06/09/2017
Adriano De Lavor (Revista Radis)
Um astronauta flutua no espaço, tão solitário quanto os que se despedem dos seus e fogem da perseguição, das guerras e da morte, na direção incerta de um lugar onde possam continuar vivos. As imagens criadas pelo cineastairaniano Majid Adin para Rocket man (em português, O astronauta) canção composta por Elton John e Bernie Taupin, em 1972, ilustram sua própria fuga do país natal para a Europa, em 2015. Ele dirigiu, ao lado de Stephen McNally, um vídeo em animação para o antigo sucesso da dupla inglesa - premiado na edição de 2017 do prestigiado festival de cinema de Cannes, na França - onde parte de sua experiência pessoal para narrar o drama de milhões de outros refugiados que deixam seus países, pertences e famílias em busca de um lugar onde possam escapar da morte e viver com segurança e dignidade. Muitos deles procuram o Brasil.
Mas como é a vida das pessoas que cruzam a linha de suas fronteiras e buscam refúgio por aqui? Quais as dificuldades que enfrentam no seu processo de adaptação? Que reflexos a condição de refúgio imprime em sua saúde? A partir das reflexões suscitadas pela oficina de mídia Panorama do refúgio em São Paulo, organizada em março de 2017 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e pela organização Caritas Arquidiocesana de São Paulo, Radis encarou o desafio de problematizar estas questões, consultando pesquisadores e profissionais que atuam em serviços especializados, e principalmente ouvindo o relato de “astronautas” que partiram de perigos distantes em busca de vida nova neste planeta chamado Brasil. Para além das incertezas e medos, naturais para aqueles que embarcam em uma viagem involuntária que não sabem quando chegará ao fim, os relatos mostram que o sofrimento, a distância e a saudade não superam a resiliência, o desejo de liberdade e a coragem de recomeçar a vida com saúde e dignidade.
“Salaam Aleikum”, cumprimenta, em árabe, o jovem sírio Abdul Basset Jarour, sem conseguir disfarçar a timidez. À plateia de jornalistas, reunidos na sede da Caritas no Centro de São Paulo, ele parte da saudação de paz muçulmana (que significa “Que a paz esteja convosco” para narrar a saga que enfrentou antes de chegar ao Brasil, há três anos. Hoje com 27 anos, o universitário de classe média da região de Aleppo viu sua vida mudar quando foi convocado para o serviço militar obrigatório na capital Damasco, em 2010. Em tempos de guerra, a convocação - que normalmente dura em torno de um ano - não tinha data para acabar. Machucado em 2013 num ataque das forças de Israel, quando perdeu vários amigos, entrou em choque e conseguiu afastamento - momento em que aproveitou para fugir para o Líbano, país vizinho. “Foi um milagre ter escapado. Da guerra só se sai sem uma perna ou um braço”, enfatizou.
A jornada ainda não havia acabado. No Líbano, assistiu à partida de muitos sírios para o Egito, Itália, Turquia e Grécia, mas preferiu não arriscar uma fuga ilegal pelo mar. Optou pela incerteza de apostar no desconhecido e tentar a sorte no Brasil. Daqui, pouco sabia, a não ser alguma coisa sobre a natureza, o café e o futebol. No check-in para São Paulo, pediu um assento no lado com janela “para dar adeus ao mundo árabe”. Na chegada, o primeiro choque: os brasileiros não falavam espanhol, como imaginava. Pouco a pouco, foi recebendo ajuda: dormiu em uma mesquita e conheceu um grupo de africanos, que o orientaram a procurar a sede da Caritas, onde o atenderam em árabe. Um pequeno alívio para quem havia cruzado a linha da incerteza. “Nós refugiados não temos experiência em ser refugiados, agradeço a Deus por ter me mostrado um caminho para estar vivo”, emocionou-se, em um português ainda carregado de sotaque.
O drama de Abdul se assemelha ao de quase 10 mil refugiados que hoje vivem no Brasil. Somente em 2016, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, registrou um aumento de 12% no número total de pessoas vivendo em situação de refúgio no país (veja mais detalhes sobre os números aqui). No entanto, profissionais que trabalham com esta população identificam lacunas na assistência a estas pessoas. “O país ainda não conta com um plano de integração nacional para refugiados”, observou Vinicius Feitosa, assistente de proteção do Acnur, explicando que a tarefa é executada, na maioria das vezes, pela sociedade civil e pelos poderes estaduais e municipais.
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