14/03/2016
A revista Cadernos de Saúde Pública de fevereiro de 2016 (volume 32 número 2) traz, na seção Perspectivas, um debate sobre a relação dos negócios da mídia e a comunicação da saúde. O coordenador do Programa Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Rogério Lannes Rocha lembra um caso emblemático de jornalismo contrário ao interesse público: a cobertura dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo sobre o maior desastre socioambiental do país, que atingiu o município mineiro de Mariana e todo o Vale do Rio Doce, provocado pela mineradora Samarco, de propriedade da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. O rompimento das barragens de Fundão e Santarém, em 5/11/15, liberou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que desceram arrastando tudo que encontravam pelo caminho. Os primeiros atingidos foram os trabalhadores, depois a população do distrito de Bento Rodrigues (destruído pela lama) e outros quatro distritos de Mariana. A prefeitura contabilizou 631 desabrigados e, até 16/12/15, o total de 17 mortos (a maioria, trabalhadores da mineração) e dois desaparecidos.
Para Lannes, o jornalismo de algumas empresas de comunicação, além de não investigar causas e responsabilidades do desastre e dar tardia e insuficiente atenção ao desolamento existencial e estado de depressão das populações atingidas, ignorou outros aspectos caros à saúde coletiva, como a forma de utilização pelas companhias de mineração de recursos escassos, como terra e água e o modo como elas tratam a força de trabalho e as populações nas regiões onde atuam. Lannes acredita que mais do que um poder a ser acionado para influenciar opiniões, a mídia é o próprio território em que se estabelecem as relações de poder e são produzidos os sentidos. "Deixa-se de lado a percepção sistêmica do que hoje constitui a mídia, englobando meios tradicionais de comunicação, publicidade, indústria cultural, fonográfica e audiovisual, internet, provedoras e operadoras de comunicação, empresas de tecnologia de informação e muito mais", apontou.
Ele recorda as propostas defendendo a democratização dos meios de comunicação, a universalização do acesso à internet de banda larga e a constituição de rádios comunitárias e canais na TV digital que foram aprovadas na 15ª Conferência Nacional de Saúde, em dezembro de 2015. O argumento principal foi o descompasso entre a realidade e o que diz a mídia. O pressuposto é que a garantia dos direitos sociais, em especial à saúde, começa pelo exercício do direito à comunicação em contraposição à mídia e a serviço do interesse público. Uma inspiração para políticas e estratégias de comunicação emancipatórias e dialógicas com a sociedade nas instituições públicas.
Já o artigo dos pesquisadores da Ensp/Fiocruz Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima, Gisele O'Dwyer, Carla Lourenço Tavares de Andrade, Tatiana Wargas de Faria Baptista e Rachel Guimarães Vieira Pitthan; e Nelson Ibañez, do Instituto Butantan, São Paulo, intitulado Gestão do trabalho nas Unidades de Pronto Atendimento: estratégias governamentais e perfil dos profissionais de saúde, analisa as estratégias de gestão do trabalho dos governos e o perfil dos profissionais das UPA no Estado do Rio de Janeiro, que tem o maior número de unidades no país. Os resultados evidenciaram que as estratégias de gestão do trabalho variaram segundo esfera administrativa (estadual ou municipal) e ao longo do tempo. As Organizações Sociais se tornaram as principais contratantes de profissionais nas UPA por propiciarem flexibilidade gerencial. Porém, sobressaíram problemas de seleção e fixação, como a predominância de profissionais jovens pouco experientes e a rotatividade de médicos. A instabilidade associada à contratação por terceiros reforçou a visão da UPA como trabalho temporário.