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17/03/2023

Painel debate políticas afirmativas para equidade de gênero e raça

Thayssa Maluf (Fiocruz Mato Grosso do Sul)


A luta contra a desigualdade social, o racismo e a violência é um desafio constante para as mulheres negras e indígenas em todo o mundo. No Brasil, a situação não é diferente e tem sido tema de discussão em diversos setores da sociedade. Para debater o tema Desigualdade social, racismo e violência: Perspectivas e estratégias de mulheres negras e indígenas, a Fiocruz Mato Grosso do Sul realizou (14/3) um painel online com a participação de especialistas e ativistas que atuam em diferentes áreas.

A mediadora do evento, Raquel Dias Scopel, pesquisadora em saúde pública da Fiocruz Mato Grosso do Sul e integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, destaca a importância de se debater o tema. "O debate e a reflexão crítica devem ser constantes para combater práticas e narrativas que naturalizam e justificam as desigualdades sociais, o racismo e violência estrutural. E este debate não seria efetivo sem a participação das pessoas que se dedicam a estudar ou que são diretamente afetadas pelas consequências desse longo processo de racismo e violência estrutural, até porque, como veremos no evento, algumas estratégias para enfrentarem situações de violência têm sido mobilizadas pelas próprias comunidades, que conhecem suas realidades e os desafios que o contexto local coloca para a realização efetiva de políticas públicas que caminham na direção da cidadania, dos direitos humanos e da justiça social", explicou Scopel. "Como antropóloga, tendo a enfatizar a relevância do saber local e da participação social dos atores diretamente envolvidos na promoção da vida".

Pesquisas apontam que a desigualdade social, o racismo e a violência são problemas estruturais no Brasil que afetam desproporcionalmente as mulheres negras e indígenas. De acordo com o Atlas da Violência 2021, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres brancas. Já a taxa de homicídios de mulheres indígenas foi 2,5 vezes maior do que a de mulheres não indígenas.

Jaque Kuña Aranduhá, co-fundadora da ANMIGA e conselheira da Kunangue Aty Guasu, destacou a importância da união entre mulheres negras e indígenas na luta contra a opressão. "Precisamos romper com o racismo estrutural que nos mantém em condições de vulnerabilidade social e econômica. Isso passa por políticas afirmativas e pelo reconhecimento da nossa ancestralidade e saberes", afirmou.

A desigualdade social também se reflete na distribuição de renda no país. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019, a renda média mensal per capita dos domicílios chefiados por mulheres negras era de R$ 1.127, enquanto a dos domicílios chefiados por mulheres brancas era de R$ 1.944.

O professor adjunto do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Glenio Alves de Freitas, ressaltou a necessidade de uma abordagem interseccional para entender as diversas formas de opressão que afetam as mulheres negras e indígenas. "É fundamental olharmos para as interações entre raça, gênero, classe e outras dimensões para entender como essas mulheres são afetadas pela violência, pelo racismo e pela desigualdade social. O fato de serem mulheres pretas e indígenas, já aumenta a vulnerabilidade e riscos com maior amplitude. Isso também afeta o acesso a escola e serviços de saúde e mesmo quanto existe o acesso essas mulheres sofrem com a violência institucional”, destacou o professor.

Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que as mulheres negras e indígenas têm menor acesso a serviços básicos de saúde, educação e saneamento básico. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2019, enquanto a taxa de analfabetismo entre as mulheres brancas foi de 5,6%, entre as mulheres negras foi de 12,8% e entre as mulheres indígenas foi de 24,2%.

A docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados, Claudia Cristina Ferreira Carvalho, enfatizou a importância da educação como ferramenta de transformação social. "A escola precisa se tornar um espaço de respeito e valorização da diversidade. É preciso incluir a história e as contribuições das mulheres negras e indígenas nos currículos e nos materiais didáticos. A escolarização de base não pode ser excludente assim, é necessário instrumentalizar pensamentos críticos, acesso a cultura e inserção no mercado de trabalho com as mesmas oportunidades para todos", afirmou. "Atrelado a isso, é necessário política públicas constantes para que essas pessoas assumam funções decisórias nos espaços. Hoje, o quadro de Doutores e Pós-doutores negros, por exemplo, existe em uma grande proporção e mesmo assim o racismo institucional existe e coloca pessoas com menor qualificação pelo simples fato da pessoa ser da cor branca”.

O racismo estrutural também se manifesta na falta de representatividade e reconhecimento das contribuições das mulheres negras e indígenas na sociedade brasileira. Realizada pela Agência Pública em parceria com a Open Society Foundations, uma pesquisa analisou as fontes de reportagens sobre direitos humanos em dez veículos de imprensa brasileiros e identificou que 71% das fontes entrevistadas eram brancas, enquanto apenas 11% eram negras e 4% indígenas. Ainda segundo o estudo, em 55% das reportagens analisadas, nenhuma pessoa preta foi entrevistada.

Jornalista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e integrante da Coordenação Colegiada do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Marina Maria destacou a importância da comunicação para combater o racismo e a violência contra as mulheres negras e indígenas. “Além de assegurar espaço para diversidade de pessoas e reforçar o valor dessa diversidade, nós da comunicação temos a responsabilidade de disseminar práticas mais inclusivas e que reforcem a equidade. O que escrevemos, produzimos, o que circula nos canais de comunicação impacta pessoas, corpos, vidas. E é fundamental que tenhamos o compromisso com práticas inclusivas, ou seja, antirracistas, antisexistas, anticapacitistas, enfim, antidiscriminatórias é pela potência da vida”, ressaltou.

De acordo com os palestrantes, todos esses dados revelam a urgência de políticas públicas e ações afirmativas para promover a equidade de gênero e raça no Brasil, com foco nas mulheres negras e indígenas. A luta dessas mulheres é uma luta por justiça social e por direitos, e é importante que a sociedade e o Estado se comprometam com essa causa e adotem políticas efetivas para a promoção da equidade.

A pesquisadora Raquel Dias Scopel ainda destacou a importância do debate sobre a equidade de gênero e raça na agenda pública. “É extremamente urgente retomar, adequar e construir novas políticas públicas que promovam a equidade de gênero e raça, a atenção diferenciada aos serviços de saúde e de educação, a participação social e a proteção do meio ambiente, até porque vimos o desmonte de políticas em todas essas áreas no governo passado. Ao acompanhar o movimento e a luta das mulheres indígenas, negras, campesinas, entre tantas outras, fica evidente que suas lutas se cruzam, tanto na denúncia de violências de gênero, como na busca por direitos sociais, melhor qualidade de vida, melhorias nas condições de saúde e na proteção de suas vidas. Chama a atenção que a luta delas, também, abrange a busca por maior justiça social que ultrapassam as violências de gênero para abarcar áreas que afetam toda comunidade, como falta de terra, racismo e as consequências das desigualdades sociais na condução da vida cotidiana”, concluiu.

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