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01/12/2020

Livro da Editora Fiocruz aborda o papel dos hospitais psiquiátricos

Marcella Vieira (Editora Fiocruz)


Qual é a lógica do funcionamento e do papel dos hospitais psiquiátricos nos dias atuais? A partir de reflexões que explicitam uma tática do abandono como regra nessas instituições, o terapeuta ocupacional Fernando Kinker levanta importantes questões no âmbito da reforma psiquiátrica brasileira ao longo de Um manicômio em colapso: da aridez do abandono à fluidez da liberdade. O título será lançado pela Editora Fiocruz nesta quarta-feira (2/12) e estará disponível nos formatos impresso - via Livraria Virtual da editora - e digital, por meio da plataforma SciELO Livros.

Oriunda da dissertação de mestrado defendida pelo autor, em 2007, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a obra narra e analisa a experiência de uma intervenção federal em um hospital psiquiátrico - localizado numa cidade do interior do Nordeste - de péssimas condições. Em 2005, Kinker foi convidado pelo Ministério da Saúde para coordenar uma equipe de interventores nessa instituição, que já havia sido reprovada mais de uma vez nas avaliações anuais aplicadas nos hospitais psiquiátricos do Brasil.

A proposta das intervenções foi liderada pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde e por pessoas dedicadas à reforma psiquiátrica. A localização exata e os nomes do hospital e dos personagens envolvidos foram omitidos da pesquisa e do livro, como forma de preservar a integridade daqueles que participaram do processo.
 
Em quatro capítulos, Kinker conta como foi a vivência de transformação das condições do hospital, relatando algumas cenas que viveu com os internos e com os profissionais. O pesquisador narra também como se deu a construção de um conjunto de aliados, que contemplou artistas da cidade, universidades públicas, Igreja, imprensa, parlamentares e a prefeitura do município, envolvida desde o início no processo. "A experiência foi, de fato, reverberando pela cidade de forma que as pessoas pudessem rever seus valores e o significado daquela instituição", ressalta.

Ao refletir sobre o lugar ocupado por esse modelo de instituição psiquiátrica na sociedade, Kinker destaca a existência de uma lógica do abandono. "Ao contrário do conjunto de comunidades terapêuticas religiosas que vêm sendo disseminadas no Brasil com forte financiamento público, e que carregam uma perspectiva moralizante, que lembra o início da psiquiatria, com o tratamento pela disciplina e pelo castigo, percebe-se, no âmbito do hospital psiquiátrico, que a tática que prevalece é a tática do abandono. Isso parece uma contradição, mas, de fato, se constitui numa tática de controle pelo abandono", explica o autor.

Da realidade brutal a um espaço de vida e cuidado

Ao relatar, nos primeiro, segundo e terceiro capítulos, etapas como o primeiro contato com o hospital, as ações de transformação, as novas experiências, o final da intervenção oficial, a mudança do grupo de profissionais que acompanhavam os usuários e os desdobramentos, o pesquisador faz uma série de reflexões que são, segundo o prefácio assinado por Pedro Gabriel Delgado, uma contribuição "valiosa e essencial" para a bibliografia da reforma psiquiátrica brasileira, especialmente no complexo processo de desinstitucionalização. Psiquiatra e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Delgado foi, durante uma década (2000-2010), coordenador nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde.

No texto de quarta capa do livro, uma das participantes da equipe de intervenção, a médica Suzana Robortella relembra o início do trabalho, repleto de grandes dificuldades, e as muitas mudanças ocorridas. "Assim foi o primeiro de muitos dias: o desafio de transformar aquela realidade brutal num espaço de vida e cuidado. Essa é a história que Fernando Kinker conta neste livro: da dor, do desespero, da morte, nasceu a força para mudar... A vida sempre vence!", enaltece a médica, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Saúde mental e isolamento em meio à pandemia

No quarto capítulo, ao refletir sobre os desafios da desinstitucionalização, Kinker atualiza aspectos urgentes em meio à pandemia de Covid-19. "O autoconfinamento, possível apenas para aqueles que conseguem, sem dificuldades tecnológicas [...], manter seus vínculos com a engrenagem ou as teias da produção econômica, é um produto raro entre as classes populares. O coronavírus expõe o velho paradigma da divisão entre classes sociais – que historicamente sempre foi evidenciado pela presença em peso das classes populares no interior dos manicômios", destaca.  

Para a psicóloga Florianita Braga-Campos, militante da luta antimanicomial, os relatos contidos no livro vêm em um momento crucial. "A sociedade mundial, com a pandemia de Covid-19, está experimentando o isolamento social, podendo, assim, refletir sobre a aridez do abandono e a fluidez da liberdade e, quem sabe, desinstitucionalizar a vida", diz a doutora em Saúde Coletiva (Unicamp), no texto de orelha do livro.       

O autor

Fernando Sfair Kinker é graduado em Terapia Ocupacional pela Universidade de São Paulo (USP). É mestre e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. É professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde também é, desde 2017, pró-reitor adjunto de graduação. Como docente e pesquisador, atua principalmente nos seguintes temas: saúde mental, políticas de saude, desinstitucionalização, reforma psiquiátrica e loucura. 

Livro | Um manicômio em colapso: da aridez do abandono à fluidez da liberdade
Editora Fiocruz
Primeira edição: 2020
181 páginas
Preço de capa (versão impressa):  R$ 38
Preço SciELO Livros (versão digital): R$ 22,80

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