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31/03/2016

Autoridades participam de tribuna livre pela democracia

Informe Ensp


Pesquisadores, parlamentares, estudantes, moradores da periferia, militantes de movimentos sociais e entidades que lutam por direitos no Brasil marcaram presença, na última quarta-feira (30/3), no debate Tribuna livre: em defesa da democracia e dos direitos sociais, organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Como o próprio nome aponta, o evento foi uma oportunidade de dar voz aos que estão preocupados com a atual conjuntura política e econômica do país e arregaçam as mangas em defesa do estado democrático de direito. As vozes, ouvidas no auditório lotado, trouxeram opiniões e experiências diferentes sobre a crise que estamos vivendo, mas todas convergiam para um ponto: a necessidade de a sociedade civil se manter vigilante quanto aos riscos de retrocesso no que diz respeito aos direitos sociais conquistados. Nomes como o do advogado Antônio Modesto da Silveira, que defendeu presos políticos durante a ditadura, o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, Roberto Lehrer, reitor da UFRJ e Darcília Alves, liderança do território de Manguinhos, foram alguns dos destaques do evento.

O diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação, Hermano Castro, e o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, na mesa de abertura do debate (foto: Informe Ensp)
 

 

Ao abrir a Tribuna Livre, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, lembrou da trajetória comum entre as discussões sobre saúde e democracia no Brasil. “A saúde, como nós a construímos, esteve sempre vinculada a essa ideia de que a produção de um estado de qualidade de vida e a consolidação do SUS como projeto contra-hegemônico pressupõe, antes de mais nada, aquilo que Sergio Arouca falava, que é a relação entre saúde, democracia e cidadania, dentro de um processo civilizatório.”

Um dos primeiros a falar foi o ex-ministro da Saúde do governo Lula, José Gomes Temporão. Atualmente na Direção Executiva do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul), Temporão lembrou que a luta pela democracia é histórica entre os sanitaristas. "A Saúde Pública sempre esteve ao lado da democracia e da legalidade. Foi assim nos anos 50, com Mario Magalhães da Silveira, com Wilson Fadul, no golpe de 1964. Foi assim na resistência contra a ditadura, através das instituições e de nomes como Roberto Chabo, David Capistrano, Ézio Cordeiro e Sergio Arouca, e foi assim na construção do Sistema Único de Saúde".

Ao falar sobre o SUS, Temporão ressaltou a importância de se defender o sistema contra os ataques privatistas. "Na terça (29/3), em uma mesa falando sobre o zika, fiquei impressionado como, diante da gravidade da situação, a marca indelével desse projeto civilizatório está presente desde quando é feito o diagnóstico da doença. Nosso sistema de vigilância está tendo um enorme cuidado para tratar dos bebês que nascerem com microcefalia e suas mães, por exemplo. É esse projeto que precisa ser defendido. Querem descaracterizá-lo, destruí-lo e privatizá-lo e é contra isso que temos que nos unir. Mas sou otimista. Temos um Brasil vivo e pulsante, nas ruas, nos movimentos de mulheres, negros, LGBT. Precisamos lembrar que vivemos uma guerra em que 60 mil jovens e negros são assassinados todos os anos. Somente metade da população tem esgotamento sanitário. Esse modelo de democracia não nos interessa. Por isso temos que lutar por uma reforma política e tributária".

Ao explicar as regras do debate, o diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano Castro, lembrou que a proposta da Tribuna era dar voz a todos, neste momento tão agudo da vida brasileira. “Acho que estamos reunindo aqui os democratas, sanitarista, comunistas, socialistas e todos aqueles que sempre defenderam e defendem a nossa democracia. A ideia é que todos possam se colocar. Minha intenção, inclusive, é a de que essa Tribuna seja permanente.”

O primeiro a falar foi José Bezerra, morador de Manguinhos. Com seus cabelos brancos, o motorista de caminhão mostrou o desejo por novos ventos na construção da cidadania no Brasil. “Precisamos de uma nova alternativa, uma coisa nova, porque temos 516 anos de uma coisa velha, uma coisa nojenta. São 516 que somos colônia, e estamos assistindo a um momento de desesperança. A democracia no Brasil funciona para quem tem dinheiro.”

