne Kepler, especialista da FAO em segurança alimentar e nutrição reforçam os estragos da pandemia de Covid-19: uma em cada dez pessoas no mundo vivenciou a fome em 2020, segundo o informe da FAO. Em total, a estimativa supera a marca de 800 milhões de seres humanos sem comida atualmente. Um aumento ao redor de 200 milhões comparado ao panorama prévio ao furacão causado pelo Sars-Cov-2. Quatorze milhões só na América Latina, o segundo maior retrocesso, atrás da África que representa sozinha mais da metade da população afetada no planeta: 60%. 

“Ou seja, 600 milhões de pessoas passando fome no mundo é quando estamos bem”, ironizou Elisabetta Recine, coordenadora do Observatório de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB). “Que humanidade é essa que se acostuma a ter 600 milhões com fome?”, lamentou. 

Com críticas à atuação da ONU perante o “problema secular”, Recine deu voz às organizações e movimentos sociais e alertou para o que chamou de uma “hegemonia” corporativa presente em instâncias programáticas do organismo. A especialista em segurança alimentar expôs o conflito de interesses que as alianças financiadas por iniciativas privadas geram, pelas ligações com setores na contramão do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, explicou a decisão coletiva de não participar das discussões internacionais que negociam estratégias, financiamentos e planos de ação contra a fome.  

ONU entre a cruz e a espada? 

“Trabalhar com a ONU é como aquele namoro no portão de casa com o irmão pequeno ao lado”, comparou a professora da Universidade de São Paulo (USP) Tereza Campello, da cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis na Faculdade de Saúde Pública. A acadêmica endossou a postura dos movimentos sociais. 

“Colocar os causadores do problema na mesa em pé de igualdade com governos e sociedade civil no Fórum Econômico Mundial mudou o paradigma”, avaliou e apontou uma "condução de soluções convenientes”. 

Campello somou ao debate a relação do meio ambiente com a crise alimentar e sanitária mundial: “70% dos surtos epidêmicos têm origem no desmatamento, inclusive a Covid-19”, afirmou. Ainda de acordo com a docente, “97% dos custos e gastos diretos com saúde” poderiam ser reduzidos como consequência de investir na produção sustentável de alimentos, também central na luta contra a fome.   

Por outro lado, Graziano ponderou as críticas à ONU com otimismo, embora reconheça certas inoperâncias na organização onde acumula 15 anos de trabalho. O brasileiro resumiu a perspectiva institucional de forma pragmática. “Fez-se o que se podia fazer” sob risco de adiar a discussão para dois anos depois, o que seria muito pior. Para o coordenador do Instituto Fome Zero, proteger a saúde, erradicar a fome e salvar o planeta requer a participação de pequenos e grandes produtores. 

Nas palavras finais, o coordenador do Cris/Fiocruz, Paulo Buss, felicitou a diversidade de opiniões e visões conflitivas para um objetivo comum. "É o que enriquece", concluiu. O próximo seminário da série, no dia 29 de outubro (sexta-feira), compartilha visões da América Latina e Caribe sobre saúde global e diplomacia da saúde. 

Voltar ao topo Voltar