15/10/2021
Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Uma cooperação que data do início do século passado e que vem se renovando e ampliando ao longo das décadas foi celebrada nesta quinta-feira (14/10) com a visita do secretário de Estado Adjunto e da Saúde de Portugal, António Lacerda Sales, à Fiocruz. Acompanhado pela secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, e pelo embaixador Luís Faro Ramos, entre outros membros da delegação, Sales foi recebido pela presidente Nísia Trindade Lima no Auditório Internacional da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), onde ressaltaram a necessidade da cooperação tanto entre países como entre instituições científicas para a superar a pandemia de Covid-19 e suas consequências.
Esta foi a primeira vez que representantes do governo português para a área de Saúde e Relações Internacionais fazem uma visita simultânea a outro país (foto: Peter Ilicciev)
Esta foi a primeira vez que representantes do governo português para a área de Saúde e Relações Internacionais fazem uma visita simultânea a outro país. “O governo português, mesmo antes da pandemia, já tinha posto a saúde no centro de todas as políticas. Precisamos da saúde na diplomacia, na economia, no setor social, em todas as áreas. Essa será a única forma de sermos bem-sucedidos num projeto de futuro”, disse o secretário adjunto Sales.
Trajetórias semelhantes
Na Ensp, Nísia fez uma apresentação sobre a história da cooperação entre a Fiocruz e as instituições científicas portuguesas. Ela destacou a semelhança de trajetória entre a Fundação, criada em 1900 como Instituto Soroterápico Federal, e o Instituto Nacional de Saúde Dr Ricardo Jorge (Insa), de 1899. O Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) veio logo depois, em 1902. Hoje, estas três instituições são observadoras consultivas para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Essas cooperações iniciais continuaram, e várias outras com instituições universitárias portuguesas foram se forjando”, lembrou Nísia.
Descrevendo Portugal como um parceiro fundamental, a presidente da Fiocruz anunciou a realização de seminários bienais para discutir o avanço da cooperação e a formação de um grupo de trabalho (foto: Peter Ilicciev)
As colaborações se tornaram ainda mais ativas neste século, ganhando novas dimensões, tanto bilaterais quanto no âmbito da CPLP, como na Rede de Institutos de Saúde Pública (Rinsp-CPLP), no qual a Fundação exerce a secretaria-executiva, e no âmbito ibero-americano. A presidente da Fiocruz destacou ainda outras iniciativas como o Projeto Luci, que envolve as universidades de Coimbra, Nova de Lisboa e Paris 8, vinculado a uma visão desenvolvimento de territórios saudáveis e sustentáveis; e a Plataforma Internacional para Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (Pictis), em colaboração com a Universidade de Aveiro e que foi tema de um seminário do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em setembro.
“Temos que pensar em como superar essa crise sanitária e humanitária, que vai muito além do impacto da transmissão do vírus. Precisamos tirar aprendizados dessa experiência tão dramática que marca o século 21”, disse Nísia, destacando que o trabalho conjunto será fundamental para “a reconstrução de um mundo com mais equidade, justiça e cidadania”.
Descrevendo Portugal como um parceiro fundamental, a presidente da Fiocruz anunciou a realização de seminários bienais para discutir o avanço da cooperação e a formação de um grupo de trabalho sobre a cooperação, coordenado por Mario Moreira, vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional.
Lições de Ricardo Jorge e Oswaldo Cruz
O embaixador Luis Faro Ramos destacou o aumento da cooperação entre a Fiocruz e instituições científicas portuguesas nos últimos tempos. Ele sugeriu a criação de “um cluster de saúde”, e ampliar uma cooperação estruturada em nível bilateral, de ibero-américa, de CPLP, e também de relações do Brasil e UE. “Estive aqui há sete meses e se fez muito desde então, com assinaturas de protocolos, trocas de pesquisadores”, disse. “Estamos a fazer um bom caminho, e eu só posso desejar que esse bom caminho continue.”
Nísia presenteou a delegação portuguesa com uma edição especial da revista História, Ciência e Saúde-Manguinhos e recebeu de Sales um conjunto de postais sobre o combate à peste bubônica, um registro de como essa epidemia deu origem ao Insa e à Direção Nacional de Saúde de Portugal. “É por isso que temos que continuar a aprender com Ricardo Jorge e Oswaldo Cruz, pessoas que fizeram a história", observou Sales.
Nísia recebeu de Sales um conjunto de postais sobre o combate à peste bubônica, um registro de como essa epidemia deu origem ao Insa e à Direção Nacional de Saúde de Portugal (foto: Peter Ilicciev)
Dizendo se “sentir em casa”, o secretário destacou as parcerias com Aveiro e a Plataforma como exemplos de uma estratégia de internacionalização da Fundação que passa por Portugal. Ele mencionou ainda a visita de Mario Moreira para o desenvolvimento de um consórcio com empresas e entidades portuguesas visando a implantação de uma estrutura de produção de produtos farmacêuticos no norte do país.
Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes é também responsável pelo trabalho junto a instituições no Brasil. Ela destacou que a cooperação é fundamental não só para o combate às desigualdades nos países, como no mundo. E ressaltou como a Covid-19 afetou a mobilidade das pessoas com o fechamento de fronteiras, o que teve impacto nas comunidades portuguesas. “Portugal tem 10 milhões de habitantes, e mais de 5 milhões de portugueses e lusófonos descendentes pelo mundo, um milhão deles no Brasil”, estimou. “Para nós, a cooperação Portugal-Brasil não é sequer uma questão de governo, é uma questão de ambos os povos porque nossas comunidades anseiam por maior colaboração e troca”, disse. “Fiocruz é um bom exemplo, por trabalhar desde políticas de saúde pública até tecnologias de ponta. Não encontraríamos muitas instituições no mundo com essa riqueza e abrangência”, completou.
