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13/06/2013

Editora Fiocruz lança 'Política pública e gestão de serviços de saneamento'

Fernanda Marques


De acordo com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, até 2015 a parcela da população sem acesso ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário deveria ser reduzida, ao menos, pela metade, tendo por referência a situação de 1990. O prazo se aproxima do final e levantamentos indicam que a meta não será atingida em muitos países. E, mesmo se ela fosse cumprida, ainda haveria 1,7 bilhão de pessoas sem acesso ao esgotamento sanitário no mundo, sobretudo as populações mais pobres. Estudos apontam que não faltam soluções tecnológicas nem existem limitações físicas naturais intransponíveis: os obstáculos para a universalização sustentável dos serviços estão ligados a crises de governo e da gestão democrática e a desafios éticos. Portanto, é preciso um esforço sistemático para organizar esse campo em termos conceituais e metodológicos. E esta é justamente a proposta do livro Política pública e gestão de serviços de saneamento, de Léo Heller e José Esteban Castro (orgs.), lançamento das editoras UFMG e da Fiocruz.

Segundo os organizadores, recursos financeiros e prioridade política são necessários, mas não suficientes. Por isso, eles propõem um debate amplo e multifacetado sobre política pública e gestão. “A provisão adequada de serviços de saneamento é reconhecidamente um requisito essencial para a proteção da saúde pública e para a manutenção de condições de vida básicas, e a universalização sustentável desses serviços em escala global constitui um dos maiores desafios do início do século 21”, destacam. “As políticas concernentes ao saneamento devem se fundamentar no princípio de que esses serviços constituem um direito social do cidadão; em outras palavras, é obrigação do Estado garantir o acesso universal a eles”, defendem. “O acesso aos serviços essenciais constitui um direito fundamental, que não pode ficar sujeito à capacidade individual de pagamento dos usuários e deve ser garantido pelo Estado”.

Para Heller e Castro, uma gestão sustentável dos aspectos econômicos, financeiros e técnico-estruturais requer um papel fundamental do Estado em assegurar que os serviços de água e esgotos sejam concebidos como bens públicos, cujo acesso deve ser garantido como um direito de todas as pessoas, e não como bens privados, subordinados a interesses e critérios mercadológicos. Entretanto, o livro abre espaço para as contradições e os entendimentos rivais a respeito de como esses serviços devem ser organizados e dirigidos.

Por isso, o leitor não deve estranhar se, no capítulo 8, o britânico Michael Rouse afirmar que a introdução das forças de mercado é uma estratégia de sucesso para administrar os serviços de água e esgotos. Pesquisador emérito da Universidade de Oxford e professor visitante da Universidade de Tsinghua (Pequim), Rouse apresenta o mercado como princípio organizador, seja por meio da privatização direta, seja pelo funcionamento das empresas públicas com base em padrões comerciais. Vários outros capítulos do livro, inclusive os dos organizadores, refutam os argumentos de Rouse, com base em evidências do registro histórico e de pesquisas empíricas recentes na África, Ásia, Europa e Américas, incluindo casos-modelo de gestão pública, como os dos Estados Unidos e dos países nórdicos da Europa.

Essa pluralidade de análises é fruto de um diálogo interdisciplinar e internacional: entre os autores do livro estão advogados, economistas, engenheiros, geógrafos, historiadores, hidrólogos, cientistas políticos, sociólogos e vários outros estudiosos do tema, oriundos de diversos países. A coletânea está dividida em duas partes. A primeira traz um conjunto de reflexões teóricas e conceituais. A segunda apresenta um leque de experiências nacionais e regionais sobre a política pública e a gestão dos serviços de saneamento, buscando compreendê-las a partir de seus condicionantes históricos e de outros aspectos sistêmicos e estruturais, no longo prazo.

“Eles incluem uma ampla gama de problemas, tais como as características socioeconômicas da população, as limitações hidrológicas e hidrogeológicas, os padrões demográficos, as divisões étnicas e culturais, o modelo vigente de desenvolvimento, os processos políticos e assim por diante”, exemplificam os organizadores. Os diferentes capítulos procuram demonstrar que “as iniciativas ligadas aos serviços de água e esgotos devem levar em conta o impacto fundamental das condições locais e evitar as soluções ‘de tamanho único’, que tendem a desprezar as lições históricas das práticas de gestão bem-sucedida”, completam.

 A coletânea tem, ao todo, 26 capítulos. Os 20 primeiros foram originalmente publicados em 2009, em inglês. Além da tradução desse material para o português, a nova edição oferece, ainda, seis capítulos inéditos. Eles abordam a experiência brasileira na organização dos serviços de saneamento básico; seus aspectos jurídico-institucionais; a gestão econômico-financeira; a avaliação das políticas públicas; e o planejamento, a participação e a governabilidade. Além dos textos sobre o Brasil, foi incluído um novo capítulo que aborda a experiência venezuelana sobre a participação e a inovação organizativa na prestação de serviços de água e esgotos.

Além de casos latino-americanos são também discutidas experiências africanas e asiáticas, assim como norte-americanas e europeias. Os estudos revelam que mesmo os países que já atingiram ou devem atingir seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio encontram dificuldades significativas. Países desenvolvidos enfrentam, por exemplo, os custos crescentes da renovação da infraestrutura e os efeitos da mudança climática e da poluição generalizada na disponibilidade de fontes hídricas. Estima-se que 16% da população europeia (cerca de 140 milhões de pessoas) ainda não têm água potável em casa e 10% (cerca de 85 milhões) não têm acesso a instalações de esgotos sanitários. Na Inglaterra e País de Gales, onde os serviços estão privatizados desde 1989, milhões de famílias vivem na "pobreza hídrica", problema associado ao fato de que mais de 15% dos usuários dos serviços de água e esgotos não vêm pagando suas contas, no contexto da crise econômica mundial. Também nos Estados Unidos são os bairros pobres e as minorias étnicas que enfrentamos maiores obstáculos.

O objetivo central da coletânea é discutir teorias e experiências que sinalizem caminhos para a inclusão social da parcela da população ainda alijada do acesso aos serviços. E essa discussão ocorre em um lugar muito especial e privilegiado: “nas interfaces entre a gestão dos recursos hídricos, a política ambiental, a saúde pública, a política social, o planejamento urbano e regional e os serviços públicos”, resumem os organizadores.

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