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04/04/2019

Evento discute como ciência pode reduzir pobreza e desigualdade

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


Como a ciência e a tecnologia podem contribuir para a redução da pobreza e da desigualdade?”, esse é o mote de uma Conferência Internacional promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a InterAcademy Partnership, no Museu do Amanhã, entre os dias 27 e 29 de março. O evento está alinhado com a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da ONU, em especial os seus objetivos de erradicação da pobreza (ODS 1) e de redução das desigualdades (ODS 10). Cientistas de diversas áreas se reuniram para tratar o tema em suas múltiplas dimensões. O evento contou com representante da Fiocruz. 

"Esse é um desafio para academias e comunidades científicas do mundo inteiro. Porque é um dos problemas mais urgentes do mundo e o responsável por uma série de outros problemas graves", afirmou o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, na abertura do evento.

A primeira sessão da conferência abordou o tema da Pobreza como um problema multidimensional e contou com a participação do ex-presidente da Fiocruz e membro da ABC Paulo Buss, que tratou das desigualdades em saúde. Também participaram da mesa a economista Maria Emma Santos, da Iniciativa de Pobreza e Desenvolvimento Humano de Oxford (OPHI), e a socióloga Allinson Loconto, do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica da França (Inra).

A acadêmica e mediadora da mesa, a socióloga Elisa Reis elogiou a composição diversificada do evento. "Para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é crucial unir ciências sociais e as ditas ciências duras, uma vez que o dever moral da ciência é servir à sociedade e aos problemas da sociedade", afirmou.

Medindo a pobreza

O que define a pobreza, afinal? Essa é uma questão importante para cientistas de todo mundo, uma vez que não existe um consenso sobre o tema e diferentes conceitos geram métricas distintas. Por isso, não existe um acordo sobre quantas pessoas existem vivendo na pobreza ou na pobreza extrema existem no mundo. “Em geral, usamos a renda para medir a pobreza, mas a pobreza não é só sobre dinheiro. Existem muitos tipos de pobreza”, afirmou o diretor da Biblioteca de Alexandria, Ismail Serageldin, na Conferência Magna de abertura.

Para Serageldin, a fome é sem dúvida um indicador de pobreza. Além disso, a extrema pobreza poderia ser descrita “como uma condição abaixo da decência humana”. Ele defende indicadores que levem em conta múltiplos fatores além da renda. “O indicador mais utilizado é a linha de 1 dólar por dia por pessoa, que já foi reajustada e atualmente é de 2,20 dólares por dia. Este é o indicador usado pelo Banco Mundial, mas ele sequer considera a diferença entre os países, um dólar pode significar coisas muito diferentes de acordo com o país”, exemplifica Serageldin, que também critica a medida de Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Para o pesquisador, o PIB é uma medida que já sofreu inúmeras críticas, como no livro Mismeasuring our lives: Why GDP doesn’t add up do vencedor do Nobel Joseph Stiglitz, mas ainda assim, continua sendo um indicador amplamente utilizado. Serageldin defende que os indicadores devem considerar o bem-estar e não apenas a produção de um país, com objetivos não meramente econômicos, mas também sociais. Além disso, é importante que a desigualdade também seja abordada, pois a pobreza é também relativa e está relacionada à exclusão social. 

Levando isso em consideração, esses múltiplos aspectos, o pesquisador sugere que a ciência pode ajudar a combater a pobreza focando na agricultura, uma vez que a fome está relacionada à extrema pobreza e que o campo é onde ela se concentra. Para Sargeldin, soluções inovadoras com melhor manejo da água, buscando produzir "mais grãos por gota", e políticas públicas que foquem nos mais pobres e nas mulheres podem ser a chave para que os mais pobres se beneficiem das possíveis transformações e avanços.

Índice de pobreza multidimensional

Buscando resolver alguns dos problemas citados por Serageldin, economistas desenvolveram um novo indicador de pobreza. O índice de pobreza multidimensional (MPI, na sigla em inglês) reúne dez indicadores em três campos: saúde, educação e acesso a bens e serviços. O MPI foi desenvolvido pela da Iniciativa de Pobreza e Desenvolvimento Humano de Oxford (OPHI) e adotado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em seus relatórios. Ele abarca diversos ODS, como o acesso a água e saneamento, e pretende medir não apenas a pobreza, mas também seu tipo e intensidade. De acordo com o índice, uma pessoa pode ser classificada como vulnerável à pobreza, pobre ou extremamente pobre.

