26/09/2018
Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)
Regiões de fronteira são especialmente sensíveis à transmissão de doenças. Por mais que elas possam funcionar como barreiras para pessoas, elas não podem deter a propagação de vírus e outras doenças infecciosas. Além disso, costumam ser regiões marginalizadas, com populações vulneráveis e sujeitas às desigualdades – inclusive de políticas públicas – dos países. Fronteiras são pontos de contato entre diferentes países e regiões e podem servir como porta de entrada para epidemias.
Levando isso em conta, instituições brasileiras e francesas se uniram para estabelecer um Laboratório Misto Internacional (LMI Sentinela), que irá atuar abordando questões relacionadas ao combate a doenças transmitidas por vetores em regiões de fronteira na Amazônia. O LMI é uma iniciativa do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês) em conjunto com a Fiocruz e a Universidade Federal de Brasília (UnB).
Utilizando pesquisas de campo, geoprocessamento, sensoriamento remoto e tecnologia da informação, o projeto vai começar monitorando a relação entre as mudanças climáticas e malária na fronteira entre Amapá e a Guiana Francesa. O laboratório é uma oportunidade de desenvolvimento de tecnologias e metodologias novas, funcionando como um amplo sistema de informações que vai reunir dados sobre espécies de vetores presentes, o nível da água dos rios, desmatamento, urbanização, migrações, mudanças no uso do solo, entre outros fatores que influenciam na transmissão da doença. Posteriormente, está prevista a expansão para a vigilância de outras doenças transmitidas por vetores, como zika, dengue e chicungunha, e para outras regiões de fronteiras, como fronteira do Amazonas com a Colômbia e o Peru.
A malária é um grave problema de saúde pública na Amazônia. Na Guiana Francesa, o número de casos chega a cerca de 1.400 mil por ano, sendo que o município do Oiapoque, no Amapá, soma cerca de 4 mil casos a cada ano, configurando uma das zonas de maior transmissão de malária das Américas. Além disso, depois de quase uma década de redução de casos nas Américas, toda a região registrou aumentos da malária no último ano – no Brasil, os casos cresceram 50%.
A vigilância da malária é essencial justamente por isso. As séries históricas demonstram que quando o número de casos cai, há uma tendência de relaxamento dos programas de controle, o que faz com que a doença retorne. As evidências também demonstram que o ciclo da malária está relacionado às condições ambientais.
“Observamos que, após um verão quente e chuvoso, com alto nível de água dos rios, chega um inverno com alto índice de malária. A partir do sítio sentinela, podemos, por exemplo, criar um sistema de alerta, usando alguns modelos matemáticos, para atentar para eventuais problemas que possam acontecer na região”, explica um dos coordenadores do projeto, Cristovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Barcellos destaca que projeto está em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que tem entre suas metas eliminar a malária até 2030.
O Laboratório foi lançado no dia 24 de setembro, na Fiocruz, e ampliará os esforços já em curso do Observatório transfronteiriço do Meio ambiente, do Clima e das Doenças Vetoriais, que funcionava como “jovem equipe” do IRD desde 2016. Composto por 15 membros permanentes, sendo oito brasileiros e sete franceses, além de dez membros associados e 14 integrantes temporários, o LMI Sentinela terá vigência inicial de dois anos, podendo ser prorrogado até oito anos.
“Esse esforço se soma a outras iniciativas da Fiocruz para o controle de doenças transmitidas por vetores e mudanças climáticas”, disse assessor da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fundação, Eduardo Grault, durante o lançamento.
A formação de pessoal é outras das prioridades do LMI Sentinela, que pretende promover intercâmbios e formar mestres, doutores e pós-doutores, além de capacitar atores locais para a vigilância. A interface entre geografia e saúde, através do trabalho conjunto do Observatório Brasileiro Clima e Saúde (OC&S-Fiocruz) e do Laboratório Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (Lagas-UnB), permite a união entre os Ministérios da Saúde e da Educação, aos quais estão vinculadas as duas instituições. O IRD dá o suporte e a projeção internacional ao laboratório, que venceu um edital da instituição e terá um orçamento de 40 mil euros por ano para permitir a mobilidade de seus pesquisadores.
“Cada uma dessas instituições, com sua missão, trabalha para melhorar a saúde dos brasileiros. Elas são muito complementares”, afirma Helen Gurgel, professora da UnB e uma das coordenadoras do projeto. Os riscos ambientais, como poluição, mudanças climáticas e ciclos de chuvas, influenciam em cerca de 80% das doenças. Portanto, uma abordagem integrada, sistemática e multiescalar é importante para que possa se dar uma resposta adequada a um desafio crescente.
Plataformas online já existentes, como o UNA-SUS e IRD-SESSTIM, serão usadas para formação de pessoal e compartilhamento das metodologias geradas pelo Laboratório, que também pretende influenciar em políticas públicas dos dois países, permitindo uma ação mais coordenada na vigilância.
“É necessário construir, manter e fortalecer uma parceria multidisciplinar, tanto em termos de pesquisa como de políticas públicas e de ações operacionais para controlar a doença em diferentes escalas”, explica outro dos coordenadores do projeto, o representante da unidade de pesquisa Espace pour le Développement (Espace-DEV), Emmanuel Roux, do IRD.
Roux aponta que essa é também uma forma cooperação Sul-Sul, uma vez que o Brasil passará a fazer parte de uma rede internacional de geografia da saúde, que tem muitos representantes no oeste da África, como Burkina Faso, Senegal, Benin e Costa do Marfim.
Sobre o IRD: O Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) é uma instituição pública francesa criada após a Segunda Guerra Mundial para promover o desenvolvimento. O IRD é vinculado a dois ministérios, o da Ciência, Tecnologia e Educação Superior e o de Relações Internacionais.