Início do conteúdo

24/08/2015

Professor da USP destaca projetos educacionais inovadores no Brasil e no mundo

Ricardo Valverde


Professor da Universidade de São Paulo (USP) e orientador de projetos educacionais inovadores e pesquisador no Instituto Singularidades (SP), José Moran afirma que as instituições educacionais que mostram novos caminhos estão, progressivamente, apostando em currículos mais flexíveis.

Em entrevista, Moran diz ainda que prevalecerão, no médio prazo, as “instituições que realmente apostem na educação com projetos pedagógicos atualizados, com metodologias atraentes, com professores e tutores bons, com materiais muito interessantes e com inteligência nos sistemas”.

Convidado do Seminário Educação, Saúde e Sociedade, José Moran participará da mesa-redonda Projetos inovadores com metodologias ativas em cursos presenciais e online, na quarta-feira (26/08), às 9h.

Que projetos educacionais inovadores, que melhor aproveitam as novas tecnologias, o senhor destaca no Brasil e no mundo?

José Moran: As instituições educacionais que nos mostram novos caminhos estão mudando para currículos mais flexíveis, mais centrados em que os alunos aprendam a integrar conhecimentos amplos, valores, projeto de vida através de problemas reais, desafios relevantes, jogos, atividades e leituras individuais e em grupo; presenciais e digitais. 

Podemos combinar tempos e espaços individuais e grupais, presenciais e digitais, com maior ou menor supervisão. Aprendemos melhor quando combinamos três processos de forma equilibrada: a aprendizagem individual: cada um pode aprender o básico por si mesmo (aprendizagem prévia, aula invertida), com pouca interferência direta do professor; aprendemos mais uns com os outros (aprendizagem entre pares, através de diferentes atividades, grupos, redes); e a aprendizagem mediada por pessoas mais experientes (professores, orientadores, mentores).

A maioria das instituições faz mudanças progressivas: Mesmo mantendo as disciplinas, procuram interligá-las através de projetos ou problemas comuns. As metodologias são mais ativas, centradas no aluno e invertem a forma de ensinar: o estudo inicial é feito pelo aluno e o mais aprofundado acontece em aula com o apoio do professor. Há uma forte ênfase na personalização do currículo e em que cada aluno desenvolva seu projeto profissional e de vida, de forma transversal, ao longo do curso.

Alguns grupos, liderados por gestores visionários e empreendedores, propõem mudanças mais profundas, com desenhos curriculares e arquitetônicos mais abertos. Há escolas mais em contato com a natureza, que tem vantagens inegáveis para projetos de ecologia de aprendizagem mais integral (como o Projeto Âncora), mas também há projetos em comunidades carentes como o da Escola Municipal Campos Salles, em que os alunos desenvolvem roteiros de aprendizagem personalizados, em pequenos grupos, com o acompanhamento dos Professores Tutores e o apoio dos dados da evolução de cada aluno, fornecidos online por uma plataforma adaptativa.

Um dos muitos modelos interessantes para pensar como organizar a “sala de aula” de forma diferente é olhar para algumas escolas inovadoras. Por exemplo os projetos das escolas Summit (Summit Schools) da Califórnia equilibram tempos de atividades individuais, com as de grupo; sob a supervisão de dois professores, de áreas diferentes (humanas e exatas) que se preocupam com projetos que permitam olhares abrangentes, integradores, sem disciplinas. Acompanham o progresso de cada aluno (toda sexta-feira conversam individualmente com cada aluno) e cada aluno tem um mentor, que o orienta no seu projeto de vida. Os alunos fazem avaliações quando se sentem preparados. As competências socioemocionais são muito enfatizadas assim como o desenvolvimento de atividades e projetos em organizações fora das escolas. 

O ambiente físico das salas de aula e da escola como um todo também foi redesenhado por estas escolas mais inovadoras, mais centrado no aluno. As salas de aula são mais multifuncionais, combinem facilmente atividades de grupo, de plenário e individuais. Os ambientes estão cada vez mais adaptados para uso de tecnologias móveis.

Outro conjunto de escolas interessantes são as escolas públicas High Tech High que lembram laboratórios multiuso, onde os alunos vão da ideia à realização e apresentação dos seus projetos, com apoio de ferramentas físicas e digitais, entre elas as impressoras 3-D. Há uma ênfase na cultura do fazer (cultura maker) e nas competências socioemocionais.

