Início do conteúdo

04/07/2019

“Mudança climática é ameaça existencial”, alerta pesquisador da Fiocruz

Elisa Batalha (Revista Radis)


Daniel Buss não tem dúvidas do impacto da mudança climática sobre a saúde das populações. “É uma ameaça existencial, e global, a mais tangível que se tem”, declara o Assessor Regional para Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). “Não é algo que acontecerá no futuro, é algo que já acontece. E nós já temos um alto grau de certeza de que está causando efeitos sobre a saúde humana”, alerta.

Buss diz enxergar o ano de 2019 como um momento fundamental e estratégico, por se realizarem três grandes conferências para discutir ações que possam enfrentar o problema (foto: Revista Radis)

 

Em conversa com a Radis, direto de Washington, onde fica a sede da Opas, ele diz enxergar o ano de 2019 como um momento fundamental e estratégico, por se realizarem três grandes conferências para discutir ações que possam enfrentar o problema. A primeira delas é a Semana do Clima da América Latina e Caribe, que acontece em Salvador de 19 a 23 de agosto, e reúne autoridades de 35 países e 18 territórios, alguns já particularmente vulneráveis por serem compostos de ilhas. Em setembro, está marcada a Cúpula do Clima (Climate Summit) durante a Assembleia geral da ONU, em Nova Iorque. A terceira é a Conferência das Partes (COP), também organizada pela UNFCCC, que está na sua 25ª edição e vai acontecer no Chile, em dezembro.

Revista Radis: Quais as principais relações entre mudança climática e saúde?

Daniel Buss: A mudança climática afeta determinantes sociais e determinantes ambientais da saúde. Os efeitos diretos, por exemplo, são as condições meteorológicas extremas, como ondas de calor, picos de frio, incêndios por causas naturais, que têm aumentado de frequência, uma série de desastres como furacões, cuja intensidade no Caribe e em outras sub-regiões têm aumentado. Afeta o padrão de chuvas em algumas regiões, e, quando há um mau manejo, isso leva a deslizamentos de terras e inundações. A mudança climática tem ainda influência sobre secas na América Central. Esses seriam alguns dos efeitos diretos. Além disso, há os efeitos indiretos, como a contaminação de alimentos por meio do ar e da água, por grandes florações de algas, mudanças na distribuição de vetores potencialmente transmissores de doenças. Temos visto várias epidemias surgindo onde antes não se encontravam. Temos por exemplo o registro de que o número de picadas do mosquito transmissor da malária aumenta com a temperatura, porque o ciclo de vida desses insetos é acelerado. Também já foi identificado que o ciclo de vida de alguns vírus fica acelerado, o que aumenta a chance de transmissão de doenças. Outros efeitos da mudança climática para a saúde acontecem por conta da alteração de temperatura. Colheitas podem ser perdidas, o que provoca migrações temporárias ou permanentes e afeta a saúde mental de indivíduos. Em áreas costeiras e pequenas ilhas do Caribe, sobretudo, já acontecem migrações e mudanças por conta de aumento do nível do mar. Outro efeito direto resultante da emissão de gás carbônico, principalmente, é acidificação de oceanos. A mudança climática afeta mais as pessoas em condições vulneráveis. Conflitos são previsíveis por causa da escassez de recursos.

Revista Radis: Como o setor saúde se organiza e se prepara para os efeitos das mudanças climáticas?

Daniel Buss: A saúde deve estar no coração das discussões. É preciso garantir uma participação mais ativa do setor saúde nesses processos, sobre como fazer investimentos importantes em ações intersetoriais que levem em consideração saúde como um indicador final. E também fazer investimentos dentro dos sistemas de saúde para que se modernizem, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da própria produção dos hospitais, por exemplo. Hospitais são responsáveis por 40% das emissões de gases do setor saúde. Os outros 60% vêm de transportes de insumos, pacientes, indústria de produção de vacinas e medicamentos. Os ministérios da saúde dos países participam na economia como grandes compradores de produtos, e se a gente puder fazer uma intervenção no setor saúde para gerar uma pegada de carbono mais baixa, pelo fato de escolher melhor os fornecedores, isso pode ajudar a reduzir as suas emissões de gases do ponto de vista nacional e global.

Revista Radis: Qual o reflexo das mudanças climáticas na saúde de indivíduos?

Daniel Buss: É preciso ter em mente que a saúde das populações é afetada diretamente por essa complexidade, não só pelas condições meteorológicas locais, mas também por afetar o sistema produtivo, interferindo como as pessoas vão viver, onde elas vão viver, que tipo de produtos elas vão consumir. Eu não vejo que faça nenhum sentido dizer que a agenda de mudança climática pertença a um “setor ambiental”, ou à agenda A, B, C, D. É uma agenda única, global, que é para todos, independente de quem você seja, onde você esteja. É a ameaça global mais tangente e mais visível que se tem. É uma ameaça existencial. É o principal tema que requer atenção nesse momento. Exige a integração das agendas. Não há como trabalhar de forma particularizada ou fragmentada.

