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03/04/2007

Discurso de Paulo Buss em homenagem a Berlinguer

Paulo Buss


Exmo. sr. ministro José Gomes Temporão, colega e querido amigo, que para honra e alegria desta Casa ocupa hoje o posto mais elevado da saúde do país.

Querido amigo e, daqui a pouco, doutor honoris causa da Fundação Oswaldo Cruz, professor Giovanni Berlinguer.

 

 Temporão, Buss e Berlinguer (Foto: Ana Limp)
Temporão, Buss e Berlinguer (Foto: Ana Limp)

Caros amigos e colegas do Ministério da Saúde, que acompanham o ministro Temporão.

Caros amigos e nossos líderes nas entidades maiores da saúde pública brasileira, José da Rocha Carvalheiro, presidente da Abrasco, e Sônia Fleury, presidente do Cebes.

Queridos vice-presidentes, destacando nesta cerimônia a nossa vice-presidente de Ensino e Informação, Maria do Carmo Leal, responsável pelo êxito do ensino desta Casa nos últimos anos.

Caros diretores de unidades, membros do Conselho Deliberativo, colegas, pesquisadores e funcionários da Fiocruz.

Demais autoridades e amigos que nos visitam nesta solenidade.

Queridos estudantes que hoje ingressam na nossa pós-graduação e nos nossos cursos de nível médio.
 
A Fiocruz hoje está em festa. Uma nova leva de alunos ingressa nesta Casa centenária que já formou milhares de homens e mulheres da saúde pública que, na grandeza de seus anonimatos ou ocupando cargos importantes na saúde deste país – como ministros de Estado, secretários, governadores, prefeitos, deputados e senadores – ajudaram a construir o Sistema Único de Saúde brasileiro, de que tanto nos orgulhamos. Hoje recebemos vocês, queridos estudantes de 2007, com o mesmo carinho e compromisso que têm sido a marca desta Casa em toda a sua história.

Também é um dia de festa porque pela primeira vez recebemos oficialmente na Fiocruz o ministro Temporão, cria intelectual desta Casa, funcionário de carreira da Instituição e que, para orgulho da nossa geração e de todos seus companheiros, alcança o posto de máximo dirigente da saúde em nosso país, para certamente implementar os princípios, doutrinas, práticas e sonhos da reforma sanitária brasileira.

Também é um dia de festa e alegria para a Fiocruz porque homenageamos hoje um dos mais insignes homens públicos deste grande e vasto mundo nos séculos 20 e 21, o professor Giovanni Berlinguer.

Berlinguer nasceu em 9 de julho de 1924, em Sassari, na ilha italiana da Sardenha, onde viveu a infância e parte da juventude. Na complexidade da vida social da ilha, moldou sua personalidade e os compromissos políticos que o acompanharam por toda sua vida. Filho de um notável advogado defensor dos direitos humanos, Mario Berlinguer, que fez parte da resistência italiana na primeira metade do século 20, principalmente durante as duas Grandes Guerras Mundiais, e sua mãe, Maria Loriga. Casou-se Giuliana Ruggerini, vivendo desde então uma admirável vida de 50 anos em comum. Tem três filhos: Luisa, Mario e Lídia.

É irmão e foi grande colaborador de Enrico Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano, no qual militou por longos anos, tendo sido membro do Comitê Central por mais de 20 anos. Pelo PCI foi eleito deputado nacional por três legislaturas, de 1972 a 1983. Em seqüência, foi eleito senador por duas vezes, entre 1983 e 1992. Um de seus maiores feitos no parlamento foi a relatoria da Lei do Aborto que, por ter sido aprovada na Itália, país fortemente católico, chamou a atenção da imprensa de todo mundo pela autoridade moral, competência e habilidade com que foi conduzida.

Formou-se em medicina e cirurgia na Universitá La Sapienza, em Roma, em 1952. Retornando à sua cidade natal, iniciou a carreira acadêmica como professor de medicina social da Universidade de Sassari, atividade que desenvolveu até 1974, quando assumiu a cátedra de saúde do trabalho na Universitá La Sapienza. Ali permaneceu até a aposentadoria compulsória, em 1999, aos 75 anos, quando recebeu o título honorífico de professor emérito.

Na década de 50 foi presidente da União Internacional dos Estudantes, época em que esteve no Brasil pela primeira vez (1951), tendo participado de diversas reuniões e manifestações com universitários brasileiros da União Nacional de Estudantes, no Rio de Janeiro. Na ocasião, foi ameaçado de expulsão do país pelo deputado direitista Carlos Lacerda, que o acusou de ser um perigoso "espião russo". Com seu costumeiro bom humor, ao receber o título de Cidadão Honorário de Brasília, em 1999, relatou o fato, agradecendo à médica e deputada Maria José Maninha (PT-DF), autora da proposta, por lhe proporcionar a segurança de que, a partir de então, não mais poderia sofrer qualquer "tentativa de expulsão do Brasil".

