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19/10/2020

Covid-19: Estudo analisa infecção em animais da Mata Atlântica

Elisandra Galvão (Fiocruz Mata Atlântica)


Um grupo de pesquisadores da Fiocruz Mata Atlântica, em parceria com especialistas dos laboratórios de Vírus Respiratórios e Sarampo e de Virologia Comparada e Ambiental, ambos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), iniciou trabalhos de campo para investigar a infecção do Sars-CoV-2, o vírus causador da Covid-19, em animais domésticos e silvestres nativos e introduzidos da área da Pedra Branca. Este é o maior remanescente de Mata Atlântica em área urbana do país, situado na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Os pesquisadores têm investigado a circulação do Sars-CoV-2 e de outros vírus de potencial zoonótico, ou seja, que podem infectar humanos, em morcegos, saguis, cães e gatos. 

Pesquisadores têm investigado a circulação do Sars-CoV-2 e de outros vírus de potencial zoonótico, ou seja, que podem infectar humanos, em morcegos, saguis, cães e gatos (foto: Ricardo Moratelli)

 

Os resultados são todos negativos para o Sars-CoV-2 até o momento. Isto confirma que cães e gatos, por exemplo, não têm papel importante na circulação do vírus. Embora as primeiras amostras de saguis estejam ainda em análise, resultados de outro grupo de pesquisa, que estudou a espécie em cativeiro, comprovaram que eles são suscetíveis ao Sars-CoV-2. Já a perspectiva em relação aos morcegos na região é descobrir quais os coronavírus e outros vírus estão presentes em seu organismo. Os pesquisadores, entretanto, não esperam encontrar o novo coronavírus neles. A coleta de amostras nos animais começou nos meses de agosto e setembro e terá continuidade, junto com a análise do material coletado, ao longo deste segundo semestre. 

A pesquisa, que será ampliada em breve para incluir outros grupos de animais (roedores, bichos-preguiça, serpentes, cavalos, porcos, ruminantes e aves), é desenvolvida por meio do projeto Avaliação da ocorrência de vírus com potencial zoonótico em animais silvestres e domésticos de uma área da Mata Atlântica da região metropolitana do Rio de Janeiro. O estudo, que conta com financiamento da Faperj, não se restringe à investigação das taxas de infecção pelo novo coronavírus em animais domésticos e silvestres das comunidades que residem na área e adjacências da Pedra Branca. Serão pesquisados ainda outros vírus respiratórios e gastrointestinais de potencial zoonótico. A região foi escolhida para investigação porque há um elevado contato entre os animais domésticos, silvestres e sinantrópicos (que se adaptaram a viver junto ao homem, como algumas espécies de morcegos, ratos e pombos). O contato entre eles aumenta o risco de transferência de vírus com potencial de causar doenças infecciosas em humanos. 

A coordenação do projeto é feita por Ricardo Moratelli, da Fiocruz Mata Atlântica, e Marina Galvão Bueno, do IOC/Fiocruz. Os laboratórios do IOC/Fiocruz envolvidos na pesquisa são coordenados por Marilda Agudo Mendonça Teixeira de Siqueira e Marize Pereira Miagostovich. Também participam Maria Ogrzewalska, Paola Cristina Resende Silva, Rosana Gentile e Cecilia Silansky de Andreazzi, do IOC/Fiocruz; Rodrigo Caldas Menezes, Sandro Antônio Pereira e Juana Oneida Huamán Charret Portugal, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas; Marina Carvalho Furtado, Sócrates Fraga da Costa Neto, Maria Alice do Amaral Kuzzel e Isabel Cristina Fábregas Bonna, da Fiocruz Mata Atlântica; Paulo Castiglioni Lara, do Instituto Nacional de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz; e Judith Breuer, Sunando Roy e Rachel Williams, da University College of London. 

As amostras do material genético coletadas nesse estudo permitirão observar quais animais são possíveis hospedeiros ou suscetíveis à infecção pelo Sars-CoV-2, além das alterações histopatológicas associadas ao contágio. Os resultados obtidos ajudarão a entender a dinâmica do coronavírus nesses grupos de animais, as relações entre os diferentes tipos virais e seus hospedeiros, e as dinâmicas de transmissão da Covid-19 na área escolhida. 

