01/10/2014
Claudio Oliveira/ Portal Fiocruz
As angustias, tensões e dores causadas pela ditadura após o golpe de 1964 ainda estão presentes naqueles que sofreram com a violência física e psicológica desencadeada por aparelhos repressores do Estado. São feridas que talvez nunca sejam cicatrizadas, mas que podem ser ao menos minimizadas com o conhecimento da verdade. Neste sentido, a Fiocruz inaugurou, na manhã do dia 29 de setembro, o Núcleo Fiocruz/RJ da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária.
Da esquerda para a direita: Paulo Ribeiro, Antônio Ivo, Nadine Monteiro Borges e Ana Tambellini (foto: Mário César / Asfoc)
A iniciativa tem o objetivo de descobrir o que aconteceu com essas pessoas e investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 contra trabalhadores da saúde, de forma que seja possível obter informações sobre aqueles que não tiveram seus direitos políticos restaurados, que seguem desaparecidos ou que ainda não foram identificados.
Apesar da dor trazida pela lembrança, a médica e presidente da comissão, Ana Maria Tabellini, reforçou a necessidade de mexer na ferida para que a justiça seja feita e que tempos como esse não retornem. “A verdade só aparecerá se os cidadãos brasileiros derem seus depoimentos. Através de relatos orais, sabemos que a tortura foi praticada até mesmo em hospitais, mas os torturados ainda têm receio de contarem suas histórias. Temos que ter força e encarar essas questões, exercer nosso direito democrático. É por isso que estou nesta comissão”.
Violência e abusos ainda são realidade
Convidado pela organização, o médico e pesquisador da Fiocruz, Antônio Ivo de Carvalho, relatou seu caso. Preso aos 21 anos, quando cursava o 3º ano da Faculdade de Medicina da UFRJ, Ivo disse não se sentir um herói, mas sim uma pessoa comum que fez as coisas que achava que devia fazer. “Quando entrei na faculdade já havia um clima de radicalismo no ar, mas éramos inocentes. Não tínhamos ideia do que era ficar preso, por exemplo. Era como se tivéssemos sido abduzidos. Nos levavam para um lugar desconhecido, com capuz. Tomávamos choques, nos jogavam água gelada, sofríamos agressões e nunca víamos o torturador”.
O pesquisador contou que sua prisão aconteceu na Rua São Francisco Xavier e que foi pego após a prisão de um amigo que, pressionado, delatou os outros. “Minha prisão aconteceu devido à delação de duas pessoas que estavam presas, sendo torturadas. É uma coisa traumática”.
As prisões e a violência da polícia nas manifestações populares realizadas a partir de junho de 2013 também foram lembradas. Fazendo um paralelo com o período da ditadura, o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Hermano Castro, citou a prisão de um professor da Ensp/Fiocruz que registrava as manifestações e de 23 pessoas presas na véspera da Copa do Mundo. “Eles tiveram seus direitos civis ignorados. Hoje, temos pequenas variações tecnológicas, mas a finalidade é a mesma: colocar o cidadão como alguém inferior”.
Na mesma linha de pensamento, a advogada e presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Nadine Monteiro Borges, criticou a falta de respeito com os manifestantes e o estado militar que se encontra no Rio de Janeiro. “Se não julgarmos esses casos, teremos outros Amarildos”. Nadine criticou também aqueles que dizem que os torturados também devem ser julgados. “Os torturadores nunca foram julgados, ao contrário dos opositores do regime militar, que foram presos, sofreram tortura, foram assassinados ou estão sumidos até hoje”.
Os relatos de trabalhadores da saúde que sofreram perseguições, violações, torturas, sequestros e assassinatos durante a ditadura podem ser feitos pela internet. Para incluir o relato, é necessário fazer login e criar uma senha no site. Para mais informações visite o site da CVRS ou entre em contato com a comissão pelo telefone (21) 2598-4242.