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25/09/2013

Fiocruz Minas e instituto de pesquisa americano unem esforços contra a doença de Chagas

Danielle Monteiro


As expertises do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/Fiocruz Minas) em estudos imunológicos e do Instituto de Pesquisa Biomédica do Texas em pesquisas de genética das populações somaram forças e deram origem a um projeto inovador para o combate ao mal de Chagas. A parceria, que será renovada por mais cinco anos em outubro, inclui o estudo da resposta imune dos indivíduos à enfermidade e a varredura genômica para a identificação de genes relacionados ao processo de desenvolvimento da doença cardíaca.

O objetivo é estudar a epidemiologia e genética da progressão da doença no município de Posse, no estado de Goiás, onde é alta a prevalência da infecção pelo Trypanosoma cruzi, agente causador da enfermidade. Com o apoio da secretaria de saúde municipal e de um médico local, 2.560 mil pessoas têm sido acompanhadas, portadores ou não da doença de Chagas. A iniciativa tem apresentado resultados promissores, que podem levar a novos tratamentos não somente para o mal de Chagas, mas também para doenças do coração. O coordenador do projeto na Fiocruz, Rodrigo Correa Oliveira, contou a Agência Fiocruz de Noticias como ele tem sido conduzido.

AFN: Como surgiu essa parceria entre a Fiocruz Minas e o Texas Biomedical Research Institute?

Oliveira: O projeto foi iniciado após contato pessoal e trocas de e-mails entre os dois grupos. Ambos estavam interessados em identificar marcadores genéticos que permitissem a identificação de indivíduos em risco de desenvolver a forma clínica grave da doença. Enquanto o grupo da Fiocruz Minas avaliava marcadores imunológicos, o grupo do Texas estudava genética humana e doenças crônicas. Portanto, foi um processo de aproximação natural devido a interesses comuns.

AFN: Por que o Texas Biomedical Research Institute foi escolhido como parceiro?

Oliveira: A competência da instituição em estudos de genética de populações é internacionalmente conhecida. O grupo que participa deste projeto desenvolveu e continua aprimorando modelos matemáticos de análise conjunta de fatores genéticos e ambientais, que influenciam a expressão de um fenótipo específico. Eles estudam grandes populações, o que valida ainda mais os resultados obtidos. Estes modelos vêm sendo utilizados por várias instituições de pesquisa do mundo e têm demonstrado a sua força para análise de dados em grandes populações, e não somente em grupos familiares. Este processo, aliado aos estudos da Fiocruz Minas sobre marcadores da resposta imune humana na doença de Chagas, tornou o projeto extremamente inovador.

AFN: Qual a importância desse estudo da epidemiologia e genética da progressão do mal de Chagas para o combate à doença?

Oliveira: O objetivo central do estudo é a identificação de marcadores genéticos que podem ser facilmente utilizados para a predição do desenvolvimento das formas graves da doença. Com a utilização dos marcadores, os clínicos podem iniciar um processo mais rápido de tratamento preventivo para os indivíduos que têm risco elevado de desenvolvimento da forma grave da doença. Esperamos, com este estudo, desenvolver um método simples de identificação destes indivíduos, já que ainda existe um grande número de pacientes infectados ou em risco de infecção no Brasil e em outras partes do mundo. Sendo assim, este estudo, assim que estiver um pouco mais avançado, terá uma enorme importância no manejo do paciente portador da doença de Chagas.

Como a população que estudamos inclui todos os moradores, esperamos identificar, ainda, outros fatores preditivos do desenvolvimento de doenças cardíacas não relacionadas à enfermidade de Chagas. Esta análise, sem dúvida, será de grande impacto para o sistema de saúde, não só brasileiro, pois permitirá a identificação de fatores de risco de desenvolvimento de doença cardíaca. A identificação destes fatores, juntamente com o desenvolvimento de métodos laboratoriais de análise previstos para o futuro, poderá ser incorporada aos serviços, permitindo o tratamento preventivo de doenças cardíacas. O fato de estudarmos grandes populações nos leva a identificar claramente grandes grupos familiares. E a identificação do parentesco destes grupos aumenta significativamente o nosso poder de análise.

AFN: Quais foram os principais resultados até agora alcançados?

Oliveira: Vários dados já foram obtidos e uma parte publicada. No estágio atual, estamos refinando a análise para identificação exata da região gênica e, ao mesmo tempo, validando parte dos resultados obtidos em estudos imunológicos e clínicos. Como exemplo, podemos citar a identificação de dois genes localizados no cromossoma 19, que foram relacionados à resposta imune. A importância destes genes foi validada em estudos in vitro, utilizando células do sangue periférico de pacientes portadores da doença de Chagas. Nestes estudos, demonstramos que células que expressam os marcadores codificados por estes genes estão aumentadas em indivíduos portadores da forma clinica grave da doença. Outro ponto importante deste estudo é que demonstramos que o bloqueio completo de ramo direito (do coração), característica clínica da doença de Chagas, é 98% determinado pela genética do indivíduo.

AFN: Qual o papel da Fiocruz Minas e do Texas Biomedical Research Institute na cooperação?

Oliveira: A Fiocruz Minas executa todos os estudos imunológicos que não só identificam prováveis mecanismos envolvidos no processo imunopatológico da doença, assim como valida, através de ensaios in vitro, o envolvimento de genes identificados, através dos estudos de varredura genômica. Já o Texas Biomedical Research Institute faz os estudos genéticos computacionais, assim como a varredura genômica em grande escala. Para esta parte do projeto, há necessidade de um grande número de equipamentos de alta performance, assim como super computadores, ainda não disponíveis para os grupos de pesquisa no Brasil. O processamento de um grande número de informações simultâneas exige não só os equipamentos citados, mas um grande número de bioinformatas capazes de analisar os dados gerados.

AFN: Há previsão do estabelecimento de outras parcerias com o Texas Biomedical Research Institute?

Oliveira: Esperamos dar continuidade ao estudo atual e iniciar, em breve, uma análise preliminar de outras populações portadoras de doenças como a lepra e helmintoses, ainda bastante prevalentes em nosso país. Estes estudos têm basicamente a mesma ideia e visam também à identificação de fatores genéticos de risco.

AFN: Quais os maiores desafios para o combate à doença de Chagas no Brasil?

Oliveira: A transmissão vetorial da doença de Chagas está bem controlada no Brasil, mas ainda existe um grande desafio, que é o manejo do paciente, a identificação de populações em risco de desenvolvimento de formas graves além, é claro, de um diagnóstico sorológico adequado. A identificação, o acompanhamento e o tratamento desses indivíduos ainda é um grande desafio para o sistema de saúde brasileiro. Apesar do grande sucesso do controle vetorial, a doença de Chagas ainda existe em nosso país com um grande número de indivíduos infectados, necessitando de tratamento e acompanhamento. Um grande desafio é, sem dúvida, o treinamento de profissionais de saúde para o diagnóstico e acompanhamento dos indivíduos infectados. A doença de Chagas é pouco conhecida pelos profissionais de saúde que estão sendo formados.

Outros problemas que estamos enfrentando e que podem mudar o panorama atual da doença de Chagas são as mudanças climáticas, o papel de vetores antes pouco importantes na transmissão e a mobilidade do homem para áreas antes não habitadas, mas onde a transmissão ocorre. Portanto, há necessidade de um processo de entendimento do balanço social e ecológico para que o controle da doença possa ser mantido. Este tipo de atividade é dependente de ações contínuas de vigilância epidemiológica, pesquisa e treinamento de profissionais de saúde.

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