Em seguida, foi exibido um vídeo do sociólogo português Boaventura de Souza Santos falando sobre os acontecimentos recentes no Brasil. Boaventura ressaltou a importância da luta pela democracia, neste momento, e se disse confiante quanto ao papel das instituições brasileiras em relação à sua defesa. O vídeo com a fala de Boaventura pode ser acessado aqui.

Um dos depoimentos mais emocionados e emocionantes do dia foi o do advogado Antônio Modesto da Silveira. Aos 89 anos, Modesto, que se destacou na defesa de presos políticos durante a ditadura, se viu entre amigos e velhos companheiros de luta. “Pelo nome do meu irmão Arouca e tantos outros que aqui estão, alguns dos quais eu defendi como vítima de uma ditadura que durou 21 anos, e cuja sequela continua até hoje e continuará por muitos anos, se eu me emocionar, me perdoem. Eu os defendi pela ousadia que tiveram em defender todos os direitos humanos.”

Logo após, Modesto fez duras críticas ao parlamento brasileiro. “Quem está sentado ali? Noventa por cento são os banqueiros ou seus lacaios. E, às vezes, são de bancos de paraísos fiscais, receptadores da grande roubalheira mundial, representando a droga, a prostituição, grandes industriais, comerciantes. Esses são a maioria. A minoria são os que tentam denunciar uma realidade que tem que ser mudada e vai ser mudada.”

Roberto Lehrer, reitor da UFRJ, lembrou das motivações econômicas que, para ele, estariam por trás do movimento pela derrubada do governo de Dilma Rouseff. Ele citou o documento Uma ponte para o futuro, em que o PMDB, partido do atual vice-presidente Michel Temer, elenca propostas para solucionar a crise econômica que atinge o Brasil. Lehrer brincou com o título do documento, que chamou de Uma ponte para o futuro do capital. “O documento é absolutamente claro sobre o que querem os donos do poder: desvincular o salário mínimo do PIB e acabar com a vinculação constitucional das  verbas da saúde e da educação.  Esse foi, inclusive, o projeto da Dilma com o Levy, que faliu. Já não há constrangimento em afirmar o fim da gratuidade na educação pública. Afirmam, como se fosse natural, que a educação pública básica tem que ser objeto de parcerias público-privadas. Trata-se de uma brutal ofensiva contra os direitos conquistados.”

Liderança comunitária em Manguinhos, Darcília Alves compartilhou sua visão como moradora do território e falou de sua trajetória de luta por direitos. “Eu era muito jovem quando participei do Movimento das Diretas Já para tentar votar para presidente. Foi muita luta, e hoje a gente se vê totalmente desrespeitada. Eu estou muito indignada com o que está acontecendo. O país está parado, e o único objetivo é derrubar a presidente. Não se faz mais nada no Brasil sem esse golpe. Na verdade, o golpe não é contra a Dilma. É contra nós, contra o nosso povo, contra as nossas conquistas.”

Durante o evento, foram lidas cartas enviadas pelo deputados estaduais Marcelo Freixo e Carlos Minc, pelos deputados federais Francisco D’Angelo e Jandira Feghali, além de uma carta da cineasta Lucia Murat, irmã de Miguel Murat de Vasconcellos, pesquisador da Ensp falecido em 2009. Ao longo das cinco horas de evento, muitas vozes puderam debater os temas da atual crise política e econômica, encontrando pontos de luta comuns para resistir ao avanço de uma política conservadora, que pode acarretar retrocessos nos direitos civis. A direção da Ensp/Fiocruz decidiu tornar a Tribuna Livre uma ação permanente, e novos encontros serão organizados em breve.

Confira lista das instituições que estiveram representadas no evento:

Isags, Unasul, Coren-RJ, Cebes, Uerj, UFRJ, UFF, Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, Cremerj, Abrasco, Nova Organização Socialista, Movimento Chega de Descaso, Cress-RJ, Rede de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade, Intervozes, Ceas/Maré, Museu da Maré, Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, Sinerj, Fórum dos Estudantes da Ensp, CGI, ONG Mulheres de Atitude, Sindipetro, Asfoc-SN, MCP Manguinhos, Frente de Luta, Ceja, Movimento Classista em Defesa do Povo, Asfoc de Luta.

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