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08/08/2016

Saúde, educação e trabalho em debate nos 30 anos da Poli

Talita Rodrigues (EPSJV/Fiocruz)


Um panorama da história da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) pelo olhar de alunos de épocas diferentes desses 30 anos de existência da Escola. Esse foi o tema da mesa de abertura do 1º Seminário Temático da EPSJV (28/7), com o objetivo de discutir o Programa Político Institucional (PPI) da unidade da Fiocruz. Na mesa Reflexões sobre os desafios da EPSJV ao longo destes 30 anos à luz do panorama e balanço político das áreas de educação, trabalho e saúde, quatro ex-alunos da Escola falaram sobre suas experiências na instituição, com a mediação do aluno Mateus Alves, integrante do Grêmio Estudantil da EPSJV.

Ex-alunos da EPSJV/Fiocruz falaram sobre suas experiências na instituição (foto: Maycon Gomes)

 

Regina Pereira, aluna do Curso Técnico em Administração Hospitalar, de 1988 a 1990, contou que estudou na Escola em uma época que a EPSJV estava começando e ainda procurava o seu caminho. “Era tudo muito novo, a própria Fiocruz questionava o papel da Escola. Ainda estava se discutindo o que era a politecnia e a nossa turma foi a ‘turma piloto’”, lembrou ela. Na mesma época, o Brasil passava pelo processo de redemocratização e os professores incentivavam a participação política dos alunos, que iriam ver pela primeira vez uma eleição direta para presidente. “Fomos a várias manifestações e até participamos de uma caravana para Brasília”, contou a ex-aluna.

Outro marco da época em que Regina estudo na EPSJV foi a criação do Sistema Único de saúde (SUS), em 1988. “Estudamos muito a lei do SUS e também divulgamos o SUS para a população”, disse ela, que ressaltou ainda que, na década de 1980, existiam poucas escolas técnicas, principalmente na área da saúde, e que as que existiam eram para os filhos das elites. “Ao mesmo tempo, não existia um grande mercado de trabalho para os técnicos da área de saúde, que acabavam se formando e não tinham onde trabalhar, exceto os técnicos em Histologia, que conseguiam emprego nos laboratórios e hospitais. O técnico em Administração Hospitalar não era reconhecido. Da minha turma, apenas uma pessoa ainda está trabalhando na área de saúde, as outras acabaram saindo por falta de oportunidade”. 

Já na turma do Curso Técnico em Histologia, de 1996 a 1999, da qual o ex-aluno Pablo Trindade fez parte, muitos permanecem até hoje trabalhando na área de saúde, assim como ele, que é neurocientista. Pablo contou que, após se formar, trabalhou no Hospital Geral de Bonsucesso como técnico, depois se formou em Biologia, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Na minha turma, metade ficou na área de saúde e todos tiveram sucesso por causa da formação que receberam aqui no Politécnico. Na minha época, foi fácil conseguir emprego porque tinha uma demanda grande e não existiam tantos técnicos, mas eu quis seguir a minha formação acadêmica e realizar meu sonho de ser pesquisador”, contou ele, lembrando ainda que fazer a monografia (exigida para a conclusão do curso) foi difícil. “Lembro que foi tão difícil fazer a monografia como um aluno do Ensino Médio, mas depois, foi tão mais fácil na faculdade com o que eu tinha aprendido aqui”, disse o ex-aluno.

Para Pablo, um dos papéis principais da Escola Politécnica em sua formação foi mostrar aos estudantes a importância de serem críticos. “Hoje, temos o ‘Escola sem Partido’, não queremos escola sem partido, queremos escolas com partidos diferentes, para mostrar diferentes visões de mundo para os estudantes. Eu trabalho com neurobiologia do desenvolvimento e sei que os jovens ainda estão em desenvolvimento do cérebro e se não forem expostos à crítica nessa fase, fica difícil formar indivíduos críticos. Acho que o Poli continua no caminho certo, formando cidadãos críticos”, destacou ele.

Outro exemplo desses “indivíduos críticos” é o ex-aluno Ramón Chaves, que fez o Curso Técnico em Gerência de Saúde nos anos 2000. Ele contou que o principal motivo que o fez se interessar por estudar na EPSJV foi o fato da Escola ter um Grêmio Estudantil. “Eu estudava em uma escola particular, com bolsa, e lá não podia ter grêmio. Uma amiga me disse que no Politécnico o pessoal era politizado e tinha grêmio. Vim aqui assistir a uma palestra da Isabel Monal (filósofa cubana) e fiquei impressionado com a escola. Fiz a prova, passei e comecei a estudar aqui”, contou Ramon, que fez parte do Grêmio Politécnico no período em que foi aluno da Escola e lembrou que na época em que entrou na EPSJV, o assunto que mobilizava o grêmio e os demais estudantes era o fim da bolsa, pois estava sendo implantado o bandejão, e os alunos não receberiam mais o auxílio financeiro para custear a alimentação. “A luta foi vitoriosa porque conseguimos manter a bolsa, que passou a ser uma bolsa social, paga para os estudantes que tinha mais necessidade financeira”, disse Ramon.

A formação crítica e o trabalho de iniciação científica que a EPSJV desenvolve com seus estudantes levou Ramon a decidir por cursar Sociologia na universidade. Atualmente, seu tema de estudo são as políticas públicas para a juventude, com ênfase no empreendedorismo nas favelas pacificadas. “Tudo isso só foi possível por causa da formação que tive aqui. Na iniciação científica, estudei temas como flexibilização do trabalho, terceirização e precarização do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde”, destacou Ramon, que em sua fala lembrou ainda da ex-aluna da EPSJV e trabalhadora da Fiocruz, Ana Carolina Cassino, morta em 2014, devido a negligência médica, após dar entrada no Hospital da Unimed com uma crise de apendicite. “Esse é um exemplo dos efeitos da mercantilização da vida e da saúde e também da concepção de saúde que existe na formação dos médicos. Ela não foi atendida porque não era vista como ser humano, mas como dinheiro. E é essa mercantilização que essa Escola enfrenta tão bem”, destacou o ex-aluno.

Felippe Cezario, ex-aluno do Curso Técnico em Vigilância em Saúde, na década de 2010, contou que sua formação na EPSJV não foi feita apenas dentro da sala de aula. “A educação não deve ser entendida só como a sala de aula. Educação se faz entre professor e estudante na rua, na sala de aula, nos assentamentos. Os espaços de debate que esta Escola oferece são raros fora daqui. A universidade nos veda os olhos. Quando a gente se depara com uma universidade, que não se debruça sobre nada, dá uma saudade desta Escola”, disse ele.

Cezario, que também fez parte do Grêmio Politécnico, contou que sempre estudou em escola pública e que só conseguiu entrar na EPSJV em sua segunda tentativa, pelo sistema de cotas. “Saí de uma escola estadual e entrei em uma escola na qual se lia Hegel, Marx e Foucault. Aprendíamos sobre a sociedade não só em Ciências Humanas, mas também em Português e Matemática. Tive professores maravilhosos que me guiaram nessa jornada e muito além do Politécnico”, contou ele, dizendo ainda que na Escola Politécnica conheceu diversos movimentos sociais e foi motivado a entender a sociedade como um todo. “Conheci MST, MTST, a Escola Nacional Florestan Fernandes. Essa vivência no território foi muito importante. Esta Escola me formou e me forma até hoje. São pessoas que nos formaram em espaços fora da Escola.”, ressaltou o ex-aluno, que hoje cursa Saúde Coletiva na UFRJ.

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