21/06/2017
O estudo Vulnerabilidade à infecção do HIV entre casais sorodiscordantes no Rio de Janeiro, Brasil, conduzido pelo pesquisador Nilo Martinez Fernandes, do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), em parceria com Beatriz Grinsztejn, também INI/Fiocruz, Élida Azevedo Hennington, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e Jefferson de Souza Bernardes, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), foi publicado no volume 33, número 4 (2017) da revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. Realizada com casais sorodiscordantes heterossexuais e homossexuais masculinos, a pesquisa teve como objetivo central compreender as três dimensões da vulnerabilidade (programática, social e individual), através de 40 entrevistas onde foram analisadas as práticas discursivas e a produção de sentidos.
(Confira o artigo na íntegra)
Os avanços obtidos nas pesquisas clínicas e farmacológicas a partir da década de 90, com uma terapia antirretroviral altamente potente (HAART - highly active antiretroviral therapy), permitiram significativas melhoras na qualidade e na expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids e produziram transformações na construção social da doença. Desta forma, os temas relacionados aos casais sorodiscordantes começaram a ser foco de pesquisadores e de profissionais de saúde e estudos passaram a ser realizados com diferentes abordagens: transmissão do HIV na família; intimidade do casal e redução do sexo seguro; revelação do diagnóstico ao parceiro ou a outras pessoas; conjugalidade, sexualidade e uso do preservativo; e a invisibilidade da sorodiscordância na atenção às pessoas com HIV e Aids.
Com isso, diversos autores chegaram ao consenso de que as formas de exposição ao HIV são determinadas por três dimensões complexas e interdependentes: programática, social e individual. A vulnerabilidade programática ou institucional se relaciona ao nível de desenvolvimento das políticas e programas para o enfrentamento da epidemia do HIV e AIDS. Já a vulnerabilidade social incorpora a condição socioeconômica; acesso à informação, grau de escolaridade; disponibilidade de recursos materiais; capacidade de organização da sociedade civil; direitos humanos; discriminação e preconceito dirigidos às minorias; entre outras questões e, por fim, existe a vulnerabilidade individual que envolve os níveis cognitivo e comportamental. O primeiro se relaciona ao grau e a qualidade da aquisição dos conhecimentos sobre o HIV e Aids e como levar isso para o dia a dia na sociedade e o segundo está ligado à relação desses conhecimentos adquiridos à capacidade de perceber contextos intersubjetivos e sociais geradores de vulnerabilidades, que influenciam atitudes e comportamentos práticos em relação à epidemia.
O estudo, conduzido no ambulatório do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), consistiu na realização de 40 entrevistas, sendo 17 com parceiros juntos e 23 realizadas individualmente, possibilitando a escuta das distintas versões dos participantes. Desse total, onze pessoas não quiseram ser entrevistadas individualmente por considerarem que já tinham exposto tudo na entrevista conjunta e não tinham nada a esconder dos parceiros. “Essa atitude reforça a concepção do senso comum do casamento, representada por um ideal simbólico de compartilhamento no qual se tem o outro como extensão de si mesmo”, explicam os autores.
“Das entrevistas, destacaram-se cinco temas relacionados às três dimensões da vulnerabilidade: (1) tipo de família e informações sobre sexualidade e prevenção; (2) revelação do diagnóstico pelo profissional de saúde; (3) revelação do diagnóstico para o parceiro; (4) uso do preservativo; (5) acesso às informações sobre as novas tecnologias de prevenção. As últimas, preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estão relacionadas ao aparato biomédico existente ou em estudo e se juntam à utilização do preservativo masculino e feminino na prevenção combinada ao HIV”, destacam no artigo.
Método mais eficaz para se prevenir contra muitas doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV/Aids, a camisinha revelou-se objeto de pouco uso entre os casais entrevistados. Os autores revelam que “nos discursos sobre uso do preservativo, ficou evidenciado que, até o início do relacionamento com o parceiro soropositivo, o uso do preservativo não era muito comum. A maioria dos parceiros não tinha o costume de utilizá-lo, especialmente as pessoas com mais de 40 anos. Mediante os relacionamentos sorodiscordantes, onze casais referiram que passaram a ‘sempre’ utilizar o preservativo; dois casais relatam que ‘nunca’ utilizavam e quatro que usavam ‘às vezes’. Não existiu relato de uso de preservativo feminino pelos casais entrevistados, apenas o masculino. Os casais sorodiscordantes, em geral, relataram não gostar de utilizar o preservativo. O principal motivo alegado, a falta do contato dos corpos e da pele diminuindo a sensibilidade e o prazer, aparece no dêitico de discurso ‘carne com carne’”.
O estudo demonstrou sentidos de vulnerabilidade em todas as três dimensões analisadas. No caso da programática, a vulnerabilidade tornou-se ainda mais evidente pela maneira como os profissionais de saúde de laboratórios e serviços privados realizaram a revelação do resultado do teste anti-HIV e na falta de suporte aos parceiros soropositivos na difícil tarefa de revelação do diagnóstico ao parceiro negativo. “As incertezas e a solidão no momento do diagnóstico geram receios que acabam levando à omissão da sorologia positiva, colocando as parcerias em situação de vulnerabilidade”, concluíram.