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08/09/2009

Doenças foram o maior obstáculo enfrentado pela Comissão Rondon

Renata Moehlecke


No início do século passado foram criadas comissões que, dirigidas por militares, tinham como objetivo a integração das vastas e isoladas regiões dos atuais estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas ao restante do país, via telégrafo. No entanto, nem todas as comissões obtiveram êxito. Em dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), o historiador Arthur Torres Caser investigou quais foram os motivos que levaram ao fracasso da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMA), também conhecida como Comissão Rondon, na tarefa de promover a ocupação do noroeste do país entre 1907 e 1915. O estudo revelou que diversos foram os obstáculos enfrentados, sendo o principal deles as doenças encontradas na área, as quais, além de afetarem aqueles que já se encontravam na região, amedrontavam os seus possíveis colonizadores.

 

 Trecho do filme <EM>Viagem ao Monte Roraima</EM>, em cuja cena final Rondon aparece segurando a bandeira nacional ladeada pelas bandeiras da Venezuela e da Guiana, em meio a índios macuxis
Trecho do filme Viagem ao Monte Roraima, em cuja cena final Rondon aparece segurando a bandeira nacional ladeada pelas bandeiras da Venezuela e da Guiana, em meio a índios macuxis

“A construção de linhas e estações telegráficas foi apenas parte de um projeto mais ambicioso, que previa a defesa das fronteiras brasileiras, contatos com sociedades indígenas, investigações científicas e, sobretudo, a ocupação produtiva daquela porção do território nacional que os membros da Comissão chamavam de ‘sertões do noroeste’”, afirma o pesquisador. “No entanto, a Comissão encontrou um sem número de dificuldades para o cumprimento daqueles objetivos, entre os quais a animosidade de alguns grupos indígenas; as dificuldades de transporte numa região bastante acidentada e praticamente inexplorada; as constantes chuvas somadas a períodos de calor inclemente; e, finalmente, as doenças – o grande martírio dos expedicionários – que retardaram e até mesmo interromperam diversos trabalhos em curso”.

Para a pesquisa, Caser analisou as publicações oficiais da Comissão, ou seja, um conjunto formado por 86 volumes, entre relatórios de explorações, relatórios médicos, estudos científicos e conferências proferidas pelo marechal Rondon (militar que comandou os trabalhos realizados). Segundo o historiador, Rondon e os outros membros da Comissão acreditaram, nos primeiros anos dos trabalhos, que, apesar das dificuldades inerentes ao projeto, a instalação de linhas e estações telegráficas, a abertura de estradas, o conhecimento da fauna, da flora, da geologia, da etnografia e da nosologia da região garantiriam o sucesso do povoamento dos sertões do noroeste.

Contudo, as doenças, em especial a malária, forçaram a Comissão a abrir mão de metas inicialmente estabelecidas e retardar a realização de outras. “A construção de ramais da linha telegráfica até as sedes das prefeituras do Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, previstas nas instruções que deveriam guiar a Comissão, por exemplo, nunca chegou a ser realizada; e o povoamento dos ‘sertões do noroeste’, que a princípio seria concomitante à instalação das linhas e estações telegráficas, teve de ser adiado”, explica o estudioso. “O medo das doenças se transformava em medo dos sertões, se constituindo em obstáculo ao povoamento das áreas atravessadas pela linha telegráfica. Se Rondon e os demais membros da Comissão esforçavam-se em chamar atenção para os benefícios oferecidos pela natureza da região ao migrante, o medo das doenças trabalhava no sentido contrário, lembrando que a morte era um possível destino àqueles que por lá se aventurassem”.

De acordo com Caser, apesar dos esforços realizados pela Comissão ao longo dos seus oito anos de duração, doenças como o beribéri (causada pela falta de vitamina B no organismo) e a malária continuaram a prejudicar os trabalhadores e oficiais da Comissão até o fim de seus trabalhos, no primeiro dia do ano de 1915. “Isso não significa que nesse dia as doenças tenham simplesmente deixado de existir, mas que a partir daquele momento elas seriam menos um empecilho aos trabalhos de construção – afinal concluídos – e de exploração para se transformarem em uma espécie de fantasma que assombraria permanentemente os funcionários da Repartição Geral dos Telégrafos, encarregados de operar as estações telegráficas construídas em regiões habitadas apenas por indígenas, à espera de um surto de desenvolvimento que, ao contrário das onipresentes doenças, eles não veriam até o final de suas vidas miseráveis”, conclui o pesquisador.

Publicado em 4/9/2009.

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