21/11/2024
Ana Paula Blower (Agência Fiocruz de Notícias)
O Programa da Fiocruz na Antártica, o Fioantar, partiu para uma nova - e inédita - fase nesta quarta-feira (20/11). Quatro pesquisadores viajaram rumo ao continente gelado, onde ficarão acampados por 45 dias. Assim como ocorreu em todo o programa, que está em seu segundo edital, o objetivo dos cientistas é buscar novos patógenos, fungos, bactérias e microrganismos que possam causar uma ameaça à saúde global humana. Essa será a primeira vez que farão coletas de amostras direto dos animais, o que possibilitará análises e resultados mais efetivos.
Todas as amostras coletadas diretamente nos animais serão levadas para o laboratório montado no acampamento (foto: Divulgação)
Nas etapas anteriores do programa, o trabalho de campo ficava restrito às amostras do solo, água do mar, dos lagos, de líquens, além de fezes de animais, excretas de aves e carcaças em diferentes pontos do continente. “Nos quatro primeiros anos do Fioantar, só coletamos amostras ambientais. E agora teremos a chance de analisar amostras coletadas diretamente das aves, como pinguim e petrel”, explica a veterinária parasitologista Martha Brandão, do Laboratório de Paleoparasitologia (Ensp/Fiocruz). Essa será sua sétima viagem pelo Fioantar.
Ela conta que, agora, tinham um panorama mais específico. “Com acesso a essas amostras, como sangue e swab do animal, temos mais probabilidade de encontrar patógenos, tanto vírus como fungos, bactérias, protozoários. Teremos acesso a amostras de qualidade melhor para fazer cultivo, isolamento de patógenos”, pontua a pesquisadora.
A expedição da Fiocruz na Antártica tem participação de pesquisadores do IOC/Fiocruz, do INI/Fiocruz e Ensp/Fiocruz (foto: Divulgação)
Pesquisador do laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios, Roberto do Val Vilela conta que, no Fioantar 1, muitas vezes eles compartilhavam algum achado científico com os pesquisadores do programa, mas não conseguiam precisar o animal de origem. “Não poderíamos afirmar que o patógeno estava no bicho específico, mas na área onde ele estava. Com essa situação, percebemos que precisávamos de amostras diretamente dos animais para ter essa assertividade em relação ao hospedeiro”, explica ele.
Agora, todas as amostras coletadas diretamente nos animais serão levadas para o laboratório montado no acampamento. Elas também serão compartilhadas com os 11 laboratórios da Fiocruz que integram o projeto, o que amplia as expertises e a possibilidade de encontrar um número maior de espécies patogênicas de bactérias, fungos e vírus.
A expedição da Fiocruz na Antártica tem participação de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) e Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Além de Martha e Roberto, os pesquisadores Bruno Rocha Pribul, do Laboratório de Bacteriologia Aplicado a Saúde Única e Resistência Antimicrobiana (Labsur/IOC), e Maria Ogrzewalska, do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais (IOC/Fiocruz), integram a equipe da Fundação que está no acampamento.
Condições extremas
A pesquisa científica na Antártica é realizada apenas entre novembro e fevereiro, pois não é possível circular de navio na região nos outros meses. No verão antártico, as temperaturas costumam ficar entre -10ºC e 10ºC. Ainda assim, os pesquisadores a caminho do acampamento enfatizam que as condições extremas do ambiente, como tempestades de vento e de chuva, dificultam o trabalho de campo e que, por isso, precisam ficar no local por 45 dias.
Como dizem os pesquisadores, o tempo na Antártica é que dita o ritmo do trabalho: “A gente trabalha enquanto o tempo permite. Se tiver um evento de um vento de 60 km/h, por exemplo, você não consegue ficar do lado de fora trabalhando e isso é muito comum. Às vezes ficamos dias assim”, explica Roberto do Val Vilela. Ele é o único do grupo com experiência em acampamentos na Antártica: já foi quatro vezes, mas essa será a primeira pelo Fioantar: “A experiência de Antártica muda muito a nossa tolerância”, reflete ele.
O acampamento ainda terá dois outros pesquisadores da Universidade Federal Fluminense, que estudarão a saúde mental dos acampantes. Cada pessoa terá uma barraca individual, além de uma barraca para cozinha e área comum, e a do laboratório. Uma montanhista da Marinha acompanha o grupo para o suporte técnico em solo, e fará contato diário com um navio militar, preparado para ações emergenciais. Um helicóptero também fica à disposição, em caso de necessidade de resgate.
Vírus respiratórios
O Fioantar está na linha de frente de estudos com vírus respiratórios, como o Influenza; vírus entéricos, como rotavírus e norovírus; micobactérias e bactérias do gênero Bacillus, incluindo Bacillus anthracis e Bacillus cereus. O grupo inclui microrganismos causadores de doença humana e com potencial biotecnológico. Entre os vírus respiratórios, a pesquisa tem como alvo principal os vírus Influenza, causadores da gripe. Um dos achados do programa é de 2022, quando pesquisadores detectaram influenza A em pinguins na Antártica
Fioantar
O acampamento faz parte da proposta Vigilância de Patógenos, seus Impactos na Saúde Global e Pesquisa do Potencial Biotecnológico da Microbiota Antártica para Saúde, que foi aprovada em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em dezembro do ano passado. A duração prevista é de quatro anos.
O Fioantar integra o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), da Marinha do Brasil. A primeira expedição aconteceu em 2019.