10/07/2019
Flávia Lobato (Campus Virtual Fiocruz)
Precisamos conversar sobre ciência. Com quem faz e com quem não faz pesquisa. Sensibilizar estudantes, professores, pesquisadores, financiadores e governos. Mobilizar a sociedade para que entenda, apoie e cobre investimentos na área. E isso pressupõe ouvir, saber o que pensam, dialogar. Neste sentido, é fundamental estimular e fortalecer iniciativas de divulgação científica.
Essa é a mensagem que precisa ser difundida em todos os campos do conhecimento. É o que acredita a pesquisadora Luisa Massarani, coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e do mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Craque no assunto, ela coordena os cursos de divulgação científica oferecidos na pós-graduação da Fiocruz e também um novo curso aberto ao público, desenvolvidos pelo Campus Virtual Fiocruz. No final de junho, compartilhou publicamente os resultados da pesquisa nacional O que os jovens pensam sobre ciência e tecnologia no Brasil?, realizada pelo INCT.
Massarani é a entrevistada do Campus Virtual Fiocruz em celebração ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico (8/7) (foto: Wikipédia)
Em 2016, Massarani foi agraciada com o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e, em 2015, recebeu o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia. Atualmente, é diretora-executiva da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América Latina e no Caribe (RedPOP), que recebe apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Massarani é a entrevistada do Campus Virtual Fiocruz em celebração ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico (8/7). Confira a seguir:
Campus Virtual Fiocruz: Você está à frente do INCT em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia. Fale sobre o papel do Instituto e suas principais iniciativas recentes.
Luisa Massarani: A divulgação científica como campo acadêmico tem crescido bastante no Brasil e na América Latina, especialmente nas duas últimas décadas — o que nos motivou a criar este INCT. Trata-se de uma rede de grupos de pesquisa nacionais e internacionais, que tem o objetivo de realizar estudos de alto impacto e gerar novos conhecimentos na área. O INCT-CPCT foi aprovado em 2016, na Chamada INCT nº 16/2014, coordenada pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAP), iniciando as atividades em 2017.
O Instituto reúne mais de 100 pesquisadores, de 25 universidades e instituições científicas brasileiras e internacionais. O INCT investiga, desenvolve, aplica e testa um conjunto de metodologias, instrumentos e ações, relacionadas à divulgação científica, que contribuam para a melhoria das atividades neste campo. Dessa forma, fornece subisídios para aprimorar políticas públicas no setor e promove a formação e qualificação de pessoas capacitadas para atuar em pesquisa e atividades da área.
O INCT tem quatro linhas de pesquisa: Percepção pública da C&T; Ciência na mídia: estudos de representações sociais, das relações entre ciência e mídia e de audiência/recepção; Estudos em museus de C&T e outros espaços científico-culturais; Políticas públicas em popularização da C&T e participação cidadã.
Campus Virtual Fiocruz: Entre estas ações está a pesquisa nacional O que os jovens pensam sobre ciência e tecnologia no Brasil?, com 2.206 jovens entre 15 e 24 anos, e questões novas que refletem também a percepção sobre fake news, por exemplo. Que resultados você destaca quanto à formação e educação científica? Algum aspecto do levantamento te surpreendeu, particularmente?
Luisa Massarani: Um dos primeiros aspectos que vale destacar é o fato de que os jovens expressaram interesse por temas de ciência e tecnologia – maior do que por esportes. Isso coloca em xeque nosso imaginário de que não se interessam pela área. Também observamos que eles confiam na ciência e em cientistas.
Mas observamos também uma mudança no ecossistema das informações, em que os jovens protagonizam menos a busca e o acesso a informações de ciência e tecnologia. Segundo relatam, é a informação que chega a eles, muitas vezes pelas redes sociais — que eles mesmos dizem ser a maior difusora de fake news. No que se refere a fake news (de maneira geral e também na área da ciência), os jovens expressam se sentir angustiados e inseguros, pois consideram difícil identificar se uma notícia é verdadeira ou falsa.
Campus Virtual Fiocruz: O estudo mostra que os jovens reconhecem a importância da ciência e dos cientistas. Mas 87% deles desconhecem instituições que se dedicam à pesquisa científica e apenas 5% consegue mencionar o nome de um cientista brasileiro. A que isso pode ser atribuído, como os pesquisadores avaliaram esta questão?
