21/06/2016
O Laboratório Territorial de Manguinhos (LTM), espaço composto de pesquisadores da Fiocruz, moradores de Manguinhos, bolsistas e alunos de Ensino Médio, promoverá o debate Segurança para quem?, na próxima quinta-feira (23/6), às 13h, no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, no Centro. O encontro sobre violência e o modelo de segurança nas comunidades contará com a participação da sociedade civil, em especial moradores de favelas, autoridades governamentais, parlamentares e representantes de justiça.
Nascido do interesse de juntar ciência e cidadania para transformar as realidades urbanas complexas, repletas de injustiça social e ambiental, o Laboratório Territorial de Manguinhos produz e divulga conhecimento sobre saúde, ambiente e políticas públicas desse território. Diante do contexto de violência sofrido cotidianamente pelos moradores de territórios vulnerabilizados, o LTM se manifestou em apoio à luta dos moradores de favelas contra a violência dos aparatos de segurança do estado. O texto (confira abaixo) alerta para o genocídio praticado de forma contínua nas favelas do Rio de Janeiro e convida para o debate.
Segurança para quem?
Data: 23/6/16
Horário: 13h
Local: Auditório da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Av. Marechal Câmara, nº314 - 4º andar, Centro do Rio).
Leia abaixo a nota na íntegra.
DEMOCRACIA É SAÚDE
Contra o Genocídio nas Favelas
Estamos submetidos a diversas formas de violências, que tende a piorar com esse governo ilegítimo que atenta contra a democracia e os direitos de cidadania duramente conquistados pela nossa sociedade.
A pior das violências é a que atenta contra a vida. Talvez a pior das piores violências seja quando esta é praticada pelos aparatos do Estado. E, ainda mais terrível, quando tais violências são desconhecidas, silenciadas, pois ocorrem em sociedades desiguais contra pessoas cujos direitos são sistematicamente desrespeitados de forma radical. Trata-se de uma expressão das injustiças socioambientais e do racismo institucional que vivemos.
Sabemos e pouco fazemos para enfrentar os atentados cotidianos contra a vida nas favelas do país, em particular do Rio de Janeiro, onde moramos.
É preciso romper com o covarde e perigoso pacto de silêncio entre a sociedade carioca, o governo municipal e estadual e a mídia, sobre as arbitrariedades e as torturas praticadas pelo aparato policial contra a população das favelas. Tais territórios continuam sob o regime de exceção, sob a ditadura das armas, agora em nome da luta contra a criminalidade.
Como servidores públicos, pesquisadores do Laboratório Territorial de Manguinhos, atuando junto com moradores principalmente em Manguinhos, no Alemão e na Rocinha, acompanhamos nos últimos tempos o recrudescimento da violência policial contra cidadãos nas favelas.
A expectativa de uma polícia cidadã das UPP vem sendo frustrada no cotidiano dos moradores. As arbitrariedades e abuso de poder por parte dos policiais assumem várias formas: vão desde a abordagem agressiva e violenta, pelo pé na porta das casas das pessoas entrando sem pedir permissão ou mandado de busca e apreensão, até a violência física e roubo de pertences dos moradores, prisão e tortura nas dependências das UPP, para citar algumas das terríveis denúncias que nos chegam. Incluindo mortes como a do Amarildo, na UPP da Rocinha, e durante os “confrontos” cotidianos estampados nos jornais.
Nesse contexto, democracia, saúde e direitos humanos se expressam de múltiplas formas para além da morte. A experiência de viver sob a violência gera inúmeros impactos sobre a saúde, por vezes intangíveis e sistematicamente invisibilizados ou desconhecidos. Os processos de adoecimento têm a ver com o alto nível de tensão, a perda de sono e o medo. Isso afeta a própria rede de suporte dos moradores, que circulam informações, dão apoio aos familiares das vítimas e buscam se organizar para fazer denúncias e lutar por direitos fundamentais brutalmente violados. Redes essas muitas vezes também criminalizadas, cuja importa?ncia e? expressa no depoimento da pesquisadora Juliana Farias, da nossa equipe de pesquisa, para o vídeo “Ta Tudo Errado”, produzido em 2015 pelo LTM, sobre as viole?ncias nas favelas.
“... É necessário ter saúde para estar na militância e essas mulheres já estão passando por um processo de dor criado pelo Estado na vida delas e esse mesmo Estado, por outro caminho, também está contribuindo para esse enfraquecimento, esse adoecimento dessas mulheres. Essa mãe lida com um processo de criminalização deste filho que já está morto e nesse caminho a gente vê, são muitos casos de mães que adoecem e o serviço de saúde que é oferecido é muito ruim. Então por mais que existe o apoio dos movimentos sociais e elas mesmas se fortalecem nessa relação que elas constroem entre elas, que é uma relação muito forte, é muito duro perceber que ao longo do tempo elas ficam enfraquecidas... eu entendo que a área de saúde pode fortalecer muito estes processos...”
Como trabalhadores da saúde coletiva e de uma instituição pública como a Fiocruz, temos o dever de nos posicionarmos solidariamente frente à permanência e ao agravamento da violência praticada pelos aparatos de segurança do estado nas favelas.
Construímos o SUS como um dos mais justos sistemas de saúde do mundo, e precisamos defender o SUS em todos os espaços, principalmente onde a violência e falta de direitos se expressa de forma mais brutal. Ao falar sobre saúde, Sérgio Arouca dizia, também reproduzida no vídeo citado: Não é simplesmente que as pessoas não tenham doença. É mais. Que tenham direito a um sistema político que respeite a livre opinião, a livre possibilidade da autodeterminação de um povo, e que não esteja o todo o tempo submetido ao medo da violência."