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26/08/2015

Educação em saúde é tema de primeiro dia de seminário

César Guerra Chevrand, Leonardo Azevedo, Pamela Lang e Ricardo Valverde


O primeiro dia do Seminário Educação, Saúde e Sociedade do Futuro foi marcado pelas discussões dos desafios e perspectivas da educação em saúde. O evento, realizado no campus da Fiocruz em Manguinhos, Zona Norte do Rio, conta com a presença de representantes da comunidade científica, educadores, pesquisadores, alunos e pessoas interessadas em discutir as novas visões sobre a educação na sociedade contemporânea. O seminário ocorre até quinta-feira (27/8) e contará com conferência do filósofo francês, Pierre Lévy. Confira vídeo das conferências do primeiro dia aqui.


O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da instituição, Nísia Trindade, na mesa de abertura do evento (foto: Peter Ilicciev)

 

Durante a mesa de abertura, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, ressaltou a maneira intensa e progressiva que o seminário foi preparado, com uma estruturação não apenas de reflexão, mas de criação propositiva de linhas de atuação. “É nesse momento que a Fiocruz está voltada para pensar o futuro, com projetos como o Saúde Amanhã e iniciativas do Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da instituição, que o seminário adquire uma proporção tão importante, com elementos de extrema relevância”, afirmou Gadelha.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou o papel da Fundação junto à sociedade, as áreas de atuação da instituição e o papel desempenhado na formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Nós queremos dar visibilidade também a uma dimensão pouco visível nas avaliações. Normalmente se nós pensarmos, principalmente pelo lado das métricas, nós avaliamos a produção científica, o número de egressos, o tempo de formação, no caso da pós-graduação. Nós não temos muito como foco da avaliação a nossa prática formadora, a prática pedagógica”, disse.

Participaram ainda da mesa de abertura do evento o representante da Associação de Pós-Graduandos (APG) da Fiocruz, Geovane Dias Lopes, e a presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc), Justa Helena Franco. O sindicato realizou ato durante o evento, como atividade do Comando de greve. Os pesquisadores Adauto José Gonçalves de Araújo, Virgínia Torres Schall e Itália Guarany Angiola Kerr, falecidos em 2015, foram homenageados por seus trabalhos em prol da ciência.

Educação em saúde

A mesa-redonda Educação em saúde: desafios e perspectivas foi a primeira do Seminário Educação, Saúde e Sociedade do Futuro. Com moderação do coordenador do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), Antonio Ivo de Carvalho, a mesa teve as participações do secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Manuel Palácios, cuja palestra teve como título Proposta da Base Nacional Curricular Comum. Além dele, também participaram o pesquisador Mario Rovere, da Universidade de Buenos Aires, que discorreu sobre Redes e Educação Permanente em Saúde: limites e perspectivas, e o reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia, Naomar Almeida-Filho, que abordou Modos de formação e modelos curriculares na educação superior: uma nova cultura e trajetória na educação.

Para o secretário Manuel Palácios, é de fundamental importância que as famílias e a comunidade participem e se envolvam com as escolas de suas crianças (foto: Peter Ilicciev)

 

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e fundador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd/UFJF), Manuel Palácios disse que o debate sobre a Base Nacional Curricular Comum tem três eixos: a constituição de um Sistema Nacional de Educação, no qual vê paralelos com o SUS; a formação profissional da área e especificamente a dos professores; e a definição de objetivos e propostas para a educação básica. “Sou um admirador do arranjo federativo estabelecido pela Constituição de 1988. Na educação também precisamos valorizar a descentralização de competências pelos entes federativos. Se um município não conseguir cuidar da educação básica, quem poderá? Por isso defendo uma estrutura descentralizada”, indagou Palácios.

Para o secretário, é de fundamental importância que as famílias e a comunidade participem e se envolvam com as escolas de suas crianças. “Toda criança tem direito à educação básica, a permanecer na escola, a concluir o processo de aprendizagem ao longo dos anos previstos e a um desenvolvimento cognitivo e dos conhecimentos. E também ao direito à diferença. Mas como fazer e atingir esses objetivos da área educacional? Não podemos deixar de consultar os entes, em especial os municípios”, sublinhou Palácios.

O secretário lembrou que uma comissão de com representantes das 27 unidades da Federação, de 35 universidades federais e de outras instituições – num total de 116 integrantes – está concluindo uma proposta para a educação básica que será anunciada em 16 de setembro e aberta a discussão pública nos meses seguintes. “Conclamo os interessados a participar, debater e fazer sugestões. No final de dezembro deveremos ter uma proposta pronta da Base Nacional Curricular Comum, que faça uma convergência no sentido de agregar as sugestões que surgirem, e em março serão realizados os seminários estaduais para discutir a Base Nacional”, disse.

