03/08/2016
As imagens de zumbis monstruosos contrastam com os depoimentos de consumidores de crack, trabalhadores, pessoas que poderiam ser consideradas “normais” pela sociedade, não fosse o estigma que carregam. O filme Crack, repensar, de Felipe Crekper e Rubens Passaro, lançado sob o selo Fiocruz na sexta-feira (29/7), no Viva Rio, chegou para desconstruir a imagem da droga derivada da cocaína.
Presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha elogiou a abordagem do filme sobre o crack (Foto: Paulo Barros)“O filme reúne questões como a produção social, a exclusão, o que é o conceito de dependência, a possibilidade de uso abusivo e internação. Ao mesmo tempo, há uma solidez na abordagem do conceito transmitida ao público, que fará a grande síntese”, opinou o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que também preside a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), durante o debate que sucedeu a projeção e lotou o salão Pablo e Ana do Viva Rio.
Em uma sociedade de dependentes, questões como a redução de danos, internação compulsória e regulação das drogas precisam ser repensadas. Essa é a proposta do documentário, que reúne depoimentos de usuários, ex-usuários, especialistas em saúde pública, acadêmicos, gestores e profissionais que atuam na promoção da justiça em um polêmico debate sobre como conviver com as drogas numa sociedade dependente como a que vivemos.
Logo após as imagens dos zumbis, aparece o grande responsável pela chamada guerra às drogas, o ex-presidente americano Richard Nixon que, por sinal, foi alvo de um impeachment em 1974. “Ele puxou com força essa guerra de uma maneira global, uma palhaçada que nos fez sofrer muito”, avaliou o diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, também membro do CBDD, durante o debate. “É o uso do poder punitivo como forma de gerenciar a exclusão”, apontou o assessor de Segurança Humana do Viva Rio, coronel Ibis Pereira.
Na fronteira entre ciência e arte, conforme definiu o diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde (Icict/Fiocruz) da Fiocruz, Humberto Trigueiros, um dos maiores méritos do filme, com 25 minutos de duração, é a costura entre o discurso de autoridades, gestores e especialistas com os personagens na desconstrução do imaginário popular sobre o que é a criminalização das drogas.
Segundo Felipe Crekper, que também participou do debate, mediado pelo vice-presidente da Fiocruz, Valcler Rangel, foram mais de 30 horas gravadas. “O filme nasceu da minha frustração pessoal com questões que tomamos como verdades, quando descobrimos que não é bem assim. Entre outras coisas, fica claro que não há um conceito científico para embasar as teses sobre o crack”, observou.
Para outra participante do debate, a psicóloga Christiane Sampaio, assessora de Saúde Mental do Viva Rio, o vídeo “é um promotor de possibilidades, mobiliza para construir novas visões”, definiu, do alto de sua trajetória profissional na rua, voltada para usuários de drogas, e participação na maior pesquisa epidemiológica sobre crack já realizada no país pela Fiocruz, divulgada em setembro de 2013. “São personagens muito bem costurados, com emblemas típicos da vida dos que usam drogas”, analisa.
Antes da projeção, a organizadora do livro Crianças, Adolescentes e Crack, Simone Gonçalves de Assis, autografou a obra escrita por 17 pesquisadores da Fiocruz, baseada em duas pesquisas realizadas pela instituição, em 2011 e 2012.