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12/04/2018

Fiocruz inova no diagnóstico molecular de febre amarela

Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)


Em resposta ao crescimento de casos de febre amarela, o Ministério da Saúde distribuiu, desde 2017, mais de 68 milhões de doses da vacina aos estados brasileiros – são 52 milhões de doses a mais do que o total distribuído em 2016. Em março de 2018, o Ministério anunciou que todo o território nacional será área de recomendação para vacina até abril de 2019, com previsão de imunizar mais de 77 milhões de pessoas. Medida central para prevenção e controle da doença, a vacina é considerada segura e apresenta eficácia de 95% a 99%. Entretanto, assim como qualquer vacina ou medicamento, pode causar eventos adversos. Nesses casos pouco frequentes, ocorrem sintomas idênticos aos da infecção natural pelo vírus. Para distinguir a origem do caso é necessário identificar, em laboratório, se o paciente apresenta o vírus selvagem – aquele em circulação num determinado local, transmitido pela picada de mosquitos – ou o vírus atenuado – que é utilizado na produção da vacina. Uma inovação em diagnóstico molecular idealizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e desenvolvida em parceria com a Universidade de Bonn, da Alemanha, permite diferenciar com precisão e mais agilidade se a origem do caso foi uma transmissão comum ou um evento adverso após a vacinação. 

Procedimento está sendo aplicado no Laboratório de Flavivírus do IOC para caracterizar o tipo de infecção em amostras de casos suspeitos de eventos adversos após a vacinação (foto: Gutemberg Brito)

 

A novidade foi desenvolvida pelo Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, que atua como referência regional para febre amarela junto ao Ministério da Saúde. A virologista Ana Bispo idealizou o projeto a partir de uma demanda concreta. “Criamos uma solução que permite dar respostas mais rápidas em termos de diagnóstico. Diante de um surto de febre amarela, a confirmação laboratorial é uma ferramenta importante na definição das estratégias de vigilância da circulação do vírus e controle da doença”, destacou a chefe do Laboratório de Flavivírus. O método diferencial, que utiliza a técnica de RT-PCR em tempo real, supera em muito a velocidade da tradicional técnica de sequenciamento genético do vírus, atualmente disponível para a diferenciação entre vírus selvagem e vírus vacinal. Enquanto o sequenciamento pode variar de três a 15 dias, o novo protocolo de RT-PCR em tempo real leva de uma a duas horas. Além disso, pode ser conduzido por um profissional que domine as técnicas básicas de diagnóstico molecular, enquanto o método de sequenciamento viral exige profissionais com capacitação específica para análise dos resultados do sequenciamento do material genético do vírus. O desenvolvimento e a validação do protocolo estão descritos em um artigo publicado no periódico científico ‘Emerging Infectious Diseases’, publicado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). 

A metodologia de RT-PCR em tempo real é baseada na identificação do material genético do vírus em uma amostra. Para chegar a um teste preciso, os pesquisadores buscaram regiões do genoma em que o vírus selvagem e a cepa vacinal são diferentes, o que permite a diferenciação entre ambos. Foram criados dois protocolos: o protocolo chamado de ‘alvo único’ (quando há necessidade da realização de duas reações separadas para detectar a presença do vírus selvagem e da cepa vacinal) e de ‘alvo duplo’ (quando a detecção é realizada em uma mesma reação). 

O protocolo mostrou ser capaz de detectar o vírus selvagem e o vírus vacinal com alta sensibilidade e especificidade diagnóstica. “Um ponto merece destaque: para garantir que não havia o risco de reação cruzada, foram realizados experimentos com mais de 40 vírus diferentes durante o desenvolvimento do método. Tivemos a grata surpresa de conseguir desenvolver um método inédito de alta sensibilidade, especificidade e rápido para diferenciar vírus febre amarela selvagem e vírus vacinal”, comemora a pesquisadora. Além disso, o procedimento permite quantificar a carga viral presente na amostra. 

Atualmente, o procedimento está sendo aplicado no Laboratório de Flavivírus do IOC para caracterizar o tipo de infecção em amostras de casos suspeitos de eventos adversos após a vacinação. O protocolo tem potencial para contribuir especialmente na rotina de esclarecimento de casos suspeitos de eventos adversos à vacinação junto ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). A pedido da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública do Ministério da Saúde (CGLAB), está em curso a produção, em caráter de protótipo, de um kit de insumos para uso no protocolo. Essa etapa está sendo realizada por meio de colaboração do IOC com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). A perspectiva é de que, no futuro, os insumos possam ser utilizados na rede de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens), que atua no diagnóstico laboratorial de febre amarela. Para André Luiz de Abreu, da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública do Ministério da Saúde (CGLAB/SVS/MS), a novidade poderá beneficiar a rotina de trabalho em todo o país. “Essa é uma inovação pensada por um Laboratório da rede para aperfeiçoar o conjunto das atividades de diferenciação em diagnóstico da febre amarela. Existe potencial de agilizar o processo em todo o Brasil”, avaliou. 

“A exemplo da idealização inédita do desenvolvimento de um teste rápido e sensível capaz de diagnosticar simultaneamente Zika, dengue e chikungunya e hoje disponível na rede de Lacens, a nova proposta desenvolvida no Laboratório de Flavivírus representa mais uma conquista importante para o diagnóstico laboratorial. Novamente, conseguimos obter uma solução concreta para um desafio da rotina dos laboratórios que lidam com o diagnóstico dessas doença”, a virologista detalha. 

O novo protocolo tem ainda mais um benefício: oferece resultados conclusivos mesmo quando a amostra tem baixa concentração do vírus. Nesses casos, pode não ser possível realizar a análise tradicional diretamente a partir do material clínico, sendo necessária a realização de uma etapa intermediária para isolamento do vírus, que é então replicado em laboratório. No entanto, a situação se torna um problema na hipótese de um paciente que tenha simultaneamente a infecção selvagem e a vacinal – um paciente, portanto, que é picado por um mosquito com o vírus pouco antes ou pouco depois do momento em que foi vacinado, quando a imunidade provocada pela vacinação ainda não foi estabelecida. Nessa circunstância, aumentam as chances de que, por conta da etapa intermediária de isolamento viral, seja detectado apenas vírus presente em maior quantidade na amostra, apesar dos dois vírus estarem presentes. Já o novo protocolo de RT-PCR em tempo real diferencial é capaz de detectar ao mesmo tempo a presença dos dois vírus – mesmo que um deles esteja em concentração mais baixa na amostra do paciente. 

Laboratório de Flavivírus

O Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) atua regularmente desde a década de 1990 no diagnóstico laboratorial de amostras de pacientes com suspeita da doença provenientes dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Também realiza análises de amostras de primatas desde 2014. Além disso, com o aumento do número de casos suspeitos desde 2017, o laboratório também foi designado pelo Ministério da Saúde para processar amostras do Ceará e Rio Grande do Norte. Segundo o Ministério da Saúde, entre junho de 2016 e junho de 2017, foram confirmados 777 casos e 261 óbitos por febre amarela no país. E de julho de 2017 a 03 de abril de 2018, já foram contabilizados 1.127 casos e 328 óbitos.

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