07/02/2014
A Editora Fiocruz foi criada em 1993 e publicou seus primeiros títulos no ano seguinte. Por isso, as comemorações dos seus 20 anos, iniciadas no ano passado, se estenderão por 2014. Em 2013, como parte das celebrações, realizou-se o seminário O Futuro do Livro É o Livro, na Academia Brasileira de Letras (ABL). Para este ano, estão previstos a reformulação do sítio da Editora na internet e o desenvolvimento do seu primeiro e-book interativo, entre outros projetos. Os desafios da Editora para o futuro estão entre os assuntos abordados nessa entrevista com o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que fala também sobre a importância de uma editora acadêmica, especialmente no contexto da saúde pública. A entrevista foi feita por Letícia Taets, aluna do Colégio Pedro II, unidade Duque de Caxias, que participa do Programa de Vocação Científica (Provoc) da Fiocruz.
O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, fala sobre a importância de uma editora acadêmica, especialmente no contexto da saúde pública (foto: Peter Ilicciev)
Por que considera importante uma editora na Fiocruz?
Paulo Gadelha: A Editora Fiocruz é uma editora acadêmica. Ela não tem por objetivo a questão comercial, embora, como qualquer empreendimento, busque a sustentabilidade e preze pela qualidade de suas produções. E o fato de ser acadêmica define um perfil diferenciado: a escolha de suas temáticas, o tratamento que dá aos materiais que serão editados e a forma como estimula as publicações indicam uma vocação, que, no caso da Fiocruz, significa um compromisso com as áreas de saúde, ciência, tecnologia e todas as suas interfaces. Essa vocação já justifica plenamente a existência da Editora Fiocruz. Ela estimula que os trabalhos acadêmicos, na Fiocruz e em outras instituições, sejam traduzidos em produtos editoriais, disponíveis para todo o Brasil e valorizados pelo padrão de qualidade da Editora Fiocruz. Ela funciona como um estímulo à inovação no campo acadêmico e contribui para que os conhecimentos cheguem à população, fomentando reflexões e debates, consolidando uma cultura científica e orientando a busca das respostas de que o país precisa no campo da saúde e da ciência e tecnologia.
O conhecimento, então, precisa ultrapassar os muros da academia?
Gadelha: Sim. O conhecimento científico, atualmente, está enclausurado. Ele deve ser traduzido e apropriado, em processos de informação e formação. É preciso alargar as percepções e aumentar a participação das pessoas.
É um desafio...
Gadelha: Um exercício pedagógico! O cientista era reconhecido por sua forma de expressão hermética, carregada de referenciais e jargões do seu campo de conhecimento. Mas isso se tornou uma grande barreira. E hoje existe o incentivo para formas expressivas mais democráticas e inclusivas. O livro, nesse sentido, tem características muito especiais. Enquanto o artigo científico, muitas vezes, é voltado para uma comunidade específica e atende a critérios e finalidades mais técnicos, o livro tem uma transcendência, uma forma de linguagem que atinge públicos mais amplos. Este é o destino do livro.
Poderíamos dizer que o livro constitui um exercício duplamente pedagógico, para o leitor e para o autor?
Gadelha: Sem dúvida. Há uma frase de Carlos Chagas que costumamos repetir: “não vai demorar que passemos adiante uma bela e forte ciência que faz arte em defesa da vida”. Ou seja: a ciência deve ser transmitida a outros; é fundamental que ela tenha os mais variados interlocutores. Essa questão já estava no nascedouro da proposta de constituir uma editora na Fiocruz. E, hoje, a trajetória da Editora Fiocruz revela um aprendizado enorme nesse sentido.
Poderia exemplificar esse aprendizado?
Gadelha: Os campos do conhecimento se organizam, consolidam e legitimam por meio de instrumentos como cursos de pós-graduação e periódicos científicos. Os livros e as coleções também desempenham essa função. A decisão de criar uma coleção voltada para saúde mental ou história da saúde é um modo de fazer um recorte, chamar a atenção e dar coesão para trabalhos que estão sendo desenvolvidos no campo, ajudando a consolidá-lo. Os livros e coleções da Editora Fiocruz sinalizam a existência de campos com produção acadêmica significativa e também induzem a realização de novos trabalhos direcionados a esses campos. Um exemplo é a coletânea Fundamentos da Paleoparasitologia, que, inclusive, recebeu um prêmio Jabuti. Esse livro materializa um campo em que a Fiocruz foi pioneira; trata-se de uma obra que, ao mesmo tempo, é referência e confere visibilidade a uma disciplina relativamente nova.
Qual a sua avaliação sobre o período em que foi diretor da Editora Fiocruz?
Gadelha: Trabalhei e me dediquei muito à Editora, reconhecendo sua relevância e os avanços já obtidos em gestões anteriores. Tive uma preocupação grande em prover infraestrutura e condições para que a Editora atingisse patamares de profissionalismo. Um aspecto importante foi o investimento de recursos orçamentários: uma editora com as características da Editora Fiocruz, em sua fase de consolidação, exigia um investimento institucional para alavancar a sustentabilidade do projeto. Também busquei reforçar a capacidade de interlocução da Editora Fiocruz com as associações e redes de editoras, especialmente as universitárias, bem como fortalecer a conformação do conselho editorial.
Como presidente da Fiocruz, quais os planos para o futuro da Editora?
Gadelha: Acredito que os passos futuros serão na direção do reconhecimento e da valorização da Editora como parte significativa dos projetos institucionais da Fiocruz. Também vejo uma demanda muito forte em relação aos meios comunicacionais, ao convívio entre mídias impressas e virtuais, e às questões ligadas ao acesso ao conhecimento. Será cada vez mais decisivo a Editora interagir com outras esferas da comunicação, da própria Fiocruz (Canal Saúde, VideoSaúde, Museu da Vida etc.) e externas (redes sociais). A Editora deve se repensar e atualizar, inclusive sobre formas de chegar ao público de maneira mais criativa e dinâmica, o que passa pelo universo da divulgação científica. Ela também deve reforçar seu papel de antecipar e induzir a produção acadêmica em áreas portadoras de futuro, contribuindo para a projeção institucional da Fiocruz nessas áreas. Essa indução pode englobar também as relações entre saúde e cultura, meio ambiente, modos de vida. A Editora tem que ser um instrumento de conhecimento, mas também de comunicação, criação e participação.