No Ensino Superior a área de saúde foi pioneira em trabalhar com solução de problemas (PBL), já na década de sessenta através da Universidade McMaster, no Canadá e a Universidade de Maastricht na Holanda. Muitos cursos de Medicina trabalham com problemas e também muitos cursos de Engenharia adotam a Metodologia de Projetos, como o Olin College  e, no Brasil, o Insper. Instituições inovadoras como o Institute of Design de Stanford admitem alunos de todas as áreas de conhecimento e desenvolvem projetos criativos através da metodologia do Design Thinking .

Outra proposta interessante é a da Uniamérica de Foz de Iguaçu, que aboliu em cursos como o de Biomedicina, Farmácia e as Engenharias, a divisão por séries e o currículo não é organizado por projetos e aula invertida. Ao tirar a divisão por disciplinas, orientamos todas as competências necessárias através de projetos semestrais temáticos. O aluno escolhe um problema real de sua comunidade ou região para trabalhar os temas daquele período. As aulas expositivas também foram abolidas. Agora, os alunos estudam os conteúdos em casa ou onde preferirem. São disponibilizados em uma plataforma on-line vídeos, textos e um conjunto de atividades às quais os estudantes devem se dedicar antes de ir para a aula. Essas atividades são de dois tipos: um primeiro de fixação e garantia de compreensão do conteúdo, e outro de problematização, que estimula a pesquisa e a transposição do conhecimento para problemas reais. Com isso, o tempo em sala de aula é usado para que os temas sejam debatidos mais profundamente e também para a realização dos projetos do semestre.

Que rumos prevê para a educação a distância?

José Moran: A educação como um todo cada vez é mais híbrida, misturada com atividades digitais, com muitas das técnicas utilizadas até agora mais a distância.  Não deveríamos ter mais uma separação legal entre a educação presencial e a distância, porque na vida transitamos ininterruptamente entre o mundo físico e o digital; assim também deveria ser na educação.

As instituições que atuam na EAD terão relevância quando apresentem modelos mais eficientes, atraentes e adaptados aos alunos de hoje; quando superem os modelos conteudistas predominantes, em que tudo é previsto antes e é aplicado de uma forma igual para todos, ao mesmo tempo, de forma convencional.

Prevalecerão, no médio prazo, as instituições que realmente apostem na educação com projetos pedagógicos atualizados, com metodologias atraentes, com professores e tutores bons, com materiais muito interessantes e com inteligência nos sistemas (plataformas adaptativas) para ajudar os alunos na maior parte de suas necessidades,  reduzindo o número de horas de tutoria, mas com profissionais mais capacitados para gerenciar  atividades de aprendizagem mais complexas e desafiadoras. É possível hoje oferecer propostas mais personalizadas, monitorando-as, avaliando-as em tempo real, o que não era viável na educação a distância mais massiva ou convencional.

As instituições utilizarão o blended como modelo predominante de educação, que unirá o presencial e o EAD. Os cursos presenciais se tornarão semipresenciais, principalmente na fase mais adulta da formação, como a universitária. Os a distância partem do modelo mais semipresencial e se fortalecem no online. O caminho é o da convergência em todos os campos e áreas: prédios (EAD também dentro de unidades presenciais – polos); integração de plataformas digitais; produção digital de conteúdo integrada (os mesmos materiais para as mesmas disciplinas do mesmo currículo).

Há necessidade de melhorar a gestão, de cortar custos desnecessários, de baixar preços finais no presencial e no a distância. É possível fazer isso com inteligência, sinergia, escala, eficiência, melhoria nos projetos, nas metodologias, nas tecnologias.

As instituições que implantem modelos, que equilibrem economia e inovação, melhorando os processos gerenciais e acadêmicos, serão vencedoras. Há muitas possibilidades de sinergia entre o presencial blended, o semipresencial e o online. O currículo pode estar plenamente integrado, com disciplinas online no presencial e no EAD, com materiais interessantes e comuns para ambos. Em todas as disciplinas ou módulos os professores podem ser mais orientadores, utilizando formas criativas da sala de aula invertida. Mas não se preparam bons alunos com profissionais desmotivados e mal remunerados.

Os profissionais de educação brasileiros estão preparados e estimulados para os desafios postos pelas novas tecnologias? Como ampliar a qualificação deles?

José Moran: Muitos profissionais não estão bem preparados. As condições de trabalho, formação e salariais também dificultam.  Mas o problema principal está dentro deles: têm medo de mudar, de experimentar, de sair da trilha conhecida, de que algo não dê certo e sejam mal avaliados.

