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16/08/2013

Encontro debate psicologia evolucionista, imunidade inata, sonhos e a correlação entre infecções e cognição

Vanessa Sol


Os mecanismos de atuação do cérebro ainda são um mistério para a ciência. No entanto, os especialistas estão cada vez mais empenhados em desenvolver pesquisas nessa área, que abrange, por exemplo, o estudo das correlações entre os sistemas imune e neural. Considerado um dos desafios das neurociências, o tema foi debatido durante a 3ª Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural, que ocorreu em 14 de agosto, no campus da Fiocruz. O evento, realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Academia de Nacional de Medicina (ANM), destacou a importância dos sistemas cognitivos, imune e neural e suas especificidades. Psicologia evolucionista, imunidade inata, sonhos e correlação entre infecções e cognição estiverem na pauta.

O pesquisador Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro ressaltou o aprofundamento dos estudos das neurociências (Foto: Gutemberg Brito).

 

De acordo com o coordenador do evento e chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC, Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, o aprofundamento dos estudos no campo das neurociências permite o diálogo entre profissionais e estudantes que atuam em temas relativos aos sistemas imune e neural, sobre aspectos que possam se tornar paradigmas importantes para a área. “Esses sistemas evoluem a partir da vivência dos seres humanos, que modulam a forma como nosso sistema imuno-nervoso vai trabalhar diante dos estímulos externos. Estes aspectos são interessantes porque, apesar de termos sistemas sofisticados em funcionamento, esses são por excelência aqueles que aprendem. Durante a jornada, ilustramos como acontece a resposta de conhecimento e reconhecimento aos estímulos externos a partir dessas duas ciências”, explicou o coordenador.

Na abertura do evento, o diretor do IOC, Wilson Savino, destacou a realização da jornada como uma atividade que colabora para o desenvolvimento do conhecimento científico. Para ele, o evento converge com o início do processo estratégico de desenvolvimento de atividades na área de neurociências e saúde no âmbito da Fiocruz. “A iniciativa se insere no momento em que o IOC vem atuando para desenvolver, em parceria com a Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz, um programa interno de fomento às neurociências”, ressalta.

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou a configuração de uma área de neurociências na Fiocruz, com interface direta com o Ministério da Saúde, a fim de planejar a criação de um Instituto Nacional de Neurociências. “Diversas instituições de pesquisa estão participando na concepção e configuração dessa rede. Este é, portanto, um momento estratégico para o desenvolvimento desta área e a Fiocruz vai apoiar a iniciativa”, disse Gadelha.

Cognição nos sistemas imune e neural

Dando início ao ciclo de atividades científicas, a conferência Infecção, inflamação e cognição: mediações, correlações e implicações foi apresentada pelo vice-diretor de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IOC, Hugo Caire de Castro Faria Neto. O especialista explicou que casos de sepse podem comprometer a capacidade cognitiva em situações de infecção. “Disfunções severas como malária cerebral e septsemia podem trazer como consequência disfunções cognitivas. Com o tratamento dessas disfunções é possível diminuir o déficit cognitivo decorrente da sepse”, explicou o pesquisador.

Bases neurais da antecipação motora em humanos foi o tema apresentado pela pesquisadora Claudia Vargas, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ).  A especialista explicou que o potencial de preparação do cérebro antes da realização de uma ação é acionado por parte sensoriais. “Existe uma série de fatores que influenciam a execução de cada movimento, como a força, o contexto e comando motor. Se levarmos em consideração esses aspectos, é possível realizar um trabalho de reabilitação em pacientes com disfunções motoras, a partir da reorganização cerebral dos pacientes que sofreram lesões para que sejam capazes de simular o movimento perdido”, ressaltou.

O pesquisador Yuri Chaves Martins, do Albert Einstein College of Medicine, Estados Unidos, que ministrou a conferência Utilizando imagens para reconhecer objetos (inclusive micróbios) do mundo real, demonstrou que o sistema nervoso apresenta as mesmas características do sistema imune, sendo reorganizado a partir de experiências prévias. “Ambos os sistemas parecem produzir imagens internas do meio ambiente onde se situam. A proposta é instigar a mudança de paradigma, traçando um paralelo entre estes sistemas, para podermos avançar na área”, apontou.

Na palestra A imunidade inata: da origem do reconhecimento molecular, o pesquisador do Departamento de Imunologia da UFRJ, Marcelo Torres Bozza, relacionou a imunidade inata como parte do processo de evolução dos seres vivos. “A partir da década de 90, observamos uma mudança radical na literatura e no interesse dos cientistas pelo estudo da imunidade inata. Procuro ressaltar em minhas pesquisas o aspecto evolutivo do sistema imune e da questão do reconhecimento feito por ele”, salientou.

Comportamento e cooperação, sonho e cognição

Os aspectos do comportamento e da cooperação foram abordados nas conferências Psicologia evolucionista: a psicologia depois de Darwin, de Maria Emília Yamamoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); e O cérebro social: construindo conexões, de Cecília Hedin Pereira, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ). Segundo Cecília, o homem é um ser social com capacidade de cooperação inata, cujas características fazem parte do cérebro social, construído a partir da evolução humana. “Uma das ideias é de que a consciência seja necessária para essa construção. O mundo inconsciente influencia o mundo consciente”, ressaltou.

Para a pesquisadora Maria Emília Yamamoto, o senso de cooperação do ser humano é uma característica que está presente desde os nossos ancestrais, sofrendo adaptação de acordo com cada grupo de seres. “Um conceito que viabiliza a cooperação é o pertencimento a determinado grupo. Um marcador que pode trazer a noção de pertencimento a um grupo é a religião, por exemplo, pois é um fenômeno existente em todas as culturas”.

Encerrando o evento, a conferência Sonhos, memórias e loucuras foi proferida pelo pesquisador Sidarta Tollendal Gomes, do Instituto do Cérebro da UFRN. Ele destacou que os sonhos permitem ao ser humano acessar seu banco de memórias e suas combinações possíveis revelando a estrutura da mente do sonhador. “Os sonhos são uma experiência universal, que até os nossos ancestrais experimentaram. As contribuições de Freud são fundamentais para o estudo dos sonhos, pois eles reverberam memórias a nível molecular e eletrofisiológico”, concluiu o pesquisador.

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