De caso de polícia para uma questão de saúde pública. Quem acompanha o debate sobre as drogas no Brasil e no mundo tem visto o esforço de especialistas para mudar o foco do problema nos últimos anos. Em vez de tratar usuários e dependentes de drogas como delinquentes e marginais, cujo destino é a prisão ou a morte, médicos, sociólogos, advogados, psicólogos e outros profissionais interessados no tema propõem uma abordagem multidisciplinar capaz de aprofundar a discussão e oferecer um tratamento humanizado e de qualidade, com objetivo de garantir uma rede de apoio e atenção integral a quem precisa.
A mudança de paradigma vem acontecendo, sobretudo, após o retumbante fracasso da Guerra às Drogas, promovida pelos Estados Unidos no século 20 e reproduzida em escalas nacionais mundo afora. A campanha de repressão às drogas ilegais resultou na prisão e na morte de milhões de pessoas em todo o planeta, mas não conseguiu diminuir o consumo ou desarticular as quadrilhas internacionais que lucram com o comércio ilegal de entorpecentes. Ao contrário: criminalizar toda a cadeia de produção, comercialização e consumo de drogas agravou o problema da violência e da corrupção, sobretudo em países pobres e em desenvolvimento.
Os trágicos desdobramentos da Guerra às Drogas provocaram reações de especialistas, políticos e da própria sociedade civil em torno da necessidade de uma nova agenda para o tema no século 21. No Brasil, uma das iniciativas de destaque foi a criação, em 2013, da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), liderada pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e que se inspirou na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, fundada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). A CBBD nasceu com o objetivo de buscar políticas e práticas que sejam mais humanas e eficazes no enfrentamento do problema.
Apesar dos tabus que ainda cercam o tema das drogas, o debate sobre a descriminalização dos usuários ou sobre a regulamentação do comércio de entorpecentes ganha cada vez espaço nas sociedades contemporâneas. De acordo com especialistas, este seria um passo fundamental para tirar o assunto da esfera criminal e trazê-lo para o âmbito da Saúde Pública. A construção de uma nova política de drogas, com a ampla participação da sociedade, em seus mais diferentes segmentos, possibilitaria a troca de inócuas medidas repressivas por inovadoras medidas preventivas, baseadas em estudos e evidências científicas.
A emergência de um novo olhar sobre as drogas também se caracteriza por incluir no debate as chamadas drogas lícitas. Ao mesmo tempo em que se preocupam com os efeitos do uso de crack por populações vulneráveis, os especialistas também investigam o a questão do álcool como um problema de Saúde Pública no país. Um dos exemplos que inspiram esta virada são as campanhas de regulação da propaganda e do comérico de tabaco das últimas décadas, que conseguiram diminuir consideravelmente o número de fumantes, sem proibir o consumo da substância. Neste universo que se descortina, as campanhas de informação e conscientização ganham muito mais relevância do que a tradicional repressão ao consumidor.
Acompanhando de perto a construção deste novo cenário, a Fundação Oswaldo Cruz mobiliza seus pesquisadores há anos no desenvolvimento de pesquisas sobre drogas, nos mais diferentes enfoques da Saúde Pública. Alguns de seus resultados mais recentes foram o lançamento do Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco, em 2016, o Seminário Internacional sobre Maconha, realizado em 2015, e a publicação digital da Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack, em 2014. O desafio agora é discutir o álcool, em evento internacional que será realizado nos dias 24 e 25 de outubro. A iniciativa é do Programa Institucional de Apoio a Pesquisas e Políticas Públicas sobre Álcool, Crack e outras Drogas (PACD) da Fiocruz, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS). Confira a programação.