A economista argentina Maria Emma Santos explica que, segundo este índice, a maioria dos pobres do mundo está concentrada na África e na Ásia. No entanto, na América Latina a severidade da pobreza preocupa. Entre os 40 milhões de pobres da região, segundo o MPI, 11 milhões são classificados como extremamente pobres.

Outro dado preocupante é o predomínio de crianças entre os que sofrem com a pobreza multidimensional. De acordo com o índice, cerca de metade dos pobres do mundo são crianças e um terço das crianças do mundo são pobres.

Relações entre saúde e pobreza

“A pobreza e a enfermidade formam um ciclo vicioso: o homem adoece porque é pobre, fica mais pobre porque está doente e mais doente porque está mais pobre”. A frase do reformador social inglês Edwin Chadwick, dita em 1942, resume a relação entre pobreza e doença. Com ela, Paulo Buss abriu sua fala em que apresentou alguns do resultados e recomendações da Comissão sobre Equidade e Desigualdades em Saúde nas Américas da Organização Pan-americana da Saúde (Opas/OMS), da qual foi integrante.

Dados reunidos no relatório final da comissão, lançado em 2018, demonstram a relação entre pobreza ou desigualdade e indicadores básicos de saúde, como mortalidade infantil e expectativa de vida. De modo inverso, políticas públicas multissetoriais e programas sociais podem ter efeito positivo na saúde da população. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família no Brasil, foram responsáveis pela queda nos índices de mortalidade infantil.

Além disso, a diferença entre grupos étnicos também deve ser observada. Em todos os países do continente índios e afrodescendentes tem piores indicadores e acesso à saúde. Por outro lado, os mais ricos têm melhor acesso a vacinas, atendimento neonatal e anticoncepcionais.

A América Latina enfrenta no momento o que se chama de “tripla carga de doenças”. Ainda não superou o desafio das doenças infecciosas, além disso enfrenta o aumento das doenças crônicas e as complicações de saúde e as mortes por causas externas, como acidentes de trânsito e violência. Além disso, as mudanças climáticas apresentam um novo desafio para a saúde em todo mundo e para o continente.

Sendo assim, o que se recomenda é que se aborde o tema da saúde de forma multissetorial e coordenada e com investimentos públicos que combatam as desigualdades e promovam o acesso à saúde. Para isso, a Agenda 2030 pode ser uma boa referência, uma vez que seus ODS se interpenetram e buscam abordar distintas dimensões da saúde e da pobreza.

“A ciência pode contribuir para melhorar esse quadro na produção de insumos, medicamentos e diagnósticos acessíveis. Mas, além disso, são importantes políticas públicas que reduzam as desigualdades, em consonância com o lema da Agenda 2030 de ‘não deixar ninguém para trás’”, defende o ex-presidente da Fiocruz.

“Inovação é um processo, não necessariamente uma tecnologia”

Encerrando a sessão, a pesquisadora do Inra Allison Loconto também abordou o tema da fome, como uma das mais graves manifestações da pobreza. Para ela, mais do que as inovações tecnológicas, como as propostas por Serageldin, são importantes inovações nas cadeias de produções e consumo para o combate à fome. “A inovação é um processo, não necessariamente uma tecnologia”, afirmou Loconto.

Gerar sustentabilidade no consumo, reduzir o desperdício, aproximar produtores e consumidores, criar mercados locais e inovar na certificação dos produtos são algumas das contribuições da iniciativa One planet para a implementação do OSD 12 – Consumo e produção sustentáveis.

A iniciativa busca abordar a questão da nutrição de forma mais abrangente, focando também na insegurança alimentar e na obesidade. Segundo a socióloga, após 10 anos de queda na insegurança alimentar, estudos indicam que o ciclo positivo tenha chegado ao fim, principalmente devido a conflitos e mudanças climáticas.

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