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17/01/2018

Segunda matéria da série Clima e Saúde aborda o tema Queimadas

Graça Portela (Icict/Fiocruz)


O ano de 2004 ficou marcado pelos 270.295 focos de incêndio em todo o país – o ápice do número de queimadas no século 21. Na época, apenas no bioma Amazônia, que ocupa cerca de 40% do território nacional e onde estão os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, e também partes do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, foram 145.251 focos.

Em 2017, foram 275.120 focos de incêndio em todo o território nacional, conforme dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um aumento de 1,78%. O bioma Amazônia, no entanto, teve uma pequena redução, com 132.296 focos. Contudo, não há muito o que comemorar – segundo reportagem do jornal O Globo, “o fogo aumentou em áreas de floresta natural, onde não chegava antes", afirma Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe. Ao lado, os dados das queimadas no Brasil e no bioma Amazônia, fornecidos pelo Inpe.

Em Rondônia, onde está situado o sítio sentinela do Observatório Nacional de Clima e Saúde, os focos de fogo apresentam também um número elevado. No gráfico abaixo, é possível verificar o crescimento desses focos no período entre 2012 e 2017:

Porto Velho

O sítio sentinela está localizado na capital rondonense, em Porto Velho, uma das áreas mais afetadas por conta das queimadas na região amazônica. Ele é coordenado pela pesquisadora associada do Observatório, Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e o pesquisador Christovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informalão Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Segundo a pesquisadora Hacon, desde o Programa de Integração Nacional, na década de 1970, o desmatamento na região amazônica começou a ocorrer com maior intensidade, com o processo de colonização e o incentivo de ocupação do território pelo governo federal. “Esse intenso processo de desmatamento dará lugar, mais tarde, a indústria madereira e a pecuária na região, que destrói de forma intensa e extensa o solo da Amazônia, com o desmatamento, que leva às queimadas”, explica. Mas, como as queimadas podem prejudicar à saúde da população da região? Hacon afirma que “há a emissão de material particulado, microscópico, que em sua composição tem vários compostos e elementos. Esse material particulado, principalmente, é que vai prejudicar a saúde da população da Amazônia”.

Ela chama a atenção sobre a alta taxa de desmatamento de Rondônia – cerca de 70% de seu território já havia sido desmatado para plantações e pastagens. Com isso, “aumentaram as taxas de doenças respiratórias, principalmente nos grupos vulneráveis – crianças e idosos – e pessoas com doenças pregressas, relacionadas tanto quanto às doenças respiratórias, quanto às doenças cardiovasculares”.

Em um estudo de 2013, intitulado Distribuição espaço-temporal das queimadas e internações por doenças  respiratórias em menores de cinco anos de idade em Rondônia, 2001 a 2010, das pesquisadoras Poliany Rodrigues (Ensp/Fiocruz), Eliane Ignotti  (Unemat e UFMT, ambas do Mato Grosso) e Sandra Hacon, chama a atenção de que “as áreas com maior número de focos de queimadas diferiram daquelas com as taxas mais elevadas de internações por doenças respiratórias. Isso pode demonstrar a importância do transporte deste material particulado em longas distâncias na Amazônia.

Supõe-se que a exposição aos poluentes provenientes das queimadas não necessariamente coincidiu com o local de ocorrência do foco de queimada, razão pela qual os focos de calor devem ser utilizados como indicadores indiretos de exposição”.  Além disso, as pesquisadoras recomendam que haja um “monitoramento do material particulado proveniente das queimadas na microrregião de Porto Velho, apontada neste estudo como área crítica por apresentar a maior concentração de focos de queimadas da região. Também é relevante acompanhar os indicadores de saúde sobre os impactos à saúde humana provocados pelos poluentes gerados nas queimadas, com a implantação de áreas sentinelas pelos programas de vigilância à saúde na Amazônia”.

