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25/06/2015

Nova Lei da Biodiversidade e seu impacto na área de pesquisa

Manuela da Silva*


O Brasil foi um dos países pioneiros na implementação de uma legislação de acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional associado e à repartição de benefícios por meio da MP 2186-16 de 2001, alinhada à Convenção sobre Diversidade Biológica. Com a intenção de evitar a biopirataria e garantir a repartição de benefícios oriundos do uso desta biodiversidade de forma justa e equitativa, esta lei criou barreiras para a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) sobre a biodiversidade e o conhecimento tradicional associado, trouxe obstáculos à inovação e patentes, interferiu nas colaborações internacionais, e nem mesmo conseguiu fazer a repartição de benefícios justa de forma satisfatória. Após quase 15 anos de amadurecimento do marco legal e, a partir de críticas e de demandas da sociedade civil por uma legislação com regras claras, simples, com abordagens menos burocráticas e capazes de estabelecer um ambiente de tranquilidade e segurança jurídica para facilitar e estimular a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que faz uso da biodiversidade brasileira, a Presidente sancionou em 20 de maio de 2015 em cerimônia no Palácio do Planalto, a Lei 13.123 (Lei da Biodiversidade), que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para a conservação e uso sustentável da biodiversidade.

De um modo geral, a nova lei traz avanços importantes, principalmente, em relação à desburocratização da legislação de acesso e repartição de benefícios. Os procedimentos de autorização prévia foram substituídos por um cadastro durante a fase da pesquisa e desenvolvimento tecnológico e por uma notificação antes do início da exploração econômica de um produto acabado ou material reprodutivo oriundos do acesso ao patrimônio genético do país e do acesso do conhecimento tradicional associado, ou seja, a repartição dos benefícios ocorre somente quando da comercialização destes produtos. O depósito de amostras do patrimônio genético nacional será necessário apenas para os casos de remessa para o exterior.

De acordo com as novas definições de acesso ao patrimônio genético e de pesquisa, a lei alcança todas as atividades realizadas com a biodiversidade brasileira, incluindo atividades que não estavam contempladas pela MP 2186-16, incluindo pesquisas relacionadas à taxonomia, descrição de novas espécies, inventários, estudos ecológicos, epidemiologia, entre outras. Apesar do fato de que a partir de agora o acesso se refere à todas as atividades realizadas com a biodiversidade nativa, para desenvolver qualquer uma destas atividades será necessário apenas um cadastro eletrônico a ser desenvolvido pelo governo.

Outra novidade deste novo marco legal é que no artigo referente às definições utilizadas na lei, há um parágrafo único assegurando que o micro-organismo que tenha sido isolado a partir de substratos do território nacional, do mar territorial, da zona econômica exclusiva ou da plataforma continental é parte do patrimônio genético.

Em relação à repartição de benefícios as regras estão mais claras e são prefixadas. A repartição pode ser não monetária e monetária, neste caso o percentual será de 1% fixado ou até 0,1% por acordo setorial. A União será indicada como beneficiária da repartição de benefícios, no caso de acesso ao patrimônio genético, e no caso de conhecimento tradicional associado, os beneficiários serão os povos indígenas, as comunidades tradicionais e agricultores tradicionais. As microempresas; empresas de pequeno porte; microempresários individuais; agricultores tradicionais e suas cooperativas com receita bruta anual igual ou inferior ao estabelecido em legislação pertinente serão excluídas da obrigação de repartir benefícios. O produto intermediário, que é aquele produto utilizado em cadeia produtiva, que o agregará em seu processo produtivo, na condição de insumo, excipiente e matéria prima, para o desenvolvimento de outro produto intermediário ou de produto acabado, também é isento da obrigação de repartir benefícios.

A nova lei institui o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), de natureza financeira, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, no qual o usuário terá que depositar o valor de 1% ou até 0,1% (por acordo setorial) da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou material reprodutivo oriundo do patrimônio genético nacional. No caso de exploração econômica de produto ou material reprodutivo originado de conhecimento tradicional associado de origem identificável, o depósito no FNRB será de 0,5% da receita líquida anual. Os recursos monetários depositados no FNRB decorrentes da exploração econômica de produto acabado ou de material reprodutivo oriundo de acesso a conhecimento tradicional associado serão destinados, exclusivamente, em benefício dos detentores de conhecimentos tradicionais associados. Quando os recursos monetários depositados no FNRB forem decorrentes da exploração econômica de produto acabado oriundo de acesso a patrimônio genético proveniente de coleções ex situ, os mesmos serão parcialmente destinados em benefício dessas coleções.

Quanto à regularização do descumprimento da MP 2186-16 de 2001, as regras estão mais flexíveis, haverá isenção de 100% do pagamento de multas por irregularidades relacionadas às regras anteriores para a pesquisa. No caso de desenvolvimento tecnológico, a isenção poderá ser de até 90% das multas e o saldo remanescente poderá ser revertido em projetos para conservação, uso sustentável de biodiversidade; transferência de tecnologias; licenciamento de produtos livre de ônus? distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social, etc.

Também houve mudanças com relação à composição do CGEN, visando inclusão de representantes da sociedade civil com direito a voz e voto. Agora a representação da academia, populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais e do setor empresarial será de no mínimo de 40% e os outros 60% serão de representantes de órgãos e entidades da administração pública federal.

A lei entrará em vigor depois de 180 dias a partir da publicação no DOU, que ocorreu em 21 de maio de 2015, um dia após sua sanção. Este é o prazo para o governo fazer a regulamentação da lei por meio de decreto, além de ser o prazo para o desenvolvimento do sistema para cadastro, notificação e autorização.

Com estes avanços os pesquisadores que estudam a biodiversidade brasileira, incluindo organismos microbianos ou de outra natureza, deixarão de ser considerados biopiratas e terão mais facilidade para entrarem na legalidade, considerando que o acesso será permitido a partir de um simples cadastro eletrônico. Adicionalmente, o pesquisador que quiser se regularizar terá 100% de isenção da multa relacionada ao descumprimento da MP 2186-16. Desta forma, poderemos voltar a pesquisar a biodiversidade brasileira com tranquilidade e assim conhecê-la de fato, o que levará à sua conservação, ao seu uso sustentável e enfim à repartição dos benefícios advindos do uso desta biodiversidade. Finalmente poderemos atender aos 3 pilares da Convenção da Diversidade Biológica.

A Fiocruz, que tem assento no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, vem acompanhando e atuando neste processo, considerando o fato dela ser uma instituição que atua fortemente em P&D&I na área de saúde.

* Manuela da Silva é assessora da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR/Fiocruz) e conselheira titular da Fundação no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético da Fiocruz. 

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