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10/05/2016

Evento debate produção excessiva de artigos científicos

Alexandre Matos (Farmanguinhos/Fiocruz)


O Brasil é um dos países que mais produz artigos científicos. Tal produtividade, porém, não é sinônimo de qualidade. Publicação excessiva de artigos científicos tem se tornado contraproducente para a ciência, alertou o especialista Keneth Rochel de Camargo Jr, em sessão do Centro de Estudos do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), realizado na última quinta-feira (5/5), no Complexo Tecnológico de Medicamentos (CTM) da unidade. Ele ministrou a palestra Produção Científica: qualidade x produtividade.

De 2001 a 2011, o Brasil passou de 17º para o 13º lugar na classificação mundial. Entretanto, no quesito qualidade, medida pelo número de citações em outros trabalhos, denominada impacto, o país caiu da 31ª para a 40ª posição no mesmo período. Diante deste cenário, Keneth ressaltou que citação não é sinônimo de qualidade, apresentou dados confirmando que as citações são subjetivas, e sugeriu uma mudança dos indicadores para avaliação de qualidade.

Segundo o palestrante, cerca de 90% das pesquisas brasileiras são financiadas com recursos públicos. “Portanto, publicar artigos científicos é uma forma de prestar contas à sociedade daquilo que está estudando”, disse. Ele ressaltou, ainda, o legado social que a publicação de um estudo pode representar. Apesar desta necessidade de documentar os trabalhos, Keneth, que traz toda sua experiência como editor de revista científica e periódico na área da saúde, faz uma crítica ao sistema atual.

“Alguns fatores, que não têm nada a ver com qualidade, fazem com que certas áreas tenham probabilidade de citação muito alta. Entre eles, reimpressões, língua, múltipla autoria e posição geográfica, por exemplo. Além disso, dependendo da área que a pessoa está trabalhando, o padrão de citação é muito diferente. Então, a primeira questão é abandonar esses indicadores”, sugeriu o palestrante.

Questionado pelo público sobre opções de modelos de avaliação, Keneth apresentou soluções sugeridas por outros especialistas. Uma das alternativas que ele trouxe como exemplo foi um método americano no qual os avaliadores solicitam ao pesquisador os cinco trabalhos mais importantes que ele produziu. “Os processos de avaliação de pesquisadores e programas, pelo seu efeito indutor, têm estimulado um incremento exponencial na publicação científica, que, contudo, tornou-se contraproducente para a própria ciência, ao concentrar a publicação em alguns veículos e criar incentivos que ameaçam a integridade da pesquisa e a própria qualidade do que é produzido”, frisou o palestrante. Além de ser, em alguns aspectos, observou “injusto, criando tensões entre as sub-áreas da saúde coletiva”.

Para Keneth, a análise quantitativa não deve ser o principal fator de avaliação, mas apenas um suporte para a qualitativa especializada. Outro problema que ele destacou foi o fator econômico e o oligopólio de três empresas que representam mais de 40% do total de periódicos existentes.

Modelos falhos 

O palestrante apresentou dados de uma pesquisa que denunciam que “a autoria de um número inexequivelmente grande de publicações pode indicar a autoria honorária, plágio ou fabricação”. A pesquisa mostrou, ainda, que 99% dos autores foram listados em aproximadamente 20 publicações em cinco anos (média de quatro ao ano). Os números são alarmantes: alguns autores têm emplacado uma publicação por semana. O palestrante frisa que tão importante quanto a falta de produção acadêmica é o excesso de produtividade, fato para o qual, adverte, as instituições financiadoras deveriam estar mais alertas.

“Para algumas publicações, a pessoa estará publicando um artigo a cada dez dias. Não importa o quão produtivo ela seja, é humanamente impossível que a pessoa dê uma contribuição efetiva e reflexiva ao fazer uma pesquisa, escrever um artigo, revisar o que escreveu, discutir com o colega, para que a gente saiba o que ela descobriu. Não é possível”, enfatizou o palestrante.

Milagre da multiplicação

Ele criticou a autoria múltipla como um mecanismo, no qual são incluídos nomes de participantes de bancas na condição de coautoria, por exemplo. Lembrou também o recurso da divisão de artigos, a fim de ampliar o número de publicações. “O que deveria ser apenas um artigo, a pessoa divide em três, quatro e até cinco. Como, por exemplo, um determinado estudo que resulta num artigo relatando o que foi observado em crianças; outro sobre o adolescente, mais um sobre jovem, adulto, idoso, e um outro reunindo todos. A pessoa faz o milagre da multiplicação espontânea dos artigos”, ironizou.

“Infelizmente, as revistas estão incentivando isto, de alguma maneira. O limite de 3.500 palavras para escrever sobre determinado assunto faz com que a pessoa fique sem possiblidades de se aprofundar”, assinalou.

Sob esse aspecto, o cenário é alarmante, adverte. Essa falta de profundidade dos temas chamou a atenção da plateia, que questionou a cobrança por publicação por parte das instituições financiadoras. O palestrante concordou que é necessário publicar, mas admitiu que existe uma pressão excessiva, o que pode culminar com a baixa qualidade dos trabalhos.

Palestrante 

Keneth Rochel de Carmargo Jr concluiu doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 1993, e pós-doutorado na McGill University em 2000/2001. Atualmente, é professor associado da UERJ, associate editor do American Journal of Public Health e editor da revista Physis. Foi vice-presidente da Abrasco (2008-2010); vice-presidente honorário para América Latina e Caribe da American Public Health Association (2014-2015). É diretor do Departamento de Apoio à Produção Científica e Tecnológica (Depesq), e sub-reitor de Pós-graduação e Pesquisa na Uerj.

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