14/02/2020
Os vírus da dengue e o da zika e o risco de microcefalia entre recém-natos estão relacionados. É o que sugere a pesquisa da Fiocruz, publicada na Scientific Reports, revista do grupo Nature. O estudo, que tem entre os autores a orientadora do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Marilia Sá Carvalho, e a doutoranda do programa, Laís Freitas, revelou taxa cinco vezes superior de microcefalia em recém-nascidos no Nordeste, entre 2015 e 2016, em comparação com a região Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. O resultado pode ser creditado, em parte, ao nível de imunidade prévia da população do Sudeste e Centro-Oeste contra os vírus da dengue. O estudo, que tomou como base dados do DataSUS, analisou a interação entre as epidemias de dengue de 2001 a 2014 e a de microcefalia entre 2015 e 2016 em 400 microrregiões no Brasil.
Ao avaliar o intervalo entre a mais recente grande epidemia de dengue e a de zika, a pesquisa sugere que intervalos menores, nos quais grande parte da população teria altos níveis de anticorpos para dengue, podem estar relacionados à menor incidência de microcefalia. Por outro lado, epidemias mais distantes no tempo fazem com que as pessoas tenham redução no nível de anticorpos. Populações com grande parte dos indivíduos expostos aos vírus da dengue (DENV), no período igual ou inferior a seis anos, ficaram mais protegidas contra a microcefalia causada pelo vírus zika (ZIKV), enquanto, nas populações nas quais a maioria dos indivíduos que contraíram dengue, em um intervalo de sete a doze anos, tiveram risco aumentado. Isso porque, segundo os estudiosos, o vírus zika compartilha semelhanças estruturais com outros flavivírus, em especial os da dengue.
Segundo o artigo, estudos in vitro já apontam que anticorpos contra o vírus da dengue podem ter efeito contraditório, dependendo do nível de anticorpos. “Em modelos animais, camundongos que receberam plasma com baixo nível de anticorpos anti-DENV tiveram taxa de mortalidade maior, após a infecção pelo ZIKV, do que os camundongos que receberam plasma sem anticorpos. No entanto, todos os camundongos que receberam plasma com alto nível de anticorpos anti-DENV sobreviveram após exposição ao ZIKV, apresentando ainda sintomas mais leves”, afirmam os pesquisadores.
Outra possível explicação para a interação encontrada entre zika e dengue, segundo o estudo, é a privação socioeconômica no Nordeste brasileiro. “Esse é um problema que pode confundir os resultados, principalmente devido à concentração de maiores reservatórios de Aedes Aegypti em áreas pobres e à maior conscientização sobre o risco de microcefalia nas classes socioeconômicas mais altas, induzindo o adiamento da gravidez durante períodos epidêmicos ou o aborto voluntário, não legal no Brasil”, atentam os pesquisadores. Entretanto, de acordo com os estudiosos, apesar das diferenças socioeconômicas entre regiões brasileiras, e comparando a outros estudos em países com situação socioeconômica similar, não se verificou taxas tão elevadas em nenhum outro lugar do mundo.