10/11/2016
Lucas Rocha e Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
Os impactos causados pelo vírus zika ultrapassam as barreiras da saúde humana. O vírus, relacionado a casos de microcefalia e outras alterações neurológicas em bebês e de síndrome de Guillain-Barré, também tem afetado a sociedade em aspectos econômicos, políticos e sociais. A avaliação foi feita por especialistas durante o terceiro dia do evento Zika, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC). “A epidemia de zika é um momento de preparação mundial para outras ondas epidêmicas que podem ser causadas por agentes infecciosos. É fundamental a reflexão de diferentes atores sociais para promover uma melhor vigilância em saúde pública mundial”, destacou a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Myrna Bonaldo, mediadora da mesa-redonda sobre o tema. O evento, que inclui os simpósios The Zika menace in Americas: challenges and perspectives e One year after the announcement of the national public health emergency in Brazil: lessons, achievements and challenges, termina nesta quinta-feira (10/11).
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros destacaram os esforços da comunidade científica para desvendar os efeitos do vírus zika no terceiro dia do evento (foto: Gutemberg Brito, IOC/Fiocruz)
O aumento de casos de crianças nascidas com microcefalia no último ano tem afetado a vida de famílias e provocado mudanças no atendimento realizado por serviços de saúde no Brasil, com destaque para a região Nordeste do país, que apresenta os maiores índices de microcefalia relacionada ao zika. O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Gustavo Matta, apresentou uma parceria entre a Fiocruz e instituições de pesquisa brasileiras e estrangeiras, que resultou no desenvolvimento de uma rede de investigação que busca analisar a epidemia de zika a partir da perspectiva social da doença. Criada em março de 2016, a rede ‘Ciências Sociais e Humanidades frente à epidemia de zika’ conta com cerca de 30 pesquisadores de diversas Unidades da Fiocruz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e de outras instituições. “A proposta do trabalho em rede é agregar estudos epidemiológicos, clínicos e de bancada às pesquisas que têm como foco aspectos sociais e humanos da tripla epidemia de Zika, dengue e chikungunya”, explica Matta, um dos coordenadores da rede.
Do impacto social às metodologias da biologia de sistemas, pesquisadores apresentaram diferentes estratégias para o enfrentamento do vírus zika (foto: Gutemberg Brito, IOC/Fiocruz)A chefe da força-tarefa para investigação de epidemias do Centro para a Saúde Global do Instituto Pasteur, Maria Van Kerkhove, apresentou um panorama global do surto de zika e elencou as principais questões de saúde pública que ainda precisam ser respondidas pela ciência. Ela ressaltou que, apesar de alguns países das Américas indicarem redução na circulação do vírus, o zika continua se espalhando e o avanço da doença na Ásia é preocupante. “Não há mais dúvida de que o zika está ligado à microcefalia, mas existem diferenças entre os países que precisam ser esclarecidas e não conhecemos a extensão total das manifestações da síndrome do zika congênita”, afirma a epidemiologista. Outras questões destacadas pela pesquisadora foram os efeitos clínicos das diferentes linhagens do vírus, os mecanismos envolvidos nas lesões, o potencial de danos e o alcance da infecção assintomática. Ela também citou a relevância da transmissão sexual da doença e aspectos ligados à competência vetorial e ao controle dos mosquitos transmissores.
Um levantamento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) citado pela pesquisadora indica que mais de 200 estudos relacionados ao vírus zika estão em andamento no mundo. Ela ressaltou que o compartilhamento dos resultados será fundamental para desvendar os mistérios da doença. “Reunir dez mil gestantes para um estudo de coorte em um único lugar é muito difícil. Mas reunindo dados de diversos locais podemos conseguir. Para isso é muito importante utilizarmos protocolos compatíveis”, avalia Maria, que participou de um esforço internacional para padronizar protocolos de estudos sobre zika. Ela acrescentou que os protocolos básicos estão disponíveis no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) e podem ser acessados gratuitamente.
A biologia de sistemas é outra abordagem que tem contribuído para a produção de estudos sobre o vírus zika. De acordo com o professor da Universidade de São Paulo (USP), Helder Nakaya, a estratégia que utiliza modelos matemáticos e computacionais pode ser utilizada para a construção de diferentes tipos de conhecimentos. “A partir da coleta de dados podemos ajudar a esclarecer os mecanismos de infecção do vírus zika e de que forma ele causa a microcefalia. Comparando a atividade de 25 mil genes em paralelo, por exemplo, é possível identificar quais deles são realmente importantes para os efeitos nocivos do vírus ao organismo”, explica Nakaya. Segundo o professor, no caso do vírus zika, a perspectiva é que a biologia de sistemas possa antecipar possíveis danos ao organismo. “Por meio de análises, é possível identificar genes que se associam a problemas de desenvolvimento. O acompanhamento de crianças nascidas sem diagnóstico de alteração neurológica, por exemplo, permite antecipar estratégias de prevenção e tratamento”, conclui Nakaya.
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