Fiocruz participa de sessão da ONU sobre política de drogas

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Ana Paula Blower (Agência Fiocruz de Notícias)
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Em meio a um cenário global e nacional que repensa a atual política de drogas, a Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas (Comission on Narcotics Drugs, CND, em inglês) reconheceu, pela primeira vez, a redução de danos como parte importante de uma resposta de saúde pública efetiva ao uso dessas substâncias. A decisão ocorreu na 67ª sessão da CND, que ocorreu entre no final de março em Viena. A Fiocruz, por meio de seu Programa Institucional de Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental, participou do encontro e organizou eventos paralelos em articulação com o governo e parceiros da sociedade civil.  

A resolução está de acordo com a perspectiva que a Fiocruz vem trabalhando. Em 2014, foi criado o Programa Institucional de Álcool, Crack e outras Drogas, que foi reformulado em portaria de 2023 e se tornou o Programa Institucional sobre Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental, visando apoiar a geração de conhecimentos científicos e estratégias relacionadas à política destes eixos temáticos.

“A Fiocruz tem se engajado de forma estratégica na reforma da política de drogas internacional, que tem impactos diretos no Brasil. Apostamos ser necessária a atuação internacional em consonância com a atuação nacional, junto aos governos, ao executivo, legislativo e judiciário, e a sociedade civil para uma transformação da guerra às drogas que tem gerado resultados negativos para a sociedade”, comentou o secretário-executivo do Programa Institucional sobre Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz, Francisco Netto.

Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), ele conta como foi a participação da Fiocruz na 67ª sessão da CND e como tem sido a atuação da Fundação com relação à política de drogas nacional e global. 

AFN: Como foi a participação da Fiocruz na última sessão da CND e como tem sido a atuação da Fiocruz nesse espaço?

Francisco Netto: A Fiocruz vem participando das reuniões da CND há alguns anos através do Programa Institucional de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental. Temos feito uma parceria com diversas organizações da sociedade civil e, desde o ano passado, com a secretaria nacional de Política de drogas do Ministério da Justiça (Senad), além da delegação permanente da diplomacia brasileira em Viena. Neste ano participamos e organizamos, em articulação com esses parceiros dos governo brasileiro, colombiano e chileno, quatro eventos paralelos que discutiram temas como política de drogas na América Latina, redução de danos como estratégia contra a segregação de pessoas que usam drogas e implementação de diretrizes internacionais sobre direitos humanos e política de drogas. 

Atuamos na articulação com o governo e com a sociedade civil, entendendo a importância do avanço desse tema numa perspectiva de que é necessário superar a ideia de guerra às drogas, de que é possível um mundo livre do uso, algo que nunca existiu e não é realista.

AFN: A resolução aprovada na CND ajuda a quebrar isso, então? Poderia contar, em linhas gerais, o que foi aprovado na última sessão?

Francisco Netto: Foi uma resolução muito importante, que cita a necessidade da redução de danos como uma estratégia válida para lidar com os impactos do uso de drogas. É um avanço porque há muito tempo diversos países vêm defendendo isso em oposição a outros que tinham uma postura irredutível ao assunto. Pela primeira vez, países como os Estados Unidos votaram pela mudança de perspectiva e pela adoção da redução de danos de forma oficial.

Esse encontro acontece há décadas e, finalmente, foi aberta uma porta para quebrar um consenso de que seria possível uma guerra às drogas capaz de eliminar o seu uso. O que temos agora, é uma lógica que compreende que pode não ser possível a cessação do uso.

AFN: Em termos práticos, o que é redução de danos?

Francisco Netto: É uma estratégia de cuidado e de promoção da saúde que entende que nem sempre é possível parar de usar determinada substância e que, mesmo assim, o direito à saúde é constitucional e deve ser garantido. É uma estratégia que mitiga os danos associados ao uso, um conjunto de ferramentas e práticas de cuidado. Assim como temos cinto de segurança e airbags nos carros para tornar as possíveis colisões menos danosas; não abolimos o uso do carro, mas fazemos com que haja mitigação dos potenciais danos associados. Essa é a lógica. 

A política de guerra às drogas não tem gerado resultados esperados: não há diminuição do uso ou do impacto negativo das drogas nas populações. Pelo contrário, essa guerra gera aumento do impacto, não tanto pelo uso, mas pelas consequências nefastas que vitimizam a população mais pobre, negra, que mora nas periferias e nas favelas. É uma realidade incontestável que precisa ser mudada em prol da cidadania e promoção da saúde.

AFN: E como a Fiocruz atua nessa área?

Francisco Netto: A Fiocruz vem defendendo, desde a criação do Programa Institucional, em 2014, e, agora, com a recriação dele, em 2023, essa mudança na postura (de guerra às drogas). Isso está em consonância com as diretrizes que a Fundação defende, uma política baseada nas pessoas, que defenda os direitos humanos, a promoção da saúde e não é baseada no punitivismo, numa estigmatização e criminalização que não tem gerado efeito positivo para a população que faz uso de drogas - e também para a que não faz.