Para se ter uma ideia do problema, as queimadas acorrem mais intensamente entre os meses de julho e outubro, sendo que em setembro, há o ápice. Imagens do satélite Modis Terra Acqua, da Nasa, entre os dias 9 e 26 de setembro de 2017, mostram a situação da região:

O site do Icict/Fiocruz levantou alguns dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Datasus, sobre doenças respiratórias na região de 2012 até novembro de 2017. Como no estudo das pesquisadoras, chama a atenção o número de crianças de até quatro anos, com internações derivadas de doenças respiratórias:

Respiração comprometida

Outro estudo, este de 2015, orientado por Hacon, Poluição atmosférica e seus efeitos na saúde infantil: um estudo sobre biomarcadores de estresse oxidativo em crianças e adolescentes da Amazônia Brasileira, da doutora pela Ensp/Fiocruz Beatriz Fátima Alves de Oliveira, reafirma a preocupação dos pesquisadores com os efeitos das queimadas. Seu estudo, que avaliou crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, residentes na Amazônia Ocidental Brasileira, em especial a cidade de Porto Velho, teve como um de seus resultados o seguinte: “que a poluição do ar está associada com diversos mecanismos, tais como inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica e neuroinflamação, disfunção endotelial, coagulação, aterosclerose, alteração do sistema nervoso autônomo, danos de DNA e desbalanço redox”.

No trecho do vídeo Queimadas na Amazônia – uma ameaça ao ambiente e a saúde, do projeto homônimo da Ensp/Fiocruz, CNPq, Rede Clima, INCT para Mudanças Climáticas e Inova / Ensp (além de outros parceiros) (de 2012), é possível ter uma ideia dos efeitos da queimada na população, neste caso, de Rio Branco, no Acre:

Queimadas x câncer

Foram justamente os estudos do Sítio Sentinela de Porto Velho, na região, coordenados por Sandra Hacon, que ajudaram pesquisadores da USP, UFRN, Fiocruz e UFRJ, além da UFRO, que foi fundamental na logística do estudo, a demonstrarem os impactos das queimadas na floresta Amazônica e que podem ser lidos no artigo “Biomass burning in the Amazon region causes DNA damage and cell death in human lung cells”, que tem entre seus co-autores, o pesquisador do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, considerado uma das maiores autoridades em análise do clima.

No estudo, os pesquisadores dão evidências de que “as partículas das queimadas ao entrarem nos pulmões aumentam a inflamação, o estresse oxidativo e causam danos genéticos nas células de pulmão humano. O dano no DNA pode ser tão grave que a célula perde a capacidade de sobreviver e morre. Ou esta célula perde o controle celular e começa a se reproduzir desordenadamente, evoluindo para câncer de pulmão”, conforme relatado pela principal autora do estudo, a pesquisadora da USP, Nilmara de Oliveira Alves. Os pesquisadores coletaram amostras do material emitido na atmosfera pelas queimadas na região próxima a Porto Velho, uma das áreas mais atingidas pelos incêndios na Amazônia.

O artigo traz evidências científicas sobre a associação entre queimadas e o risco de câncer. Considerando que as crianças o grupo mais vulnerável exposto às fumaças das queimadas, como explica a pesquisadora Nilmara Alves: “a população que está sendo exposta a esta fumaça apresenta um maior risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão e o agravamento de doenças pré-existentes como asma, bronquite e etc.”, alerta. Para  ela, “sem dúvida, as crianças estão entre os grupos mais vulneráveis. Em concordância, estudos recentes da OMS - a Organização Mundial da Saúde - comprovaram que 1,7 milhão de crianças, com menos de 5 anos, morrem no mundo anualmente devido a poluição ambiental e os poluentes atmosféricos são um dos grandes responsáveis”.

