28/03/2017
Alexandre Matos (Farmanguinhos/Fiocruz)
Graças a um trabalho realizado pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se posicionou contra o pedido de patente do sofosbuvir, medicamento usado no tratamento da hepatite C. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na semana passada (20/3). O posicionamento da entidade é a primeira etapa do processo. A palavra definitiva será do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável por concessão de patentes no país.
A resposta da Anvisa é resultado dos esforços de Farmanguinhos em impedir que a empresa Gilead tenha exclusividade na produção e comercialização deste antiviral no Brasil. Indicado para tratamento da hepatite C, o sofosbuvir evita transplante de fígado, cirrose e câncer hepático. O problema é o preço extremamente alto. O custo da terapia por paciente, que hoje é de 7,5 mil dólares aos cofres públicos, já chegou a custar US$ 84 mil, o que restringe o acesso de quem precisa do medicamento.
Repercussão nacional
A petição que Farmanguinhos protocolou no INPI em fevereiro mobilizou o Conselho Nacional de Saúde (CNS) a emitir a Carta de Recomendação 007, sugerindo que a Agência Reguladora se posicionasse contrariamente à patente. O documento recomenda, ainda, que o INPI referende a decisão da Anvisa. Além disso, que priorize o exame deste medicamento a fim de acelerar o processo.
No último sábado (25/3), o colunista do jornal O Globo, Ancelmo Gois, publicou uma nota destacando a posição de Farmanguinhos e da Anvisa frente ao pedido de patente do sofosbuvir. No mês passado, a colunista Maria Cristina Frias, da Folha de S.Paulo, também ressaltou o estudo realizado pela servidora Wanise Barroso, do Núcleo de Inovação Tecnológica da unidade (NIT-Far), a fim de evitar que a empresa americana tenha a exclusividade na comercialização do medicamento no mercado nacional.
Segundo o diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe da Silva, caso a patente seja indeferida, a instituição estará apta a produzi-lo graças a uma parceria com o Consórcio BMK, formado pelas empresas Blanver Farmoquímica, Microbiológica Química e Farmacêutica e Karin Bruning. No momento, estão sendo realizados estudos de equivalência farmacêutica e de bioequivalência do medicamento.
“Esta iniciativa reafirma o papel da Fiocruz enquanto instituição estratégica de Estado e reforça a intenção de produzir localmente produtos prioritários para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e a sustentabilidade da oferta de tratamento”, destaca Hayne.
O Sofosbuvir representa grande avanço no tratamento da doença. É administrado por via oral, sendo um comprimido por dia num período de 12 semanas, isto é, 84 dias. Além de evitar uma série de complicações, substitui terapia menos eficaz, que usa injeções e provoca alguns efeitos adversos.
Impactos para a saúde
A concessão de uma patente coloca em monopólio a produção e comercialização de medicamentos que deveriam estar acessíveis para a população. Com a situação de monopólio, os preços do produto deixam de ser determinados pelo custo de produção ou pela concorrência, mas a ser definidos pelo detentor da patente, a fim de assegurar os maiores retornos financeiros.
Esta não é a primeira vez que Farmanguinhos apresenta um subsídio ao exame de patente. Em 2005, contestou a do antirretroviral Tenofovir. Tal iniciativa resultou no indeferimento da patente, o que possibilitou a produção pela unidade, beneficiando milhares de pessoas que vivem com HIV/Aids, e, ao mesmo tempo, fortalecendo o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis).
A restrição do acesso ao medicamento, em função dos altos preços, faz com que o direito à saúde, constitucionalmente assegurado, seja violado. Diante deste cenário, especialistas da Fundação argumentam que a concessão da patente a uma invenção sem o cumprimento dos requisitos de patenteabilidade é ilegal, sendo passível de anulação.