Uma das aprendizagens institucionais mais necessárias é a de desenvolver um clima de apoio aos docentes que experimentam, de confiança e incentivo ao seu trabalho, admitindo a possibilidade de erros e, quando acontecem, continuar mantendo o apoio para seguir experimentando. Onde não existe esse ambiente de confiança a inovação permanece confinada em projetos pontuais e desconexos. Para mudar é necessário conversar de forma ampla, compartilhar as melhores práticas, estimular a experimentação, a colaboração entre colegas de áreas diferentes. Só se faz educação inovadora num clima de confiança, de apoio, de incentivo.

O entendimento profundo e a comunicação verdadeira são provavelmente as questões mais complexas e difíceis de todas. Em cada instituição as pessoas têm visões diferentes, formações diferentes, estruturas organizacionais burocráticas e precisam chegar a consensos possíveis, a acordos viáveis para definir caminhos, estratégias, implementar políticas, processos e avaliar os resultados. Se a instituição educacional é muito burocrática e as decisões são tomadas por um grupo restrito, sem envolvimento de todas as áreas, as mudanças serão mais aparentes do que reais porque muitos não avançarão de verdade, mas só na aparência.

Que avaliação faz do ensino no Brasil atual? Quais as maiores carências? E as virtudes?

José Moran: Há avanços e muitos problemas. Avançamos muito na universalização do acesso à educação básica e estamos evoluindo na democratização do acesso ao ensino superior. É também positivo a rapidez do brasileiro em aprender novas situações e em adaptar-se a elas.

Mas há questões estruturais que dificultam os avanços na educação. O difícil no Brasil é aumentar o número de escolas – públicas e privadas - de qualidade; de escolas com bons gestores, docentes e infraestrutura, que consigam motivar os alunos e que realmente promovam uma aprendizagem significativa, complexa e abrangente. Faltam muitas condições estruturais – carreira, formação, valorização – para poder cobrar essa melhoria, mas esse é um desafio de longo prazo para toda a sociedade. Precisamos de políticas consistentes de formação, para atrair os melhores professores, remunerá-los bem e qualificá-los melhor; de políticas inovadoras de gestão, que levem os modelos de sucesso de gestão da iniciativa privada para a educação básica e superior.

A formação de professores presencial e a distância, continua, em geral, organizada de forma previsível e repetitiva. Os projetos pedagógicos costumam falar em currículos inovadores, flexíveis e com ênfase nas práticas, mas o discurso não é coerente com a realidade. Hoje precisamos avançar muito mais. Currículos realmente inovadores devem ser acompanhados de metodologias ativas, ensino híbrido e de vivências dos alunos das novas formas de ensinar e de aprender que o mundo conectado nos disponibiliza.

Na gestão pública da educação um dos maiores desafios é a descontinuidade de políticas educacionais anteriores, na troca das autoridades no âmbito federal, estadual e municipal. Cada governante revê, ao menos parcialmente, os programas e projetos anteriores, muitas indicações nas equipes não são por competência e se perdem recursos humanos e econômicos importantes, além dos desvios por corrupção.

Outro desafio importante é o de fortalecer as políticas públicas para o avanço rápido na convergência digital no currículo (competências), nas metodologias (ativas, projetos), com tecnologias móveis, superando o conceito de laboratório e envolvendo gestores, professores e alunos em ensino focado no aluno, na colaboração e na personalização, principalmente nas escolas públicas.  Com programas de formação continuada para todos.

Um desafio mais específico é o de repensar profundamente os cursos de formação de professores num mundo digital. Há um descompasso gritante entre o currículo ensinado e o necessário para preparar professores para ensinar a alunos nascidos já com as tecnologias móveis.

Mas as maiores dificuldades são as mentais e emocionais: a inércia, o medo de mudar, de fazer experiências, de errar e evoluir sempre.

Como vê a adoção, pelo governo federal, do slogan “Pátria Educadora”?

José Moran: É um belo slogan. Mas a pátria educadora é um projeto de longo prazo, de todos, de continuidade. É um projeto que nunca acabará, porque quando alcançarmos um novo patamar na educação precisará sempre ser revisto, reavaliado e continuamente modificado. O que pedimos é que haja coerência entre o slogan e as ações concretas. Não é só uma tarefa de governos e secretarias, mas de cada um de nós. Quanto mais aprendemos e melhores nos tornamos, mais contribuímos para o avanço da pátria e do mundo, que é a nossa pátria mais ampla.

Voltar ao topo Voltar