Início do conteúdo

08/10/2014

Livro aborda diversificação e inovação nas secretarias municipais de Saúde

Fernanda Marques


Homens, brancos, médicos ou filhos de médicos, fazendeiros ou famílias de políticos tradicionais no local: se este era o perfil costumeiro dos secretários municipais de saúde, pode-se dizer que os efeitos da democratização se fazem notar. Já é significativa a participação de mulheres, negros e não médicos à frente das pastas da saúde, especialmente em municípios de menor porte. Este é um dos resultados apresentados no livro Democracia e inovação na gestão local da saúde, assinado pela doutora em ciência política Sonia Fleury e publicado pela Editora Fiocruz em coedição com o Cebes. O livro teve origem em um ambicioso projeto que, ao longo de uma década, analisou as mudanças no perfil dos gestores, na gestão e nos padrões de difusão de inovação das secretarias municipais de saúde. No quesito inovação, o estudo evidenciou expressivos avanços na dimensão assistencial, que se refere aos programas de atenção implantados localmente, mas identificou dificuldades na dimensão gerencial, associada a questões de eficiência e produtividade.

“Os avanços na área assistencial revelam o papel indutor do governo central e indicam a importância de que o Ministério da Saúde utilize os mesmos mecanismos para favorecer a inovação e a difusão de inovações gerenciais”, sugere a autora. Na pesquisa coordenada por Sonia Fleury, fez-se uma comparação entre os municípios mais e menos inovadores e, dessa forma, foi possível identificar algumas variáveis que favorecem e outras que obstruem a inovação. Entre as que favorecem, destacam-se o treinamento específico do secretário como gestor, a prática do associativismo e a participação nas conferências de saúde e em eventos do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Quanto aos obstáculos, verificou-se que os municípios muito pequenos e os muito grandes são onde os gestores encontram mais dificuldades para a inovação. Esses resultados apontam a necessidade de políticas específicas para esses municípios – por exemplo, iniciativas de regionalização para os muito pequenos e de descentralização interna para os muito grandes.

O diferencial

O objetivo geral da pesquisa era verificar o impacto do processo de descentralização da saúde e seus indicadores na democratização do poder local no Brasil. Sobre a descentralização, afirma Sonia Fleury: “ocorrendo no âmbito de uma reforma do Estado, de cunho democratizante, em reação ao hipercentralismo promovido pelo regime autoritário de 1964, a redistribuição de recursos, atribuições e encargos, por suposto, deveria produzir um novo padrão de relações intergovernamentais, com um deslocamento de poder em favor da esfera municipal, assim como um novo padrão de relações entre o Estado e a sociedade, com um deslocamento de poder em direção aos diversos grupos de interesse, presentes na arena societária”.

Outros estudos já haviam se debruçado sobre o processo de descentralização, mas, em sua maioria, focalizaram um momento específico. Desse modo, forneceram somente um quadro estático, uma espécie de fotografia da estratégia utilizada e dos arranjos institucionais naquele determinado momento. O diferencial da pesquisa coordenada por Sonia Fleury foi justamente seu caráter dinâmico, com a comparação de dados coletados em dois momentos distintos, em 1996 e 2006, por meio da aplicação de questionários aos secretários municipais de saúde.

Os dois momentos de realização da pesquisa proporcionam um diferencial expressivo para a análise da descentralização do SUS. “Em 1996, o processo de transferência de atribuições e recursos financeiros para os municípios estava em seu início – havia, aproximadamente, uma centena e meia de secretarias municipais de saúde que recebiam recursos ‘fundo a fundo’ (diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os municípios). Em 2006, praticamente todos os municípios já estavam habilitados em alguma forma de gestão do SUS e discutiam questões mais complexas relacionadas aos desafios da regionalização”, explica Assis Mafort Ouverney, um dos coautores do livro. Em virtude desse recorte, foi possível identificar as tendências iniciais da descentralização, as características que se consolidaram e os desafios que se apresentavam após uma década.

A metodologia

Os instrumentos de coleta de dados foram desenhados com o intuito de aferir dois aspectos centrais: a diversificação (do perfil do gestor) e a inovação (do desenho institucional e da dinâmica de funcionamento da secretaria). No caso da inovação, ela foi subdividida em três componentes: social (nas relações entre estado e sociedade, na participação e no controle social); gerencial (nas questões de eficiência e produtividade); e assistencial (nos programas de atenção implantados localmente). “O produto mais importante que podemos oferecer a todos é uma base metodológica para o estudo do processo de descentralização, com vistas a compreender sua dinâmica e suas relações com a democratização do poder local e com a inovação na gestão local”, avalia Sonia Fleury. Foi com essa base metodológica que a pesquisa conseguiu detectar não só a continuidade na diversificação dos perfis dos gestores, mas também a dinâmica das diferentes dimensões da inovação, a partir da construção de um índice de inovação.

O contexto

Sonia Fleury lembra que os avanços e retrocessos do processo de descentralização da saúde e, de modo mais geral, de implantação do SUS foram influenciados pela conjuntura econômica e política do período. “A década estudada contemplava não apenas a herança da reforma democratizante do Estado, expressa na Constituição Federal e nas Leis Orgânicas, assim como as limitações institucionais, fruto de uma longa tradição centralista e concentradora dos recursos da rede de atenção à saúde. A elas somaram-se os impasses causados pelas limitações estruturais, impostas por um contexto econômico recessivo e recentralizador das finanças públicas, bem como as mudanças decorrentes da implantação de um novo projeto de reforma do Estado, baseado nos pressupostos de redução das atribuições do setor público e favorecimento da compra de serviços”, adverte.

O convite

Diante desse cenário e dos desafios por ele impostos, a autora convida estudantes e pesquisadores para darem continuidade ao projeto. “Em 2016, uma nova década se cumpre e seria uma fabulosa oportunidade para conhecer o que mudou em relação às décadas anteriores!”, instiga. Dividido em duas partes, o livro Democracia e inovação na gestão local da saúde reúne tanto os marcos teóricos e metodológicos quanto os resultados da pesquisa. São coautores da obra os mestres em administração pública Assis Mafort Ouverney e Felipe Barbosa Zani, o doutor em psicologia social Renato Cesar Möller, e a mestre em ciência política Thais Soares Kronemberger.

A autora

Sonia Fleury é psicóloga, mestre em sociologia e doutora em ciência política; professora-titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV) e pesquisadora aposentada da Fiocruz; militante da Reforma Sanitária, foi membro das diretorias do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Voltar ao topo Voltar