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20/10/2022

Especialistas falam sobre chances e riscos da gravidez tardia

IFF/Fiocruz


É um fato que nas últimas décadas a maternidade em idade avançada tornou-se um fenômeno mais comum na sociedade. A maior preparação acadêmica das mulheres levou elas a estabelecer novos objetivos profissionais, aumentar sua participação no mercado de trabalho e atrasar a vida a dois em muitos casos. Isso, junto com o uso de métodos anticoncepcionais na busca por uma estabilidade econômica antes de formar família, as diferentes formas de relacionamentos afetivos de hoje e os avanços da medicina que permitem a gravidez em alguns casos, mesmo que a mãe não seja jovem, são alguns dos fatores que influenciaram o atraso na idade da maternidade. No entanto, a biologia das mulheres não tem mudado, sendo considerada sua fase mais fértil até os 35 anos, então a escolha de adiar a gravidez tem seus riscos.

Especialistas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) falam das chances e riscos envolvidos na gravidez em mulheres de 35 anos ou mais. Conforme explicado pelo obstetra e especialista em Medicina Fetal do IFF/Fiocruz, Fernando Maia, fala-se de gravidez tardia a partir dos 35 anos. “Por mais que existam algumas controvérsias na literatura sobre quando se inicia esse período, essa é a idade aproximada mais considerada para falar em gravidez tardia”.

Comparando dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), a maternidade em mulheres mais velhas tem crescido no Brasil nos últimos 20 anos. Enquanto em 2000 o número de bebês nascidos de mulheres a partir dos 35 anos foi apenas de 9,1%, em 2020 o número de mulheres que engravidaram com 35 anos ou mais foi de 16,5%, do total de mães que tiveram filhos nesse ano. No ano 2000, a fecundidade concentrava-se em mulheres mais jovens, entre 20 e 34 anos, que respondia por 67,4% da fecundidade total. Após 20 anos, a redução da gravidez em mulheres dessa faixa etária diminuiu para 57,8%, representando uma redução de quase 10%, o que confirma que a fecundidade no país está se tornando mais tardia.

Agora que a ciência permite que a gravidez possa se dar e prosseguir mesmo em mulheres acima de 35 anos, as consultas ginecológicas para planejamento familiar e controle da saúde reprodutiva têm outra relevância. Recorrer à consulta com especialista(s) para aconselhamento é fundamental para evitar os riscos associados à maternidade tardia, pois conforme aumenta a idade da mulher crescem os riscos de doenças durante a gestação e de anomalias congênitas no bebê.

Gravidez vs. Idade da mulher

O responsável pelo ambulatório de Reprodução Humana do IFF/Fiocruz, Luiz Fernando Dale, explica que os ovários têm duas funções: secretar os hormônios que ajudam no desenvolvimento das características sexuais femininas e liberar um ou mais óvulos todos os meses durante a vida reprodutiva da mulher para permitir a ovulação e prepará-la para uma possível gravidez. 

“O número de óvulos está relacionado à reserva dos ovários com que a mulher nasce: entre 1 e 2 milhões de óvulos. A partir da puberdade, essa reserva da mulher cai para uns 250.000 óvulos, pois nessa fase os ovários começam a gastar vários óvulos por mês e mensalmente o hormônio recrutará um deles para fazer crescer e ovular, enquanto os outros se perdem. Considerando que durante toda sua vida a mulher terá uns 500 ciclos menstruais, faz com que esse estoque seja finito, pois com o tempo vai diminuindo a quantidade e também a qualidade desses óvulos já envelhecidos, sendo necessários óvulos de qualidade para que possa se desenvolver um bebê saudável. Portanto, aproximadamente aos 35 anos de idade, começa a ser mais complicado para uma mulher engravidar, o que torna a idade um fator determinante na procriação”, explica Luiz Fernando Dale. A boa notícia é que “hoje existem exames que podem mostrar como está a reserva desses óvulos nos ovários, não com números, mas se a reserva é pequena, média ou grande, permitindo orientar a paciente”.