A pesquisadora da USP, que atualmente trabalha na França em colaboração com a Agência Internacional de Pesquisa ao Câncer, com ênfase nos estudos dos impactos ambientais, reitera o risco das queimadas para a população: “O que explica estes efeitos negativos é que nesta fumaça existem partículas muito finas que são capazes de chegar ao sistema respiratório, atingir os alvéolos pulmonares e ter contato com a corrente sanguínea, sendo prejudicial para a saúde. Além disso, muitos compostos carcinogênicos estão presentes nestas emissões e as pessoas, involuntariamente, inalam estes compostos tóxicos, contribuindo para os danos nas células pulmonares”.

Os efeitos na saúde da população na maioria das vezes não são imediatos, como afirma a pesquisadora Sandra Hacon. Segundo ela, “dependerá da carga de emissão, qual é a concentração do material particulado na atmosfera. Essas pessoas que aparecem doentes, que apresentam o impacto das queimadas e da poluição atmosférica, são pessoas que já tinham problemas de saúde, mais idosas ou são crianças”, explica. Para Hacon, Aqueles que já têm problemas respiratórios e não usam os medicamentos, apresentarão  os efeitos mais rapidamente. Se eles têm problemas respiratórios e tomam medicação, possivelmente, eles vão apresentar mais tarde e, às vezes, nem apresentar”, afirma.

No vídeo abaixo, Paulo Artaxo fala sobre o trabalho que realiza e mostra o impacto das queimadas no meio ambiente e na saúde das pessoas. Suas palavras são reforçadas pelo atual diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano de Castro, pneumologista:

Mudança necessária

A poluição não escolhe classe social, alerta Hacon, mas ela ressalta que populações mais vulneráveis acabam sendo as maiores vítimas da poluição ambiental: “porque se você tem uma infecção respiratória, uma doença infecciosa, como consequência de uma exposição à poluição atmosférica, esse quadro vai se agravar à medida que, não há ventilação nessa casa, que várias pessoas dormem num mesmo cômodo, que essa pessoa não tenha acesso ao serviço de saúde – não só porque mora longe, mas muitas vezes, por não ter recursos para chegar ao posto de saúde na capital, onde teria mais recursos para ela – e por conta das desigualdades sociais, que são – a cada dia – maiores”.

Christovam Barcellos concorda. Para ele, os dados e as análises sobre o que está ocorrendo em Porto Velho, só ressaltam a importância de se estudar o clima e sua relação com a saúde: “as pesquisas têm levantado diversas evidências de que o clima está mudando devido à ação humana na Terra. Alguns dos efeitos estão sendo já sentidos na área de saúde e existe uma mobilização crescente em torno deste tema. A mídia e a sociedade civil estão cada vez mais atentos a este problema, que é novo e ameaçador”. Mas, população e pesquisadores  já estão alertas e começam a se mobilizar:

Ao finalizarmos a matéria, recebemos a informação que – segundo notícias publicadas na grande imprensa – na versão de um rascunho, enviado para comentários de revisores do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC/ONU), que aborda a estabilização do aquecimento global a 1,5ºC, “será preciso implementar um nível de transformação sem precedentes na área produtiva (industrial e agrícola), caso a humanidade se proponha a evitar as transformações radicais causadas pelas mudanças climáticas”. Fato que só reforça a necessidade de se ter instrumentos como o Observatório Nacional de Clma e Saúde, que permita compartilhar com a população, os gestores e outros pesquisadores informações que possam mudar essa realidade.

Esta é a segunda matéria da série Clima e Saúde, sobre as mudanças climáticas e seus efeitos na saúde do brasileiro, a partir dos estudos realizados pelo Observatório Nacional de Clima e Saúde, do Icict/Fiocruz. A próxima matéria abordará o sítio sentinela Transfronteiriço, entre a Guiana Francesa e o Brasil, que pesquisa as ocorrências de malária na região e seus impactos na população local da fronteira entre os dois países.

Leia mais sobre a série Clima e Saúde no site do Icict/Fiocruz. 

Confira também a primeira reportagem da série:

Observatório Clima e Saúde ganha destaque na OMS e na COP23

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