Em 1999 recebeu da Universidade de Brasília (UnB) o título de doutor honoris causa, homenagem com a qual já havia sido anteriormente agraciado nas universidades de Montreal (Canadá) e Havana (Cuba). Foi conferencista em universidades latino-americanas e desenvolveu importante cooperação com os metalúrgicos de São Paulo, quando o presidente Lula ainda era líder sindical.

No final de 2002 voltou à capital do Brasil para proferir a conferência Bioética, poder e injustiça, que abriu o 6º Congresso Mundial organizado pela International Association of Bioethics e pela Sociedade Brasileira de Bioética, o maior evento já empreendido no planeta sobre a especialidade, com a participação de pesquisadores provenientes de 62 países dos cinco continentes. Berlinguer também esteve no Brasil na qualidade de convidado especial do presidente Lula para a sua primeira posse, representando a Central Geral Italiana de Trabalhadores (CGIL), à qual está ligado há mais de meio século.

É atualmente presidente de honra do Comitê Nacional Italiano de Bioética e membro atuante titular do Comitê Internacional de Bioética da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência). Completou 80 anos em 9 de julho de 2004, um mês após ter sido eleito, com impressionante votação, deputado italiano no Parlamento Europeu, pelo Partido Socialista/Democratas de Esquerda. Nesta função legislativa da União Européia deverá permanecer até 2009.

Em 2005, convidado pela Organização Mundial da Saúde, passou a integrar a Comissão Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, ao lado de personalidades mundiais como sir Michael Marmot, notável epidemiologista social inglês; o Prêmio Nobel Amartya Sen; o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos e outras figuras exponenciais.

Berlinguer visitou-nos no ano passado, quando foi criada a Comissão Nacional dos Determinantes Sociais da Saúde do Brasil, estimulando as ações de enfrentamento das iniqüidades ainda presentes na situação social e de saúde, nos processos e bens que favorecem a qualidade de vida e a saúde, assim como no acesso aos serviços de saúde. Depois, participou dos congressos Mundial de Saúde Pública e Brasileiro de Saúde Coletiva, no qual proferiu uma das conferências magnas exatamente versando sobre o que é hoje o seu tema central de trabalho: a bioética.

De fato, tendo trabalhado muitos anos nas áreas da saúde pública, da saúde do trabalhador e da saúde mental – foi um dos promotores da reforma psiquiátrica italiana –, no início dos anos 90 Berlinguer mudou-se com armas e bagagens do campo da saúde pública para a bioética, sem deixar de manter os olhos voltados para as questões ideológicas, sanitárias e coletivas que nortearam toda sua longa vida pública.

Segundo seu discípulo e grande amigo brasileiro Volney Garrafa, nos ásperos tempos da ditadura militar os livros de Giovanni eram lidos quase às escondidas, passando cuidadosamente de mão em mão. Sua vasta produção científica ultrapassa o número de 45 obras, uma dúzia delas traduzidas para o português, entre as quais Medicina e política (1978), A saúde nas fábricas (1983), Reforma sanitária — Itália e Brasil (1988, em parceria com Sonia Fleury Teixeira e Gastão Wagner de Souza Campos), A doença (1988), Minhas pulgas (1991) e O mercado humano (1996 e 2001 — 2ª edição, em parceria com Volnei Garrafa). Bioética cotidiana, traduzido por Lavínia Bozzo Aguilar Porciúncula e lançado pela Editora UnB em 2004, fecha um ciclo iniciado com outras duas memoráveis produções: Questões de vida — ética, ciência e saúde (1991) e Ética da saúde (1995).

Hoje, finalmente, recebe Giovanni Berlinguer mais uma láurea por sua magnífica vida pessoal e extraordinária vida pública. Seus amigos brasileiros aqui da Fiocruz lhe concedem o mais prestigioso título da Instituição: o de doutor honoris causa. Para que avaliem a importância e exclusividade desta láurea, ela está sendo concedida hoje pela segunda vez, justamente a Giovanni Berlinguer. Depois de instituída ela só foi dada uma vez, ao presidente Lula, em 2003. Convido o ministro de Estado da Saúde, professor José Gomes Temporão, para que faça a entrega do título de doutor honoris causa da Fundação Oswaldo Cruz ao professor Giovanni Berlinguer.

Resta-me concluir esta homenagem dizendo que a música que acompanhou as imagens que viram é de autoria do compositor italiano Ennio Morricone em colaboração com seu filho, Andrea Morricone, de 1988, para o belo e emocionante filme Cinema Paradiso.

Despeço-me dizendo-lhe, Giovanni, pretensamente em sardo: Bè arribidu Prufissòri Berlinguer. Piatzi abe vosté nostru istràgnu.

Convido agora para fazer uso da palavra o nosso homenageado, que proferirá a aula inaugural do ano acadêmico de 2007 da Fundação Oswaldo Cruz, sobre Causas sociais e implicação moral das doenças.

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