Revista Radis: Como se traduz essa integração em ações intersetoriais práticas?

Daniel Buss: Ela se traduz nas agendas nacionais e subnacionais, ou seja, de cidades, de estados. Em áreas verdes urbanas, transportes sustentáveis, na redução da poluição do ar. Ações que têm benefício direto à saúde e benefício climático. Ações que ajudem a ficar mais perto de cumprir as metas traçadas pelo Acordo de Paris [tratado internacional em que os países se comprometem a reduzir emissões]. Promover transporte público de qualidade, uma melhor estrutura das cidades, transporte ativo, calçadas e ciclovias. As pessoas têm que se sentir seguras para circular e há que se ter bons indicadores da qualidade do ar. Tudo isso são indicadores de saúde. Basicamente é utilizar estratégias de saúde pública, de promoção, não somente de tratar as pessoas doentes e responder aos eventos após ocorrerem. Por outro lado, há ações na assistência também. Uma das ações mais importantes da Opas em apoio aos países é desenvolver “smart hospitals”, ou seja, hospitais ou centros de saúde inteligentes. Esse conceito nasceu no Caribe. Eles precisam ser seguros e funcionais durante ou logo depois de um furacão, por exemplo. O hospital precisa ter condições de funcionar na sequência de uma emergência e precisa ser “verde” para diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

Revista Radis: Qual a expectativa para a realização da Semana do Clima da América Latina e Caribe em 2019? 

Daniel Buss: É um momento fundamental, estratégico, para que todos os setores e as pessoas prestem atenção a isso, é um momento em que o Climate Summit (a Cúpula do Clima), da Assembleia Geral da ONU se posiciona e coloca o tema da implementação do Acordo de Paris como central, para tentar garantir que não haja uma maior elevação da temperatura global, que iria desencadear todos esses efeitos sobre os quais falamos. A COP do Chile, marcada para dezembro, também dá à América Latina um protagonismo importante, do ponto de vista político e estratégico. 2019 é um ano estratégico para o clima mundial, com três grandes reuniões sobre mudanças climáticas. A Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) organiza a Semana do Clima da América Latina e Caribe em Salvador, em agosto. Em setembro, acontece a Cúpula do Clima (Climate Summit) durante a Assembleia geral da ONU, em Nova Iorque. A terceira é a Conferência das Partes (COP), também organizada pela UNFCCC, que está na sua 25ª edição e vai acontecer no Chile, em dezembro.

Revista Radis: Qual o papel do Brasil na promoção desse debate? 

Daniel Buss: O Brasil teve fundamental importância no processo histórico, por ter organizado a Rio 92, que gerou convenções globais que tratam da perda de biodiversidade, de mudança climática e processo de desertificação em larga escala. São processos internacionais que até hoje são conhecidos como conferências do Rio. A Rio+10 e a Rio+20 formularam uma série de ações organizadas para tentar prevenir ou responder a essas ameaças agora existenciais à sociedade. A Semana do Clima para a América Latina e Caribe tem a função de monitorar a cada ano o status da atuação dos países. Os governos é que estão pilotando as agendas com o apoio das ONGs, do sistema ONU e do setor privado. Este ano acontece o grande chamado das Nações Unidas para que se recupere o interesse e se reforcem as ações que foram estabelecidas no Acordo de Paris, e as reuniões estão interligadas.

Revista Radis: Qual a relação entre a mudança climática e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)?

Daniel Buss: Um dos principais mecanismos que movem o sistema ONU nesse momento é o conceito de desenvolvimento sustentável. Nós trabalhamos com sistemas complexos, onde a separação do que é “ambiental”, “mudança climática” “atuação do setor energia” não deveria existir mais. É claro que se tem ministérios para cada uma dessas agendas. O princípio que se pretendia inovador dos ODS era justamente romper essas divisões, mas embora se possa pensar que isso é óbvio, no dia a dia nem sempre é assim. A perda de biodiversidade é uma das questões globais mais relevantes do momento, junto com mudança climática. A mudança climática é a meta 13 de 30 ODS. O principal desafio para se atingir o desenvolvimento sustentável é achar uma forma para se combater as mudanças climáticas. Uma ação forte em mitigação, ou seja, redução das emissões de gases de efeito estufa para atacar a causa do problema. E o segundo desafio é de adaptação, ou seja, é sobre como preparar as sociedades para os efeitos que vão vir. Por mais que a gente conseguisse zerar as emissões hoje, os efeitos ainda seriam sentidos pelo que já foi emitido até hoje.

Voltar ao topo Voltar