Luisa Massarani: Infelizmente, o baixo conhecimento de instituições e de cientistas brasileiros não se restringe aos jovens. Nossos estudos semelhantes com pesquisas (survey) destinadas à população adulta mostram tendência similar. Os resultados alertam que precisamos criar um número ainda maior de programas sistemáticos para divulgar a ciência e cientistas de nosso país para jovens e para diferentes públicos. Observamos que muitos jovens não relacionam as universidades públicas à produção de pesquisa científica – e são nelas que são realizadas 95% das pesquisas do Brasil, o que evidencia a urgência de desenvolver mais programas para difundir esses conhecimentos e informações
Campus Virtual Fiocruz: E dentro das próprias instituições de pesquisa, ciência e tecnologia, quais são os principais desafios relacionados à formação para promover uma cultura de comunicação pública da ciência?
Luisa Massarani: Precisamos criar programas com três características: 1) sensibilização dos cientistas, de forma que se preocupem e estabeleçam um diálogo com a sociedade; 2) capacitação de cientistas, para possibilitar e facilitar esse diálogo; 3) que ofereçam condições aos cientistas para que possam estabelecer tal diálogo. Esse tripé sustenta minha atuação como assessora da Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz (VPEIC), desde 2017. Pensando nisso, colocamos em prática duas iniciativas: 1) lançamos em 2018 (e repetimos a iniciativa em 2019) um edital de apoio à divulgação científica para pesquisadores e pós-graduandos podem submeter suas propostas; 2) lançamos um curso online de divulgação científica, que oferece ferramentas para permitir um melhor diálogo entre cientistas e a sociedade.
Campus Virtual Fiocruz: A disciplina Divulgação Científica foi concebida como uma ação transversal na pós-graduação e é oferecida desde 2018. Agora, a vice-presidência está lançando um curso EAD com o mesmo tema, e que é aberto ao público em geral. Comente o papel destas ações, por favor.
Luisa Massarani: Como mencionei antes, na pós, a disciplina faz parte de um programa mais amplo, que visa sensibilizar, empoderar e apoiar pesquisadores para que mantenham um diálogo com a sociedade. O curso vale créditos para mestrandos e doutorandos. Além de permitir que os diferentes programas engajem seus alunos no tema, é uma oportunidade para que alunos de diferentes programas interajam em torno da divulgação científica. Ou seja: estamos fomentando um tema associado à responsabilidade social para cientistas de todas as áreas. Em 2018, uma versão piloto foi oferecida para cerca de 100 alunos, que avaliaram e validaram a iniciativa. Este ano, a disciplina está sendo oferecida novamente.
Há também uma versão do curso que é aberta a qualquer pessoa interessada. E ainda oferecemos um terceiro formato, sob demanda, para turmas fechadas. Este ano, estamos elaborando um curso para professores de escolas do estado do Rio de Janeiro, a pedido da Fundação Cecierj. Outro exemplo: a Fiocruz Bahia propôs uma parceria para formação e sensibilização dos alunos e pesquisadores da unidade, em que, além do curso, realizamos atividades presenciais.
Campus Virtual Fiocruz: Outra dimensão num cenário de instabilidade diz respeito ao fomento e ao financiamento. O ano de 2018 marca o início de uma atuação mais indutiva na Fiocruz, com o lançamento dos editais para apoiar projetos de divulgação científica. Que resultados esta iniciativa tem apresentado?
Luisa Massarani: Como disse, o edital para projetos de divulgação da ciência apoia projetos de pesquisadores, estudantes e profissionais da Fiocruz. E por que apoiar a divulgação da ciência? Grande parte das pesquisas são custeadas por dinheiro público e cabe aos cientistas dar retorno à sociedade, é uma questão de responsabilidade social. A área de divulgação científica, inclusive, está prevista no estatuto da Fiocruz.
Também vale lembrar que a ciência está perdendo status e recursos no contexto internacional e no Brasil. Portanto, fazer divulgação científica é uma questão de sobrevivência.
Quando lançamos o primeiro edital, em 2018, tivemos a grata surpresa de receber 145 propostas bastante qualificadas e criativas, oriundas de 20 unidades/setores da Fiocruz, e de 9 estados brasileiros. Por outro lado, mesmo explicitando que o objetivo é promover o diálogo de pesquisadores com a sociedade, recebemos muitas propostas de iniciativas unidirecionais, em que os pesquisadores transmitem conteúdos para os públicos. Outros pontos que chamaram atenção: apenas 40% dos projetos previam ação/estratégia de avaliação, e somente 7% mencionaram ações de acessibilidade, tema prioritário na Fiocruz. Em 2019, lançamos novo edital, que está em fase de avaliação no momento. Em todas as nossas iniciativas, temos uma premissa: precisamos, de fato, promover um diálogo entre cientistas e os distintos públicos com os quais nos relacionamos.
Na AFN
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