Riscos da gravidez tardia

“Quando falamos da gravidez nesse momento da vida que a mulher tem ou está acima de 35 anos, ela implica alguns riscos adicionais, principalmente ao que se refere às aneuploidias [alterações no número de cromossomos nas células do feto, para mais ou para menos]; à medida em que a mulher vai envelhecendo, ela vai aumentando as chances de produzir fetos com essas condições. Os riscos também implicam em abortamento, e nas mulheres que tiveram gestações anteriores, como pacientes que passaram por múltiplas cesáreas, elas têm mais chances de ter uma placentação anormal, como placenta prévia, condições que determinam riscos para a gravidez, principalmente no que se refere a hemorragias”, aponta Fernando Maia.

Sobre a questão de doenças relacionadas à gestação, Fernando Maia informa que a gravidez tardia aumenta um pouco as chances de pré-eclâmpsia (hipertensão arterial durante a gestação que pode afetar os rins e até outros órgãos da mulher, assim como o fornecimento de sangue à placenta, o que pode levar a falta de oxigênio e nutrientes necessários para o desenvolvimento do feto) e de diabete gestacional. “As pacientes que engravidam a partir dos 35 anos têm mais chances de apresentar essas condições. A partir dessa idade, as mulheres também têm mais probabilidades de já estar acometidas por doenças crônicas, como a hipertensão e diabete prévia à gestação. Então, nesses casos, quando as mulheres optam por engravidar é importante que elas tenham controle dessas doenças".

Anomalias cromossômicas 

No que diz respeito as implicações genéticas, a geneticista e coordenadora clínica do Centro de Genética Médica do IFF/Fiocruz, Dafne Horovitz, explica que “cada óvulo é uma célula que tem 23 cromossomos; antes da ovulação há uma divisão biológica (cada célula não reprodutiva do organismo tem 46 cromossomos, ou 23 pares) fazendo com que apenas metade da carga genética seja passada para o óvulo; ao chegar na trompa, esse irá se juntar com a metade do homem (o espermatozoide, que também terá 23 cromossomos: um de cada par) para ser fecundado. Nesse processo de separação, em especial do ovulo, podem ocorrer os erros, cromossomos podem não se separar. Por exemplo, se o par de cromossomos 21 não se separa adequadamente, o ovulo terá 24 cromossomos, e ao se juntar com o espermatozoide do homem serão 47 (e não 46 cromossomos), com 3 copias do cromossomo 21, provocando a Síndrome de Down. Esse fenômeno pode acontecer em qualquer idade, mas no decorrer dos anos aumenta essa probabilidade. Uma mulher de 40 anos, por exemplo, terá, devido a essa maior predisposição de erros na formação dos óvulos, uma diminuição na sua capacidade de engravidar, correndo também um risco maior de ter concebido um feto com algum tipo de alteração cromossômica, como a Síndrome de Down”.

Além das alterações genéticas em recém nascidos que podem acontecer relacionadas a esses erros na separação dos cromossomos, como consequência da idade avançada da mulher, são muito frequentes as perdas espontâneas de gravidez, “pois existem problemas muito mais sérios que a Síndrome de Down, como outras síndromes, outras alterações ligadas a números de cromossomos e que sequer conseguem passar do primeiro trimestre de gravidez, então o que vai ocorrer basicamente são perdas gestacionais precoces”, reforça Dafne Horovitz.

E se não for a primeira gravidez?

Uma dúvida recorrente é se o risco para gravidez tardia é diferente para mulheres que já tiveram gravidez anteriores e engravidam novamente com 35 anos ou mais, que para aquelas que estão fazendo sua primeira gravidez a partir dos 35 anos. “Sobre os riscos de alterações genéticas e de abortamentos, esses riscos equivalem nos dois casos, já que o que implica riscos tem a ver com idade dos óvulos da mulher, então para pacientes acima de 35 anos, seja a primeira gravidez ou uma subsequente, os riscos de alterações genéticas estarão relacionados a idade materna”, comenta Fernando Maia.

“Por falar de outros riscos, eventualmente mulheres que tiveram gestações anteriores podem até acumular riscos maiores do que aquela que está na primeira gestação, por exemplo, uma mulher que teve 4 filhos por cesárea antes dos 35 anos, tem mais chances de apresentar uma placenta prévia ou um acretismo placentário, que são condições que envolvem muitos riscos. Uma outra condição em mulheres que já tiveram muitos filhos e estão tendo um subsequente aos 35 anos ou mais, é o fato de que elas carregam mais riscos de ter hemorragias pós-parto, já que o útero já cresceu e diminuiu várias vezes até aquele momento, então ele às vezes se torna menos eficiente em conter o sangramento depois do parto. Assim, as condições são bastantes específicas e a priori não temos como dizer que somente a questão da idade vai implicar em riscos diferentes, a mulher precisa ser aconselhada no acompanhamento pré-natal para adequar seu cuidado ao risco para o qual ela está sendo submetida durante aquela gestação”, acrescenta Fernando Maia.