Na segunda palestra da mesa, o professor Mario Rovere fez inúmeras provocações em sua fala e convidou a plateia à reflexão acerca da educação permanente e do profissional de saúde que queremos formar para o futuro. A primeira provocação teve relação com a pressão internacional que os sistemas de saúde dos países latino-americanos têm sofrido, especialmente, frente ao modelo de saúde norte-americano. Rovere apontou que há uma pressão política sobre esses países que não necessariamente vai contra a universalização dos direitos à saúde, mas que redefine o papel do Estado como financiador e não mais como prestador dos serviços de saúde.

O professor Mario Rovere fez inúmeras provocações em sua fala e convidou a plateia à reflexão acerca da educação permanente e do profissional de saúde que queremos formar para o futuro (foto: Peter Ilicciev)

 

“Enfrentamos um cenário em que vários países latino-americanos, como Brasil e Colômbia, têm resistido à pressão norte-americana pela importação de um modelo de saúde médico-industrial, em que o modelo europeu de seguridade social vem sendo atacado também pelos Estados Unidos e em que temos um processo de medicamentalização que gera uma nova sociedade, conformada pela doença. Essas questões estão colocadas para o nosso futuro. Quando pensamos, portanto, em educação permanente em saúde, temos que pensar ‘queremos formar um profissional de saúde para trabalhar com o quê? Que perfil de profissional vamos formar para lidar e responder a essas questões?’ ”, ponderou Rovere.

A segunda provocação do professor argentino teve ligação com formação de redes, conceito tão difundido, atualmente, em diversos campos de atuação, e que repercute e nos leva a pensar no processo de educação permanente. Para ele, o dispositivo de rede dentro de uma organização quebra o controle da informação, dentro da lógica da própria organização. Por isso, a rede seria uma subversão à compartimentalização da informação. Rovere coloca a necessidade de ter pessoas ‘pontes’ e pessoas ‘elevadores’ dentro da organização para que a formação dessas redes considere o compartilhamento horizontal e vertical (em diferentes níveis da organização) das informações. Por outro lado, a formação de redes também enfrenta, segundo Rovere, o desafio de superar os limites de seu território.

“Pela etimologia da palavra, ‘território’ significa lugar que se defende pela força, pelo terror. Trata-se, portanto, de um conceito geopolítico. A rede deve ser encarada como uma ação e mão um produto. Trabalhar e atuar em rede é mais importante do que a existência da rede em si. Se tivesse que definir o conceito de ‘rede’, diria que é um aparelho de desterritorialização de territórios simbólicos”, argumentou o professor.

Por fim, Mario Rovere questionou a autonomia das universidades públicas em países latino-americanos, afirmando que elas não estão acompanhando e respondendo às transformações e às demandas atuais da sociedade no campo da saúde. “Por que a educação permanente não entra nas universidades? Por que Paulo Freire não entra nas universidades? Temos uma pergunta central sobre a autonomia das universidades públicas. Na Argentina, 80% dos médicos são formados em universidades públicas, mas os serviços de saúde são prestados por médicos cubanos. Ou seja, na prática, as universidades públicas não atendem às demandas da sociedade, mas são financiadas por ela”, concluiu Mario Rovere.

Convidado a falar sobre Modos de formação e modelos curriculares na Educação Superior: uma nova cultura e trajetória na educação, o reitor pro-tempore da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar Almeida Filho, fez críticas à formação curricular universitária no Brasil e apresentou um quadro histórico do desenvolvimento das universidades, desde a sua fundação, na Europa, durante o século 11, até os dias atuais.

Comparando diversos exemplos de universidades mundo afora, Naomar discutiu a influência de teóricos como  Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808), Wilhelm von Humboldt (1767-1835) e Abraham Flexner (1866-1959) na construção das universidades contemporâneas. O reitor da UFSB disse que há hoje quatro modelos de educação superior no mundo, incluído o modelo próprio brasileiro. “O modelo brasileiro não dialoga praticamente com nenhum outro”, criticou.

Médico, mestre em Saúde Comunitária, e Ph.D. em Epidemiologia, Naomar debateu em particular ainda a formação de médicos no Brasil e utilizou as palavras dos educadores brasileiros Anísio Teixeira (1900-1971) e Paulo Freire (1921-1997) para fazer mais críticas ao Ensino Superior elitista e excludente no país . “O Brasil tem feito muitas reformas em processos, sem mudar a estrutura. A grande questão é como transformar a universidade para que ela seja transformadora”, complementou.

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