Trabalho fraterno
Alguns integrantes da Fiocruz falaram sobre a cooperação entre seus institutos e Portugal, enquanto outros acompanharam por zoom. No auditório, com os presentes sentados em cadeiras alternadas por conta do protocolo contra a Covid-19, Felix Rosenberg, secretário-executivo da RINSP-CPLP, disse que desde 2006, Portugal e Brasil têm sido transcendentes na criação de um modelo de cooperação internacional, que foi o Plano Estratégico Cooperação em Saúde (Pecs-CPLP). “O trabalho conjunto de Portugal e Brasil, no âmbito da CPLP, tem sido fraterno, solidário com os povos. Temos feito visitas de conjuntas, indo a Cabo Verde, Timor Leste, Angola... sempre partilhando a cooperação horizontal e solidária”, declarou.
Mario Moreira, por sua vez, lembrou que sua viagem a Portugal originalmente se tratava da fundação de uma associação na região do Porto, com entidades públicas e privadas de Portugal, para desenvolver produtos para a saúde - uma iniciativa que “completa a nossa atuação em Portugal e segue na dimensão do que a gente chama de Complexo Econômico e Industrial da Saúde”. A viagem acabou por incluir a visita a tradicionais colaboradores, como a Escola Nacional de Saúde Pública, e uma conversa com o ministro de Ciência e Tecnologia, Manuel Heitor. “A Fiocruz tem uma grande área de cooperação em Portugal, e esse entendimento é recíproco. Temos uma história, mas precisa ser trabalhada porque o mundo mudou, estamos num outro conceito de saúde pública”, disse.
Diretora do IOC, Tânia de Araújo-Jorge destacou que a ideia de plataforma - como a Plataforma Internacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de Saúde - “é onde se pula para uma outra etapa da cooperação”. Organizadora do seminário de setembro, que contou com a participação do embaixador português, ela destacou que "a nossa carteira de projetos da Pictis representa tudo o que podemos fazer de melhor entre os dois países” e mostra que a unidade mais antiga da Fiocruz está “em renovação constante”.
Marco Menezes, diretor da Ensp, lembrou de décadas de parceria da escola com instituições portuguesas, em campos que vão da toxologia ambiental e clínica à literacia em saúde. No campo de saúde ambiental, ele destacou a iniciativa Luci, "que é uma universidade livre do conhecimento, que articula os territórios das áreas sustentáveis”. Menezes também ressaltou a criação, no âmbito da CPLP, da Rede de Escolas de Saúde Pública (Rensp-CPLP). “Temos ações hoje com Moçambique e outros países na África que precisam ser amplificadas e trazidas para dentro do convênio da CPLP e da rede de escolas”.
Anamaria D' Andrea Corbo, diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, falou sobre a formação de técnicos de saúde. Desde 2004, a EPSJV é Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a educação de técnicos, e desde 2005 ocupa a secretaria-executiva da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (Rets) que conta com mais de cem instituições das Américas, África e Europa. “Em 2009, através do trabalho conjunto da Fiocruz e do IHMT, contribuímos na elaboração do Pecs, sendo um dos frutos deste trabalho a organização da Rede de Escolas Técnicas da CPLP, da qual também somos secretaria executiva. Mais recentemente, em 2021, assumimos também a secretaria executiva de Rede Ibero-americana de Educação de Técnicos em Saúde [Riets]”, disse Anamaria.
Diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Rodrigo Murtinho lembrou como a pandemia mostrou a importância da informação e destacou parcerias com universidades portuguesas nesse campo. "Organizamos juntos e participamos há uma década das conferências de acesso aberto ao conhecimento, que geraram conferências luso-brasileiras sobre o assunto nos últimos anos, como a que está acontecendo neste momento em Braga", comentou.
Visita ao Castelo
Jorge Mendonça, diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), por sua vez, lembrou colaborações com universidades portuguesas, como a Nova de Lisboa e Aveiro. "Ter a oportunidade de aprofundar laços visando desenvolvimentos conjuntos é um grande atrativo entre Farmanguinhos e instituições portuguesas. Tenho certeza darão bons frutos para todos”, disse.
Após o evento na Ensp/Fiocruz, os visitantes seguiram para conhecer o Castelo Mourisco da Fundação (foto: Peter Ilicciev)
Já Christoph Milewski, diretor do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz), área técnico-científica mais nova da Fundação, sugeriu a formação de uma plataforma conjunta de conhecimento. "Podemos criar diversos campos de interesse comum, de colaboração com Portugal e outras instituições europeias, não só de conhecimento de animais, mas de desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais, para que venhamos a reduzir o uso deles em laboratório”, disse.
A delegação portuguesa foi formada ainda por Luís Gaspar da Silva, cônsul-geral de Portugal no Rio de Janeiro; Ana Carla Correia, chefe da Coordenação das Relações Internacionais da Direção Geral de Saúde; Sandra Cardoso, chefe de Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Saúde; Paulo Domingues, chefe de Gabinete da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP); Catarina Paiva, adjunta da SECP; Paulo Porto, Deputado da Assembleia da República de Portugal; Maria da Luz Cabral, diretora da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. Após o evento na Ensp, eles seguiram para uma visita ao Castelo que, como Nísia lembrou, teve projeto do arquiteto português Luiz Moraes. Embora em obras, foi possível conhecer parte do térreo.
Participaram ainda do evento pela Fiocruz Cristiani Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação; Valber Frutuoso, assessor do Gabinete da Presidência para Relações Institucionais; Inês Fernandes, assessora da Presidência; Ilka Vilardo, assessora do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz); e Anna Cristina Calçada Carvalho, Coordenadora da Cooperação Institucional do IOC/Fiocruz.