Qualidade do leite materno 

Segundo explicado pela obstetra e membro do Comitê de Aleitamento Materno do IFF/Fiocruz, Augusta Maria de Assumpção Moreira, não há contraindicação para a amamentação em mães com mais idade, mas alguns estudos apontam que com a idade o percentual de gordura no leite aumenta

“Quando falamos sobre qualidade do leite materno, temos que dizer que ele é o principal e a mais importante fonte nutricional para o desenvolvimento de uma criança, repercutindo até na sua vida adulta. Sobre a composição do leite humano, ele é rico em macro e micronutrientes (gorduras, vitaminas, minerais, anticorpos, proteínas, carbo-hidratos, lipídios) e vai variar de acordo com a idade gestacional (número de semanas entre o primeiro dia do último período menstrual normal da mãe e o dia do parto), com algumas intercorrências na gestação e principalmente no pós-parto”, explica Augusta Assumpção.

“Ao comparar mulheres em diferentes idades cronológicas, existem poucos estudos que deem conta de que existem alterações na composição e na qualidade do leite humano. Ao que parece não é significativa essa diferença na qualidade do leite da mulher, seja uma jovem de 19 anos, seja uma mulher de 35, 40 anos ou mais, desde que ela esteja disposta a amamentar a qualidade do leite é basicamente a mesma. Alguns estudos comparando o leite de mães abaixo de 19 anos e acima de 35 anos de idade, podem mostrar algumas variações em relação ao valor calórico desse leite, sendo inclusive maior nas mulheres acima de 35 anos, provavelmente pelo aumento da sua carga de gordura, que acontece em geral com o decorrer do tempo na vida das mulheres, mas isso precisa ser melhor analisado: se esse aumento calórico tem relação com alteração de peso dessa gestante ou se está relacionado com algum tipo de comorbidade, como diabete gestacional, por exemplo. Em geral, o leite não perde qualidade, seja na mulher jovem ou na mulher acima de 35 anos, o que importa de fato é a disposição da mãe para amamentar e do bebê sugar para que haja uma efetiva produção do leite materno, que vai resultar no sucesso no aleitamento e no desenvolvimento dessa criança”, esclarece Augusta Assumpção.

Recomendações e cuidados

Toda mulher que decide engravidar, indistintamente da idade, deve procurar um profissional de saúde para fazer uma avaliação clínica e assim receber as orientações sobre o que ela deve fazer nesse período, “isso é uma consulta periconcepcional”, detalha o obstetra do IFF/Fiocruz, Fernando Maia. “Nesse momento, o profissional de saúde vai avaliar quais os riscos que ela tem prévios à gestação (hipertensão, diabete, alguma doença reumatológica, alguma condição que precise de cuidados específicos). No caso dos hábitos de saúde, em geral a mulher precisa ajustar as medicações que ela use para medicações que possam ser usadas durante a gestação, parar de fumar, de consumir álcool ou drogas, caso seja usuária delas. Essa consulta é fundamental porque permite à mulher ajustar hábitos, medicações e condições clínicas para o início da gestação”.

No caso específico da mulher que opta por engravidar a partir dos 35 anos, é importante que ela, “assim como as outras mulheres, consulte o especialista para acionar bons hábitos de saúde e, sobretudo, para que entenda os riscos em relação às aneuploidias, aos abortamentos e outros, já que nessa faixa etária essas complicações são mais comuns, então ela precisa entender e avaliar os riscos precocemente”, destaca Fernando Maia.

Para o especialista em reprodução assistida, Luiz Fernando Dale, “as mulheres têm que prestar muita atenção na idade, se aquelas que são jovens ainda não estão prontas para engravidar, é bom analisar a opção de congelamento de óvulos, porque estariam congelando naquele momento de trinta e poucos anos, podendo usar esse óvulo para uma fecundação assistida quando o risco de engravidar fosse muito maior. Esse é um conselho que merece ser discutido entre a paciente e seu ginecologista para antecipar qual é o melhor momento de abordar, pois quanto maior a idade, menor a qualidade do óvulo”, conclui o especialista.

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