Um livro que "oferece um panorama das mudanças, tendências e desafios atuais para a gestão pública e para as políticas públicas”. E mais: que “identifica categorias de análise relevantes para se entender a configuração do Estado, a atuação do governo e suas consequências sobre a sociedade”. Assim pode ser definida a coletânea Gestão e Políticas Públicas no Cenário Contemporâneo: tendências nacionais e internacionais, lançamento da Editora Fiocruz. Organizada pelos cientistas políticos Telma Menicucci, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e José Geraldo Leandro Gontijo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a obra tem 17 capítulos que, apesar de suas singularidades, giram em torno de princípios comuns, como a reafirmação do Estado e de sua centralidade na produção de políticas públicas para o desenvolvimento, o bem-estar e a equidade.
Outro tema comum, que perpassa todos os capítulos, é a necessidade de melhoria da gestão pública e de reestruturação das capacidades estatais. Entre elas, destaca-se a recuperação (ou construção) da capacidade regulatória e de coordenação dos diversos atores, públicos e privados, que participam da produção de serviços públicos, de modo a superar a fragmentação das ações públicas.
Reunindo desde reflexões teóricas mais gerais até estudos empíricos e casos concretos, o livro demonstra como o campo das políticas públicas e o subcampo da gestão pública estão intrinsecamente conectados a desafios contemporâneos, como o enfrentamento da pobreza e da desigualdade, e a promoção de condições para o desenvolvimento sustentável. A coletânea é um fruto do II Seminário Internacional de Gestão e Políticas Públicas, realizado na UFMG em 2013, do qual os autores dos capítulos participaram como conferencistas.
As contribuições foram divididas em cinco partes. Na primeira, que aborda o tema da governança, os autores não só problematizam a transferência de atividades e funções do Estado para agentes privados, como também enfatizam a relevância da participação da sociedade nos processos decisórios. “A baixa capacidade de governança chama a atenção para um paradoxo, em que a complexidade social aumenta e a capacidade do Estado para formular políticas diminui”, afirmam os organizadores. “Os governos responderam ao aumento da complexidade social fazendo o oposto do necessário, ou seja, reduzindo pessoal, cortando orçamentos e preferindo confiar na expertise adquirida no mercado, além de abandonar instrumentos convencionais de políticas como subsídios e regulação. O resultado foi o enfraquecimento da expertise própria do governo, sua fragmentação e problemas de coordenação interna”, acrescentam.
Já a segunda parte da coletânea trata da relação do campo das políticas públicas com o federalismo e suas consequências no processo de formulação e implementação de políticas. Aqui se discute, por exemplo, o processo de descentralização – inclusive suas novas formas, entendidas como a delegação da execução de serviços públicos para organizações da sociedade e do mercado. Outro ponto discutido se refere “ao aparente paradoxo de conciliar, de um lado, um sistema e uma instituição (o federalismo) que têm como marca a diversidade e, de outro, a provisão de políticas públicas nacionais, que têm como marca a uniformidade”, sinalizam os organizadores.
Tendências no campo do bem-estar e da proteção social estão em pauta na terceira parte do livro. A necessidade de desmercadorização da proteção social, especialmente no âmbito das políticas de saúde e de previdência, destaca-se entre as teses defendidas. Em direção contrária aos aspectos mostrados nesta parte, outro argumento defendido é o de que o Estado contribui para uma parte substantiva da desigualdade de renda no Brasil, embora nem todas as ações do Estado sejam concentradoras. Em outra perspectiva, uma análise de programas de transferência de renda demonstra um bom desempenho do Programa Bolsa Família, considerado uma potencial “plataforma para a integração de diversos programas na área de desenvolvimento social”, nas palavras da autora do capítulo. Já a autora de outro capítulo contesta as previsões sobre o fim do Estado de bem-estar e aponta novos formatos de intervenção diante dos novos problemas e necessidades sociais.
A quarta parte da coletânea, por sua vez, enfoca as políticas urbanas no Brasil, desde uma abordagem histórica mais geral até a análise de uma política urbana específica: a política de saneamento. Entre as conclusões, destaca-se a persistência de desigualdades no acesso e na qualidade de serviços urbanos, bem como a necessária luta pela universalização do direito à cidade, promessa ainda não cumprida.
Discussões sobre as reformas da gestão público abrem a quinta parte do livro. Faz-se uma crítica ao reformismo de cunho gerencial, no qual o Estado perdeu centralidade com a adoção de mecanismos de mercado para a provisão de serviços públicos. “Pesquisas comparativas entre países revelam que, em algumas situações, as reformas tiveram efeitos negativos tanto sobre a capacidade do Estado para desempenhar seu papel na busca dos interesses coletivos quanto sobre a burocracia e os cidadãos na capacidade de solucionar problemas”, lembram os organizadores.
Como propostas alternativas, fala-se da ampliação dos instrumentos democráticos e da criação de sinergias mais fortes entre Estado e sociedade. Nesse sentido, os capítulos que fecham a coletânea têm como objeto de análise as controladorias governamentais, em especial a Controladoria Geral da União (CGU), que “tem produzido resultados importantes no controle interno da administração federal”, afirmam os organizadores. Ainda de acordo com o livro, “o órgão tem se envolvido no combate à corrupção, atuando contra a improbidade administrativa, no monitoramento das políticas públicas federais executadas nos entes subnacionais e na promoção da transparência, e tem desempenhado importante papel na mobilização da sociedade civil, capacitando-a para o exercício da função de controle social dos governantes”.