A pesquisa tem grande relevância porque, no contexto da pandemia, ajuda a compreender melhor o papel de cada animal na rede de transmissão da doença. Além de desmistificar, por meio da investigação e evidências científicas, que os morcegos são responsáveis pela disseminação da Covid-19. Sem informações precisas sobre a transmissão da doença, desde a eclosão da pandemia, houve casos na América Latina e outros continentes em que colônias de morcegos foram dizimadas de forma indiscriminada por medo de que fossem os responsáveis pela transmissão do vírus da Covid-19.

No início da pandemia, diversos veículos de comunicação noticiaram a hipótese lançada por especialistas sobre o novo coronavírus ter se originado em um morcego e passado para humanos ou para um hospedeiro intermediário, onde teria sofrido mutação e saltado para humanos. O pangolim, animal em extinção nativo das zonas tropicais da Ásia e da África, chegou a ser apontado como o hospedeiro intermediário do Sars-CoV-2 na China, mas esse quebra-cabeças ainda está longe de ser resolvido. O fato é que são as formas de exploração da natureza, a destruição ambiental em larga escala, as condições higiênicas de produção e manejo nos espaços de atividades pecuárias (criação de frangos, porcos, gado etc.), as mudanças climáticas, a caça e o tráfico de animais silvestres que levam ao aparecimento de novas epidemias e pandemias. 

Ricardo Moratelli observa que, devido à provável origem silvestre do Sars-CoV-2 e os morcegos serem apontados como possíveis reservatórios do vírus, por serem importantes hospedeiros de outros coronavírus geneticamente próximos ao Sars-CoV-2, houve pânico em relação aos morcegos e à Covid-19. Entretanto, as evidências ainda são inconclusivas e indicam apenas que o vírus tem origem na fauna silvestre e que é geneticamente próximo de outros coronavírus que circulam em morcegos e no pangolim. Ele destaca que outros vírus de potencial zoonótico circulam em morcegos que, juntamente com os roedores, estão entre os principais reservatórios de vírus de potencial zoonótico. Portanto, ao invés de exterminá-los, a melhor estratégia é manter as populações de animais em seus habitats naturais, que devem ser bem preservados para que se mantenha o equilíbrio ecológico entre parasitas e hospedeiros. 

Também chama atenção para o papel ecológico fundamental dos morcegos na natureza. Em determinadas regiões eles têm importância para a agricultura e à saúde pública, pois são controladores naturais de muitas espécies de insetos que são pragas agrícolas e vetores de agentes infecciosos. Além disso, são dispersores de sementes, os principais recuperadores de áreas degradadas em floretas tropicais, como a Amazônia, e polinizadores de variedades naturais de plantas de importância econômica (banana, manga, caju, pitáia, durian – fruta do mesmo grupo do hibisco e do quiabo, e agave-azul – planta da tequila). 

No artigo Bats and zoonotic viruses: can we confidently link bats with emerging deadly viruses? (Morcegos e vírus zoonóticos: podemos seguramente associar os morcegos a vírus emergentes mortais?), publicado no periódico Memorias do Instituto Oswaldo Cruz e escrito por Moratelli e Charles H. Calisher, da Universidade do Estadual do Colorado (EUA), uma das conclusões é que não há evidências cientificas disponíveis para fazer tal associação. 

Não é possível associar diretamente os morcegos a viroses emergentes, exceto a raiva. Mesmo que tenham sido detectados mais de 200 vírus, alguns com potencial mortal, as conexões entre eles, os morcegos e as doenças humanas vêm sendo baseadas mais em suposições e especulações do que em evidências científicas. Novos estudos realizados neste campo poderão encontrar evidências para desmistificar especulações e mostrar como realmente ocorrem as dinâmicas de transmissão de coronavírus em geral e outros vírus em morcegos e em outros animais, além dos cenários ecológicos que favorecem a transferência de um parasita de um hospedeiro para outro. É nesta direção que o trabalho realizado pelos pesquisadores da Fiocruz Mata Atlântica e das demais instituições envolvidas se desenvolve. A busca é por evidências científicas, pois são elas que ajudam a evitar tanto a desinformação como a conter a crise sanitária instalada. 

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