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30/03/2020

O novo coronavírus e a cooperação internacional em saúde

Paulo Buss*


A pandemia pelo novo coronavírus impõe aos governantes tomar medidas corajosas e audazes no território nacional de cada país. Exige que eles sejam capazes de liderar a luta contra a epidemia, assumindo a gravidade da mesma e incentivando a população a seguir as recomendações da autoridade sanitária nacional, da qual, em última instância devem ser os fiadores.

Entretanto, implícito ao conceito de pandemia, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, está a importância e necessidade impostergável de cooperação política e técnica entre os países, particularmente os vizinhos, para enfrentar a enfermidade, que reconhecidamente não respeita as fronteiras geopolíticas.

A América do Sul foi um exemplo para o mundo da cooperação em saúde, durante os anos de existência da União de Nações Sul-americanas (Unasul) (2008-2019). Como parte da estrutura mais alta da governança da instituição multilateral regional, estava o Conselho de Ministros da Saúde. À época, o enfrentamento coletivo dos países às epidemias de dengue e a organização de ações comuns contra outras doenças transmissíveis emergentes e reemergentes, como o preparo coletivo para eventual introdução do vírus ebola, foram conduzidos pelo Conselho, apoiado pelos Chefes de Estado e implementado por centenas de técnicos dos Ministérios e sistemas de saúde dos Estados-membro.

A implosão da Unasul, ou seja, o rechaço ao multilateralismo regional, liquidou com o mecanismo estável que vigorou formalmente por cerca de dez anos na região. A restauração deste mecanismo político e técnico é fundamental para o enfrentamento da epidemia pelo novo coronavírus, pois simplesmente fechar fronteiras com nossos vizinhos não é a solução, especialmente para o Brasil que possui mais de 16 mil quilômetros de fronteira com os mesmos, uma vida quotidiana que sempre transcorreu com benefícios mútuos e intensa cooperação para enfrentar conjuntamente problemas comuns.

Os Ministérios da Saúde da região estão fazendo consultas entre si, mas é necessário institucionalizar tais relações no mais alto nível e intensificar as consultas e a ajuda mútua, para que medidas técnicas racionais de vigilância de saúde de fronteira, que dependem dos 12 países que tem fronteiras e histórias de amizade compartilhada sejam implementadas, com grandes benefícios para todos. Intercâmbio de dados para acompanhamento e de soluções encontradas nas várias dimensões (social, sanitária e clínica) do enfrentamento da epidemia, assim como compartilhamento racional e solidário de recursos escassos para diagnóstico e tratamento também deveriam estar contemplados nesta cooperação.

A formalização e institucionalização dessas relações intergovernamentais no mais alto nível abrirá caminho e incentivará uma vital cooperação entre Universidades, Institutos de Pesquisa, Escolas de Saúde Pública e graduações nas profissões da saúde, visando estabelecer capacitação de recursos humanos e desenvolvimento de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que respondam às necessidades comuns aos países da nossa região, no enfrentamento da epidemia do novo coronavírus. 

*Paulo Buss é coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), professor emérito da Fundação e membro titular da Academia Nacional de Medicina

Texto originalmente publicado no Blog da Saúde do VioMundo (28/3/2020)

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