11/01/2023
Isis Breves (Fiocruz Mata Atlântica)
No final de 2022, na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 27, organizações que representam mais de 35 milhões de agricultores familiares e pequenos produtores rurais, incluindo o Fórum Rural Mundial, publicaram uma carta aberta aos líderes mundiais para alertar que a segurança alimentar global está em risco se os governos não aumentarem o financiamento de adaptação para a produção em pequena escala. O documento adverte: “o sistema alimentar global está mal equipado para lidar com os impactos das mudanças climáticas, mesmo se limitarmos o aquecimento global a 1,5 °C”. E ainda aponta: “construir um sistema alimentar que possa alimentar o mundo em um planeta quente” é prioridade da COP27.
Nesse contexto, a soberania, a segurança alimentar e nutricional, e a economia solidária são metas do Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz Mata Atlântica (PDCFMA), localizado em Jacarepaguá na zona Oeste do Rio de Janeiro. “O PDCFMA realiza projetos e ações que contam com a participação da população para contribuir com o desenvolvimento da região de forma saudável e sustentável e busca implementar experiências de agricultura urbana agroecológica, visando a produção de alimentos saudáveis nas comunidades da Colônia Juliano Moreira e demais áreas de influência do campus”, explica Gilson Antunes, coordenador executivo da Fiocruz Mata Atlântica. “Essas experiências combinam aspectos produtivos, organizacionais e mercadológicos, adotando o conceito da sustentabilidade, que são ações locais que contribuem para a segurança alimentar tão necessária e debatida na COP27”.
A produção em pequena escala é uma das pautas lideradas pela agroecologia e tema do Projeto Ará (Desenvolvimento Sustentável e Promoção da Saúde em Populações Vulneráveis de Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais Rurais e Urbanas em três Regiões do Estado do Rio de Janeiro). Nele, a Fiocruz Mata Atlântica atua como uma das instituições de liderança no combate à fome e à promoção da soberania, da segurança alimentar e nutricional, e da economia solidária no território das setes vertentes do Parque Estadual da Pedra Branca.
“O projeto tem como objetivo fortalecer as agriculturas existentes nessas vertentes e, nesse caso, estamos falando de produção de pequena a média escala, que ocorre nos quintais produtivos desses locais. Para essas experiências, o projeto tem investido em tecnologias sociais de baixo custo e processos de formação em temas importantes para as agricultoras e agricultores. Quando falamos dessa produção em quintais e espaços urbanos, muitos aspectos se fazem presente”, explica Robson do Patrocínio, assistente social e coordenador da Área de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Fiocruz Mata Atlântica.
De acordo com Robson, os agricultores dos quintais agroecológicos relataram uma melhoria na qualidade da saúde física e mental. “Ouvimos relatos de saída da depressão, melhoria da renda familiar, melhor uso dos resíduos orgânicos da casa, fortalecimento dos circuitos curtos de comercialização, resgate dos aprendizados dos antepassados, entre outros”, afirma. Ele ainda destaca que essas iniciativas que vêm se desenvolvendo nesses territórios estão de acordo com a Agenda 2030 e com a COP 27. “Quando valorizamos a agricultura urbana, fortalecemos a proposta da soberania alimentar, do direito a terra e ao desenvolvimento de uma cidade sustentável, sem uso de agrotóxico por exemplo. Nessa perspectiva, dialogamos com a agenda 2030 no que diz respeito ao objetivo 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável e objetivo 12 Consumo e Produção Sustentável. E com COP 27 em uma outra visão de econômica e de mundo, na qual o ser humano, as variadas formas de vida e o meio ambiente estão no centro das prioridades, o que se contrapõe ao modelo capitalista/neoliberal responsável pelos efeitos das mudanças climáticas que impactam diretamente na saúde das populações, na produção de alimentos livres de veneno”, explica.
O coordenador também ressalta a importância da agricultura urbana e familiar para a promoção do acesso à alimentação adequada e saudável da população, em especial as mais vulneráveis. “A agricultura urbana possibilita a aproximação de alimentos sem agrotóxicos das famílias. E estamos falando de alimento de qualidade para a saúde, seja para consumo próprio ou/e para geração de renda com venda dos excedentes. Há também a possiblidade de fortalecimento das relações nos diversos territórios, nas comunidades, espaços e coletivos a partir das trocas de produtos, mudas e sementes. As agricultoras dos quintais valorizam as ervas medicinais e conhecimentos tradicionais para saúde”, destaca Robson.
Segundo ele, não importa o tamanho do espaço disponível para plantar, pois hoje há técnicas que possibilita plantar em pequenos espaços. “Existem depoimentos de mulheres que, por necessidade, começaram a plantar no quintal junto com os filhos durante a pandemia. Quando se deram conta, estavam vendendo mudas para a comunidade. O coletivo das processadoras da Rede Carioca de Agricultura Urbana, por exemplo, vem produzindo alimentos processados em suas cozinhas individuais e coletivas a partir de produtos da agricultura familiar e urbana agroecológica”, relata Robson.
Por fim, Robson explica as articulações de políticas públicas da Fiocruz Mata Atlântica podem contribuir para esse olhar do financiamento governamental para a produção em pequena escala. O campus da Fundação participa da Rede Carioca de Agricultura Urbana, também do GT mulheres da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro, do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável (Cedrus), da Câmara Técnica de Agricultura Orgânica e Agroecologia e, como instituição convidada, do Conselho de Segurança Alimentar do Município do Rio de Janeiro (Consea/Rio). “Esses espaços citados são de suma importância para incidir na garantia de política públicas e recursos públicos para agricultura Urbana e agroecologia”, afirma.